A festa continua para os CEOs mais bem pagos do mundo
Mesmo após todas as decisões para enxugar os gastos (e os salários) dos executivos, a festa continua - Robert A. Iger (foto), diretor da Walt Disney, recebeu quase US$ 23 milhões no ano passado

Por David Gelles
Vale a pena trabalhar para John C. Malone.
O bilionário que construiu um império de comunicação via cabo tem 74 anos de idade e não é mais o CEO da empresa que fundou. Mas ele ainda exerce muita influência sobre as decisões e os CEOs das empresas que supervisiona estão frequentemente entre os gerentes mais bem pagos do planeta. No ano passado, sua generosidade foi especialmente notável.
Um bom exemplo é a Discovery Communications, o grupo de TV a cabo por trás da Semana do Tubarão e de programas como "Cake Boss". Malone separou a Discovery de seu grupo de mídia e permanece no conselho diretivo. Sua escolha para executivo-chefe, David M. Zaslav, recebeu salários no total de US$ 156 milhões no ano passado, o que o torna o executivo mais bem pago de uma empresa americana de capital aberto, de acordo com a lista de CEOs mais bem pagos da Equilar 200, realizada pelo New York Times.
Logo atrás de Zaslav na lista de executivos-chefes com maiores salários está Michael T. Fries, da Liberty Global, um grupo internacional de TV a cabo e internet que Malone também comanda. Embora Fries tenha ganhado consideravelmente menos que Zaslav – US$ 44 milhões a menos – sua remuneração total ainda é de US$ 112 milhões.
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Gregory B. Maffei, um dos subalternos mais próximos de Malone, recebeu um aumento de 100% em 2014. Na qualidade de chefe da Liberty Media, proprietária do time de beisebol Atlanta Braves e de uma boa parcela da provedora de rádio via satélite SiriusXM, Maffei recebeu o total de US$41,3 milhões. Já no cargo de diretor da Liberty Interactive, uma empresa relacionada que é dona de redes de compras pela TV, ele recebeu outros 32,4 milhões. Malone, o diretor geral de ambas empresas, premiou seu amigo com um total de US$ 74 milhões no ano passado, tornando-o a sexta pessoa mais bem paga da lista.
Thomas M. Rutledge, outro protegido de Malone que supervisiona a rede de canais regionais Charter Communications, onde Malone e Maffei fazem parte da diretoria, recebeu um total de US$ 16 milhões no ano passado, o que representa um aumento de 259% em relação a 2013. Embora Malone não faça parte do comitê salarial que define o pagamento dos executivos, Maffei é um dos integrantes do grupo.
Ao todo, os quatro CEOs receberam mais de US$ 350 milhões no ano passado, ocupando três dos seis primeiros lugares na lista realizada pela Equilar, uma empresa que coleta dados sobre salários de executivos.
"Nas empresas de John Malone, muita coisa ainda não está clara sobre como os salários são definidos. Quando você pensa a respeito dos US$350 milhões divididos entre apenas quatro homens, é difícil entender por que o salário deles é tão alto", afirmou Robert Jackson Jr., professor de Governança Corporativa na Faculdade de Direito de Columbia.
As cinco empresas de Malone tiveram um ótimo desempenho no ano passado, embora o valor das ações da Discovery tenha caído um pouco, e Zaslav e Fries tenham assinado novos contratos de longo prazo, o que explica em parte os salários. Malone e os quatro executivos-chefes se negaram a comentar a respeito.
Os discípulos de Malone estão longe de ser os únicos executivos com salários de cair o queixo. Os líderes de empresas de alta tecnologia, grupos financeiros e empresas farmacêuticas lucraram consideravelmente no ano passado, tirando proveito de seu lugar no interminável banquete salarial executivo.
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Em empresas de capital aberto com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão que tiveram suas folhas de pagamento reveladas até o dia 30 de abril, o salário médio dos 200 executivos-chefes mais bem pagos era de US$ 22,6 milhões, significativamente mais que a média de 20,7 milhões do ano anterior e a média histórica de 17,6 milhões. Esses são os valores mais altos desde que a Equilar começou a registrar os salários em 2006.
SEM LIMITES
Atualmente esses salários continuam a ser pagos apesar do esforço contínuo para limitar os salários excessivos entre executivos.
Desde a aprovação da Reforma Dodd-Frank em Wall Street e da Lei de Proteção ao Consumidor, em 2010, que tornaram determinadas formas de pagamento mais onerosas para as empresas, os comitês salariais abandonaram inúmeros mecanismos controversos para definir pagamentos. Os empregadores não pagam mais os impostos dos CEOs que estão de saída. Além disso, planos previdenciários suplementares se tornaram coisa do passado. O pagamento em opções de ações agora depende em grande parte do desempenho dos CEOs, ao invés de serem premiados de tempos em tempos.
