STF dá fôlego à Lava Jato ao não mexer com delações premiadas
Ministros do Supremo mantêm os poderes do Ministério Público para negociar com os investigados a troca de informações pela diminuição do tempo de cadeia
O Supremo Tribunal Federal (STF) desmontou, nesta quinta-feira (22/06), uma armadilha que poderia comprometer definitivamente o êxito da Lava Jato.
Manteve o Ministério Público como única instituição responsável por recolher e avaliar os depoimentos em delação premiada.
Ao Judiciário cabe apenas o papel de homologar, depois de constatar que os investigados ou réus entregaram suas informações de forma voluntária e sem nenhuma coação.
A questão é meio complicada. Ela surgiu com a mais comprometedora das delações, a de Joesley Batista, do grupo JBF, que comprometeu de maneira bombástica a honestidade de Michel Temer e permitiu que a Procuradoria Geral da República apresente, contra ele, denúncia por corrupção passiva, obstrução de justiça e participação no crime organizado.
A percepção de parte do Judiciário -a começar pelo ministro Gilmar Mendes, do STF - era de que Joesley obteve um benefício excessivo em troca do abalo político que provocou. Isso porque a equipe de promotores de Rodrigo Janot, o procurador-geral, concordou que, em troca de seu depoimento, o empresário não fosse sequer processado.
Essa posição era apoiada por simpatizantes de todas as tendências partidárias em redes sociais. "Esse homem corrompeu por mais de 14 anos os principais personagens da República, e agora pode viver livremente em Nova York", diziam, em resumo, os defensores da lei de talião, que queriam que Joesley fosse preso.
Surgiria, no entanto, um outro problema. Para prendê-lo, seria preciso anular a delação do empresário na PRG. E, para tanto, Rodrigo Janot e sua equipe perderiam a autonomia para lidar com as delações.
Mas não era um aspecto apenas formal. Se isso acontecesse, abririam-se as porteiras para que todas as delações já homologadas também fossem objeto de revisão.
Um exemplo seria os advogados de Luís Inácio Lula da Silva pedirem a anulação das delações da Odebrecht para que fossem arquivados os processos contra seu cliente.
A chamada insegurança jurídica estaria instituída de uma vez por todas. E, com ela, os possíveis delatores pensariam duas ou três vezes antes de entregarem suas informações aos procuradores.
O caso mais emblemático é o do ex-ministro Antonio Palocci, preso desde novembro em Curitiba e hoje em plenas tratativas para delações que comprometerão Lula, o PT e seus interlocutores das instituições financeiras.
O COMEÇO DE TODA ESSA HISTÓRIA
O STF precisou abordar o assunto a partir de uma petição do governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), que contestou o fato de o ministro Edson Fachin -relator da Lava Jato, operação criada para apurar os crimes de corrupção na Petrobras - estar também encarregado da holding J&S, que não tem nada a ver com petróleo.
O assunto foi então à análise do plenário do tribunal, com um duplo objetivo. Em primeiro lugar definir o estatuto da relatoria de Fachin, e, em segundo lugar, saber se ele poderia ter homologado a delação de Joesley Batista.
Esse segundo ponto era bem mais delicado. A homologação de Fachin foi "autocrática". Ou seja, partiu apenas dele, sem a necessidade de submetê-la aos demais dez ministros do STF.
Ele não entrou no mérito se era uma delação conveniente ou não, ou se as vantagens que o Ministério Público ofereceu eram ou não excessivas.
O fato é que a delação, como o próprio Fachin deixou cclaro na sessão de quarta-feira (21/06), consiste num conjunto de informações que serão verificadas e que podem, numa etapa posterior, comprometer o delator na Justiça.
Além do mais, as vantagens da delação seriam suspensas caso se comprove, no decurso das investigações, que o delator faltou com a verdade.
A delação premiada é uma instituição recente no direito brasileiro. Apareceu pela primeira vez em 1990, num único artigo da Lei sobre os Crimes Hediondos. E a seguir foi tratada por sete outras leis. As duas últimas, de 2016 e de 2013, foram promulgadas por presidentes da República vindos do PT.
Em suas primeiras versões, a delação nada tinha a ver com corrupção na política. Era um instrumento para desmontar quadrilhas envolvidas no narcotráfico, que passaram a ser combatidas, no Brasil, por meio de instrumentos inéditos no aparato policial, como o rastreamento de dinheiro sujo ou de movimentações de dimensões atípicas.
O maior interessado nessa nova máquina policial e judicial eram, na época, os Estados Unidos, o maior mercado consumidor de cocaína, e onde prevalecia a sensação de que os métodos puramente repressivos não haviam conseguido desmontar os cartéis que atuavam na Colômbia.
Pois foi essa cultura da delação que permitiu à Lava Jato prender suspeitos e forçá-los à delação. Foi graças a esse mecanismo que a Justiça contou oom informações de delatores, dentro e fora da política.
O próprio procurador-geral, Rodrigo Janot, situou com muita propriedade a dimensão amplificada desse mecanismo.
"A decisão tomada aqui vai alcançar as delações premiadas para apurar tráfico de drogas, de armas, de pessoas, PCC, Comando Vermelho, sequestro, terrorismo, toda a forma de macrocriminalidade", disse ele, na sessão de quarta-feira do STF.
A VOTAÇÃO NO STF
Os dois primeiros ministros a se manifestarem foram Edson Fachin, como relator, e Alexandre de Moraes. Ambos se pronunciaram na quarta-feira. Ambos votaram pela manutenção do caso JBS nos termos em que ele se encontra. E, por tabela, concordaram que o STF não pode modificar os acordos de delação premiada.
A sessão de quinta foi abeta por Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Todos os três defenderam a mesma posição, embora ao final do voto de Fux tenham ocorrido por cerca de 40 minutos trocas irônicas de ideias, que sinalizaram o voto contrário de Gilmar Mendes.
Às 16 horas, a ministra Carmen Lúcia, presidente do tribunal, determinou uma pausa nos trabalhos. O placar indicava 5 votos a 0, em favor das delações premiadas e da relatoria de Fachin. Retomada a sessão, 30 minutos depois, o ministro Dias Toffoli, o primeiro a votar, também anunciou que acompanharia o relator.
Fachin e o atual formato da delação premiada já estavam com 6 votos. Como são 11 ministros, a questão já estava decidida.
Votou em seguida o ministro Ricardo Lewandowski. Ele apoiou a permanência de Fachin como relator da JBS. Mas impôs um senão com relação às delações premiadas, numa iniciativa que foi interpretada de maneira ambígua pelos presentes. Só por meio da ata da sessão é que se saberá se a delação premiada, nesta quinta-feira saiu vencedora por 6 a 1 ou por 7 a 0.
Para ele, o plenário pode rever alguma inconstitucionalidade patente que o relator tenha deixado passar no momento de negociar a delação. De qualquer modo uma maioria em plenário já estava formada.
Quatro ministros que ainda não votaram deverão se manifestar na sessão da próxima quarta-feira (28/06).
FOTO: José Cruz/Agência Brasil