Trem fantasma no Congresso ameaça atropelar a Lava Jato
Procurador da operação em Curitiba diz que pessoas que estão sendo investigadas são as mesmas que fazem as leis

A Lava Jato está correndo riscos? Sim, com certeza está. E a advertência partiu do procurador que chefia a equipe do Ministério Público em Curitiba, Deltan Dallagnol.
Duas de suas afirmações, em entrevista nesta quinta-feira (17/11) à TV Folha:
“Muitas pessoas que estão sendo investigadas são as pessoas que fazem a lei, e elas podem mudar a lei para nos atacar {à Lava Jato} e mudar a lei para se proteger.”
“Temos sido surpreendidos a cada semana com um risco novo. Trabalhar na Lava Jato se tornou como andar em um trem fantasma. A cada esquina você toma um susto.”
Dallagnol se referia aos bastidores da comissão especial da Câmara que, com a relatoria do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), procura transformar em projeto as “Dez Medidas contra a Corrupção”, elaboradas pelo Ministério Público e que chegaram ao Congresso sob a forma de iniciativa popular, com 2 milhões de assinaturas.
O texto, que traz agora 17 medidas e não mais dez, deveria ter sido votado na última quarta-feira (16/11), mas de maneira suspeita a reunião da comissão não teve quórum, e a invasão da Câmara por cerca de 40 manifestantes serviu de pretexto para que nova convocação fosse feita para a próxima terça.
A suspeita é a de que deputados faltaram propositalmente à reunião em razão de dois tópicos importantes. Queriam em primeiro lugar a reintrodução dos chamados crimes de responsabilidade dos juízes e procuradores.
O assunto funcionaria como uma ameaça permanente contra aqueles que investigam detentores de mandatos eletivos. Um grupo do Ministério Público Federal havia procurado Lorenzoni na semana anterior, convencendo-o a abandonar o dispositivo.
Mas um grupo de deputados, não identificado pela mídia, ameaçou não votar o texto, caso o dispositivo não fosse reintroduzido.
O segundo tópico controvertido é o que se refere à suposta “anistia do caixa dois”. A palavra “anistia” jamais apareceu no substitutivo. Tratava-se de uma tipificação do crime.
Mas o raciocínio tortuoso daqueles que têm culpa em cartório consistia em acreditar que, com o crime só agora tipificado, os políticos não poderiam ser processados pelo caixa dois praticado nas eleições passadas. Só poderiam fazê-lo a partir da nova lei.
NÃO É BEM O QUE PARECE
Em verdade, não é bem assim. O crime equivalente ao caixa dois já existe no Código Penal, e no Código Eleitoral é prevista a punição dos candidatos que arrecadam dinheiro de origem suspeita ou desconhecida.
É compreensível que os atuais e futuros réus pretendam se precaver. Mas a Lava Jato não tem condenado na primeira instância ex-parlamentares por esse motivo.
Eles o são por corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, já amplamente tipificados. São também esses os crimes que orientaram as condenações do Mensalão.
O fato é que os advogados e seus clientes envolvidos na “operação abafa” acreditam que teriam à disposição um subterfúgio precioso. E é por isso que o assunto tem feito tanto barulho.
O que se sabe é que a Câmara dos Deputados tem pressa na transformação da proposta em lei. Mesmo porque há o temor de que a delação de 70 executivos da Odebrecht complique a vida de 200 a 400 eleitos de praticamente todas as correntes políticas.
O site O Antagonista disse que, em reunião que avançou pela noite desta quinta-feira (17/11), a delação foi fechada e ela poderá ser divulgada nos próximos dias.
A questão está agora em saber quais as lideranças do Congresso que trabalham para enterrar o assunto. A resposta é simples: praticamente todas, mas nenhuma delas em declarações abertas.
Outra questão consistiria em identificar se os altos escalões do Executivo também estão envolvidos na "operação abafa”. Mais uma vez, ninguém se pronuncia abertamente.
O próprio presidente Michel Temer foi evasivo na última segunda-feira (14/11), em entrevista ao programa Roda Viva.
Indagado se era a favor da anistia ao caixa dois, respondeu que era um assunto do Congresso.
O que é verdade apenas em parte. Como chefe do Executivo, ele tem poder de veto quando é aprovada uma lei – ou uma parte dela – que não é para ele conveniente.
Temer também poderia ter dado declarações mais contundentes, afirmando, por exemplo, que todo crime deve ser punido, e que ele jamais seria conivente com tais manobras.
Não o fez, e, independentemente da posição pessoal que ele tenha, interessa ao Planalto baixar o nervosismo e a temperatura no Congresso, para que tramitem com maior facilidade os temas de interesse do governo.
CABRAL E GAROTINHO
Tudo isso ocorre num período em que os políticos com suspeitas se sentem inseguros. A prisão, nesta semana, de dois ex-governadores do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho e Sérgio Cabral, subiu um degrau.
A saber: a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário abandonaram uma vez por todas o tabu segundo o qual “em gente lá de cima não se mexe”. José Dirceu e Antonio Palocci que o digam.
Há também a constatação de que não se trata apenas da honrada ousadia de Sérgio Moro. Garotinho foi preso pela Justiça Eleitoral de Campos dos Goitacazes (RJ), e Cabral, além da equipe de Curitiba, teve seu caso instruído por um juiz federal de primeira instância do Rio de Janeiro.
FOTO: José Cruz/Agência Brasil