Casa Tody, primeira loja da Rua Augusta, fecha as portas após 70 anos

O icônico prédio da loja foi vendido pelos proprietários. Clientes se aglomeram na porta do estabelecimento para se despedir e aproveitar a queima de estoque. Atividades encerram definitivamente na semana de 20 de fevereiro

Cibele Gandolpho
26/Jan/2024
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Casa Tody, primeira loja da Rua Augusta, fecha as portas após 70 anos

Foi com clima de nostalgia que a Casa Tody anunciou nesta semana que irá encerrar suas atividades em fevereiro, após 70 anos de existência na Rua Augusta. O fechamento da primeira loja de calçados da rua tem causado uma grande comoção entre clientes e amigos, além de filas imensas de horas na porta do estabelecimento desde que a notícia foi publicada nas redes sociais. 

Conhecida por vender sapatos infantis de couro clássicos desde 1953, a Casa Tody se tornou referência no Brasil no segmento de calçados para festas, batizados e uniformes de escolas tradicionais.

Com o encerramento, todo o acervo entrou em liquidação, com descontos que vão de 40% a 50% até a semana de 20 de fevereiro, ou até quando durar o estoque. Além dos calçados clássicos, há também toda a linha de tênis All Star, da Converse, para adultos e crianças. 

Na primeira semana do anúncio, o movimento foi muito além do esperado, causando filas de horas na porta, o que obrigou a loja a distribuir senhas.

Para dar um fim decente à Casa Tody, a proprietária Katy Borges, hoje com 77 anos, voltou a colocar a mão na massa, ou melhor, nas caixas, para ajudar no atendimento aos clientes. 

Ela tem sido recebida com abraços e carinho pela clientela, nostálgicos e tristes com o fim da famosa loja. Apesar de estar à frente dos negócios, Katy já não era mais vista diariamente na Casa Tody nos últimos anos.

Filas de horas se formaram na porta da Casa Tody após o anúncio nas redes sociais sobre o encerramento das atividades. Senhas precisaram ser distribuídas para os clientes

 

IMIGRANTES

Nascida na Hungria, Katy veio para o Brasil, em 1949, com apenas dois anos de idade com o pai, André Frank, sua mãe Marianna e os avós paternos Miklos e Elisabeth Frank, sobreviventes do Holocausto.

“Eles tentaram atuar no ramo de vinhos, que era algo que já faziam na Hungria, mas não deu certo. Em 1953, meu pai inaugurou a Casa Tody com meus avós e todos trabalhavam na loja. Por isso, passei toda minha infância no meio dessas prateleiras, que estão como eram no passado, além de toda minha vida”, lembra Katy.

A Casa Tody chegou a ter oito vendedores nos tempos mais lucrativos, mas hoje apenas dois permanecem no local, ambos com 40 anos dedicados à empresa da família húngara. 

O fato é que a Casa Tody, apesar de atuar em um nicho muito específico e com poucos concorrentes, perdeu espaço para os shoppings centers e para uma grande mudança no gosto dos consumidores pelos calçados. 

As escolas tradicionais, que exigiam o sapato de couro, agora são minoria, e a baixa demanda ainda era sustentada pelos modelos festa, tanto para meninos quanto para meninas. Sem contar a procura pelo tênis vintage da Converse, que foi adicionado ao portfólio muitos anos depois da fundação.

A proprietária Katy Borges, 77 anos, que estava afastada dos negócios, voltou a atender os clientes nesta despedida

 

UM FINAL FELIZ

Katy já vinha sendo abordada para vender o imóvel de 300 metros quadrados há anos. Mesmo durante a pandemia da covid-19, quando teve o faturamento zerado por dois meses consecutivos, a Casa Tody se manteve firme e sem se render ao e-commerce. Os funcionários recebiam salários do governo e não foram demitidos. Mas o movimento nunca mais foi o mesmo.

“Recentemente, tive uma boa proposta para vender o prédio e resolvi dar um final feliz à nossa história, com a loja lotada.” 