"Há quinze anos, existiam programas simplesmente absurdos. Hoje, as empresas estão mais espertas que no passado", afirmou Gerard Leider da Meridian Compensation Partners.
Por trás dessa iniciativa está a ideia de que mais transparência leva a cortes de gastos extremamente necessários. Se as empresas fossem obrigadas a revelar como decidem os salários dos principais executivos, é bem possível que isso gerasse uma reforma no setor.
As mudanças não surtiram efeito.
Embora boa parte dos salários seja paga em ações da empresa – algumas das quais com prazo de pagamento de muitos anos – inúmeros executivos-chefes receberam bônus generosos em dinheiro, uma forma de pagamento que não incentiva o desempenho de longo prazo.
Leslie Moonves, diretor da CBS, levou pra casa a soma de US$ 25 milhões em bônus em dinheiro no ano passado. Philippe P. Dauman, diretor da Viacom, recebeu US$ 20 milhões em bônus em dinheiro. E Robert A. Iger, diretor da Walt Disney, recebeu quase US$ 23 milhões em dinheiro. Em todos os casos, os bônus foram pagos por meio de um misto de métricas de desempenho e medidas discricionárias de política orçamental que representaram praticamente metade do salário anual dos magnatas das telecomunicações.
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Ainda assim, alguns bônus em dinheiro pareciam ser o simples pagamento pelo trabalho. No caso de Moonves, US$ 12 milhões estavam atrelados ao desempenho da empresa, ao passo que os US$ 13 milhões restantes foram pagos pelo comitê orçamental em reconhecimento pela sua "liderança e direção na criação de conteúdos de primeira linha”. Em outras palavras, o CEO do canal de TV recebeu um bônus considerável por ser um CEO de canal de TV.
A CBS e a Viacom se negaram a comentar. Um porta-voz da Disney não respondeu diretamente a respeito do bônus pago a Iger.
QUE RECEITA É ESSA?
Há apenas um ano, tudo indicava uma mudança nos rumos.
O economista francês Thomas Piketty causou furor nos círculos econômicos com o sucesso inesperado de seu livro "O Capital no Século XXI". Um debate intenso sobre o crescimento das desigualdades sociais nos EUA chegou aos grandes meios de comunicação e cada vez mais pessoas passaram a exigir o estreitamento dos extremos. Um número crescente de empresas adotou uma política de votação nos salários dos executivos, levando a uma queda nos salários e a uma maior correlação entre salário e desempenho.
Nos últimos meses, algumas empresas se esforçaram para ajudar funcionários de baixa renda e um movimento nacional exige que as redes de fast-food aumentem o salário mínimo.
Entretanto, conforme demonstram os dados, os comitês que decidem os salários do 0,01% estão longe de assumir uma postura mais humilde. Enquanto um punhado de executivos-chefes – como os da Key Energy Services e da Park Electrochemical – adotaram cortes nos próprios salários em solidariedade aos funcionários que também sofreram reduções, a maior parte dos executivos não quis saber de abrir mão do dinheiro. Ao invés disso, à medida que as empresas se recuperam da crise financeira, os CEOs receberam salários mais altos do que nunca.
Mas existe quem defenda os salários altos.
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A defesa desses salários gigantescos se resume à ideia de que os executivos, assim como as celebridades, devem ser pagos por suas contribuições indispensáveis. "Estrelas do cinema e dos esportes recebem um dinheirão em troca de uma quantidade limitada de habilidades. Alguns desses CEOs contam com habilidades inigualáveis", afirmou Leider.
Além disso, as empresas afirmam que muitos pacotes salariais estão intimamente ligados ao desempenho, alinhando os interesses dos executivos-chefes ao dos acionistas.
Os excessos constantes são possíveis graças a um controle enorme da estrutura das empresas de Malone. Em cada caso, Malone e seus aliados têm uma enorme influência sobre votos e decisões, ao passo que os investidores comuns não têm muitos direitos.
"Nas empresas de John Malone, os acionistas têm pouquíssimos direitos", afirmou Jackson.
É a história de sempre: diretorias bem entrosadas facilmente atingem as metas e recebem bônus maiores – essa é a marca registrada dos salários atualmente pagos aos executivos. A situação nunca muda, apesar das décadas de tentativas de reforma, das melhores tentativas dos defensores do direito dos acionistas e de um pedido constante do fim das desigualdades sociais. E enquanto os salários forem definidos por panelinhas de executivos, não há muitas chances de que o banquete termine.
"É essa mentalidade controladora e retrógrada que ainda determina como os salários são pagos nos EUA. Até mesmo depois dos votos salariais, da regra que exige a divulgação desses dados e da própria crise financeira, tudo indica que as coisas vão continuar como estão por um bom tempo", afirmou Jackson.
Foto: Ethan Miller/Getty Images/Thinkstock