“O varejo deseduca quando insiste em falar em preço”
Para o pesquisador Renato Meirelles, a cabeça do consumidor mudou. Mesmo na crise, prefere qualidade a produtos “baratinhos”

Como vender – e ganhar dinheiro - em um momento em que só o bolso não serve mais para explicar a cabeça do consumidor, nem o seu comportamento de consumo?
A questão levantada por Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, faz parte de um estudo feito pela organização sobre as expectativas dos consumidores para o Brasil em 2017.
Em meio ao cenário de crise, que se intensificou em 2015 e perdurou ao longo de 2016, quase 100% dos entrevistados disseram acreditar que a recessão atingiu sua vida pessoal.
Outros 67% declararam ter medo de perder o padrão de vida e o emprego conquistado durante o período de economia em alta.
Oriundos da classe C, esse público lançou mão da velha tática do “sevirômetro”, como brinca Meirelles, o famoso” jeitinho”, para driblar problemas financeiros.
Em muitos casos, com a ajuda da internet. A rede se tornou ferramenta e meio de geração de renda para 91% deles.
Entre os entrevistados, 79% dos internautas usaram a rede para vender produtos. Outros 65% arranjaram emprego virtual, e 59% fizeram bicos online para aumentar a renda. E pelo menos 35% deles, com ajuda dos smartphones.
LEIA MAIS: Brasileiro é o que mais pesquisa antes de comprar
EXPERTISE EM BAIXA RENDA
Meirelles presidiu o Data Popular, instituto de pesquisas especializado em classe C, e do qual se desligou recentemente para dirigir o iLocomotiva.
Criado pelo pesquisador e por Carlos Alberto Júlio, ex-HSM, a organização pretende traduzir a frieza dos números de pesquisa para entender o que mudou na mente dos milhões de consumidores que ascenderam de classe social na última década.
Apresentado durante evento do Conselho de Varejo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o estudo captou essa nova atitude do consumidor.
Pelo raciocínio de Meirelles, é principalmente para os 7,5 milhões que ascenderam para as classes A e B não por meio do emprego com carteira assinada, mas pelo empreendedorismo, que as empresas deveriam direcionar suas estratégias. São consumidores que ascenderam financeiramente, mas continuam com os hábitos da classe C.
LEIA MAIS: Empreender ainda é uma questão de subsistência no Brasil
Ele cita como exemplo o dono do mercadinho que faz entregas com ajuda da internet. A sacoleira que vende roupas pelo Facebook. O youtuber que ganha por visualização de conteúdo.
Ou até quem, num passado não muito distante, venderia o carro para pagar dívidas e hoje prefere virar motorista do Uber. São atitudes que, segundo ele, explicam porque bolso não serve mais para entender e segmentar o consumidor.
“O que era dinheiro perdido (para esse novo consumidor) virou fonte de renda”, afirma Meirelles.
Num cenário em que o varejo como um todo deve fechar o ano em queda de 6%, e o e-commerce terá alta de 8%, Meirelles vai além: se o comércio montado na favela já tem loja virtual, e o seu ainda não tem, você corre o risco de ficar de fora do jogo.
Mas resumir o papel da internet ao e-commerce é “pouco inteligente”, segundo o presidente do iLocomotiva: ela não é apenas um meio transacional, mas um ambiente para desenvolver preferência de marca, de pesquisa de preços em tempo real e até apontar tendências.
“É preciso ir onde o consumidor está, e hoje ele está na internet.”
JOGO DE “ROUBA-MONTE”
O iLocomotiva também analisou as expectativas desse novo consumidor para 2017. Pelo levantamento feito com 6 mil entrevistados, apenas 6% estão satisfeitos em relação ao país.
Por outro lado, 33% se mostraram otimistas em relação ao emprego no próximo semestre, 17% creem que a inflação será controlada e 13% acreditam que a economia voltará a crescer.
LEIA MAIS: Mudança de hábitos para enfrentar a recessão
Parece pouco, mas entre esses mesmos consumidores, 25% afirmam que irão reformar a casa em 2017, 14% vão viajar e 8% pretendem mudar de residência – um bom sinal para o varejo.
O consumidor estar otimista ou pessimista – sentimento captado pelo índice de confiança na economia – influencia sua intenção de compra. "E a segunda opção é ruim para os negócios", afirma.
Pela primeira vez desde 2014, a confiança subiu e ficou em 78 pontos em novembro, segundo levantamento da ACSP/Ipsos.
Portanto, mudar o círculo vicioso do pessimismo implica não só falar de preços e ofertas, mas de melhorar a percepção do consumidor.
“O varejo deseduca ao insistir em falar em preço. Se racionalizar muito essa questão, o momento de compra vira frustração.”
A pesquisa dá uma ideia disso. Apesar de o preço continuar prioritário para 75% dos consumidores, para 56% deles a qualidade conta muito. E para outros 32%, a marca também é levada em consideração.
“Esse cliente não gosta que fiquem lembrando a todo o momento que ele está sem dinheiro”, afirma. “Portanto, não adianta vender produto baratinho: ele quer custo-benefício.”
Em resumo, uma espécie de ”jogo de rouba-monte” vai pautar as estratégias do varejo em 2017, segundo Meirelles: quem mapear vendas, desenvolver estratégias focadas, investir num relacionamento efetivo e se colocar no lugar do consumidor, vai tirar clientes da concorrência, afirma.
“E será o primeiro a aproveitar a retomada econômica que virá”, acredita.
Foto: Thinkstock