Katy conta que foi motivada também pelo fato de que não haveria uma sucessão na família para tocar a Casa Tody. “Meus netos atuam em outras áreas e não iam querer assumir o negócio. Estou feliz de terminar este ciclo recebendo tanta gratidão dos nossos clientes e amigos.”

A simpática senhora revela que já recebeu, nesta semana, proposta de vender a marca Casa Tody. “É uma marca forte, que tem história e valor. Estou avaliando as propostas. Quem sabe.”

O incrível é que a Casa Tody nasceu quando a Rua Augusta mal tinha comércio e sobreviveu a tantas mudanças. Conseguiu manter a mesma fachada, com vitrines laterais, as mesmas paredes com armários de madeira até o teto repletos de caixas de sapatos empilhadas, o chão de carpete verde, a escada em caracol no centro e o cheiro de couro. Está tudo lá, desde 1953. Tudo permanece idêntico.

Até os móveis agora estão na mira da clientela. Katy conta que recebeu, nesta semana, propostas para a venda das peças, das prateleiras e até da escada em caracol. “Talvez a gente promova um leilão, vamos ver.” 

NOSTALGIA

O fundador André Frank trabalhou na Casa Tody até os 92 anos, já de cadeira de rodas, quando faleceu em 2013. Um cartaz com sua foto ainda permanece atrás da escada caracol e é um dos lugares preferidos da filha Katy.

“Meu pai veio para o Brasil com 32 anos, junto com minha mãe e meus avós. Ele era tão conhecido na região, após 50 anos trabalhando aqui, que quis fazer sua festa de 90 anos na loja”, lembra Katy.

“Meu pai era muito conservador. Nunca quis vender sapatos da moda, já que sua especialidade era o sapato de couro. No passado, os colégios exigiam esse tipo de calçado e todo mundo vinha comprar aqui. Mas, ainda tínhamos muita procura para festas e batizados.”

Foi André quem criou uma das relíquias e marca registrada da loja: uma régua de madeira para medir o tamanho do pé das crianças. 

COMOÇÃO

Após o anúncio nas redes sociais na sexta-feira à noite, dia 19, a Casa Tody recebeu inúmeras mensagens de clientes chateados com o fechamento e dezenas de repostagens no Instagram.

A médica Angela Veríssimo, de 36 anos, era uma das clientes que foi aproveitar as promoções. “Eu vinha aqui com minha mãe quando era criança porque a escola onde eu estudava exigia o sapato de couro. Gosto muito da qualidade, sempre comprei para minha filha e voltei agora no encerramento para comprar sandálias e tênis para ela. Peguei até dois números maiores de All Star para aproveitar o preço, já que é um calçado que tem valores tabelados pela marca”, comenta.

Já a professora Monica Nascimento, de 33 anos, foi dar um último adeus à Casa Tody. “Sou uma cliente muito assídua e fiquei chocada. Essa loja é um marco da história da Rua Augusta. Moro aqui perto e vai ser triste saber que não existe mais ou ver outra coisa no local daqui um tempo.”

LIQUIDAÇÃO

A Casa Tody abriu no feriado do aniversário de São Paulo e também irá receber os clientes nos próximos dois domingos, após o meio-dia. Apesar de muitas peças já terem sido vendidas do estoque, onde é possível ver prateleiras já vazias, a loja ainda tem um lote de tênis All Star para chegar, que foi adquirido antes da decisão de encerrar as atividades. 

“Nosso forte são os calçados infantis e de couro, mas de uns anos para cá, passamos a ser referência na venda desse tênis, com uma infinidade de modelos, cores e numerações”, diz Katy.

Até meados do dia 20 de fevereiro será possível ainda comprar ou apenas visitar essa que é uma das lojas mais antigas da capital paulista, ser atendido pela família fundadora e entender por que tudo na Casa Tody é tão fascinante. Uma verdadeira viagem ao passado, mas que, infelizmente, está chegando ao fim.

LEIA MAIS: 

Casa Tody: primeira loja da Rua Augusta completa 70 anos

 

IMAGENS: Cibele Gandolpho/DC

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