Setor de brinquedos perde medo de importados e se alia à China
Estratégia garante crescimento da pioneira Xalingo, segundo o CEO Rodrigo Harsteln (foto), e mercado asiático não é mais ameaça, afirma a Abrinq. Feira do setor realizada na última semana gerou cerca de R$ 20,1 milhões em negócios

Após a pandemia, a Xalingo Brinquedos, 77 anos, decidiu reinventar alguns processos e mudar a rota para se manter na briga. E uma dessas mudanças foi se aliar a parceiros chineses.
O ditado popular "se você não pode vencê-los, junte-se a eles", hoje parece se aplicar à indústria brasileira do setor, que há quase duas décadas sofria com a presença de brinquedos e componentes importados da China. Estes respondiam por quase 90% do mercado, segundo estimativas da Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos).
Hoje, esse índice está em torno de 40%, e o motivo é simples. Na esteira da reglobalização, algumas empresas brasileiras, como a pioneira Xalingo, passaram a trabalhar em conjunto com as asiáticas em áreas como distribuição, importação de partes e peças ou até das próprias linhas de produção para montar, gerar emprego e movimentar a economia.
Seja na avaliação de produtos novos, ou na complementação de linhas que já existem, a questão é que os chineses entenderam que o produto fabricado e vendido no Brasil tem que ter qualidade apesar da complexidade tributária, explica Rodrigo Harsteln, CEO e terceira geração à frente da empresa.
A "briga", disse, sempre existiu pela entrada de brinquedos ilegais, muito associados aos chineses, por acabarem tirando a competitividade da indústria local.
"Mas quando o importado entra por via legal, fica no mesmo patamar de competição do brinquedo brasileiro: a indústria chinesa começou a perceber isso e buscar essas parcerias, e é isso que a gente vem trabalhando com eles em diversas marcas."
Exemplo disso é a Hape. A marca alemã de brinquedos educativos que tem fábrica na China foi lançada pela Xalingo com exclusividade na 40ª Abrin - Feira Internacional de Brinquedos, realizada na primeira semana de março, na Expo Center Norte, na Capital Paulista.
O setor que se adapta a qualquer situação, e tem "20 mil potenciais fregueses novos todos os dias", já que a indústria brasileira fabrica essa média de produtos diariamente, agora não tem mais "medo" do importado, segundo Synésio Baptista da Costa, presidente da Abrinq.
O mundo inteiro compra brinquedo importado da China, mesmo com a migração desse mercado para outros países asiáticos, como Malásia, Vietnã e Filipinas, disse, em bate-papo com o Diário do Comércio na Abrin. "Mas o governo chinês endureceu o jogo com produtos de má qualidade, e nem eles querem mais comprar o tipo de produtos que faziam."
Costa também citou dados: enquanto os chineses fazem brinquedos "para o planeta", há 400 fábricas no Brasil que produzem para o mercado interno e o externo, com 65% da capacidade instalada.
"Há 12 anos o setor não tem resultado vermelho na última linha do balanço, mesmo com a covid e todas as dificuldades na economia que o país passou no período."
Com as parcerias, até o "share do contrabando", ou seja, dos produtos que entram no país ilegalmente, diminuiu, de 55% para 6% do início da década de 2000 até agora. Não dá para ficar nem contra os marketplaces asiáticos, segundo o presidente da Abrinq.
"É bobagem. Eles também são um canal de vendas. A indústria de brinquedos se adapta a qualquer situação. A hora agora é de fazer brinquedos para crianças com necessidades especiais, bonecos de todos os tons de pele para atender a todos os tipos de consumidor", afirmou, lembrando que, entre mais de 1,2 mil lançamentos na Abrin, pelo menos 150 estão nessa modalidade.
Mesmo assim, os números ainda são expressivos. Apesar da queda de 5% desde 2017 (US$ 205,3 bilhões), a China continua no topo do ranking e respondeu por 74,4% da origem dos produtos importados que entraram no Brasil em 2023 (US$ 194,8 bilhões), segundo levantamento da Abrinq com base no Comex Stat (sistema de consulta de dados relativos ao comércio exterior brasileiro do MDIC).
CONVIVÊNCIA PACÍFICA?
Para combater a concorrência asiática, há 10 anos a indústria brasileira de brinquedos começou a "prestigiar" vizinhos do Mercosul para baratear os produtos nacionais e evitar descaminho.
A ideia de importar desses países, disse Synésio Costa à época, liberou as empresas de se dedicarem a etapas mais complexas da produção (como montagem), gerando alta na produtividade local e redução dos preços em 2,5%. A tática deu um fôlego importante à indústria nacional.
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Rodrigo Harsteln, da Xalingo, que hoje estende a estratégia para a antiga "ameaça" à indústria nacional, disse que a parceria com os chineses é um passo do mundo globalizado de não-disputas, e ainda colabora para trazer para cá produtos inovadores de criação e design desenvolvidos por chineses.
"Ao mesmo tempo em que trazemos os equipamentos para produzir aqui, vemos oportunidades em outros mercados de levar nossos próprios produtos. É uma parceria de mão dupla."
Participando de eventos internacionais do setor, ele contou ter percebido o movimento de algumas empresas, importadoras e fabricantes, em busca de parcerias com a China.
Mas notou também o interesse dos chineses, que viram a necessidade de buscar parcerias com o Brasil depois da pandemia para continuar no jogo. Ainda mais com a desaceleração da economia da China, que prevê crescer "modestos" 5% em 2024. Deste lado, o Brasil caminha para virar um hub de distribuição e o maior pólo de fabricação de brinquedos da América Latina, sinalizou.
"Sem parcerias, no futuro dificilmente uma empresa chinesa conseguirá se associar a algum fabricante que não seja do Brasil", completou Harsteln, lembrando que a pandemia mostrou que não dá para fazer tudo na China - daí a migração de produção para outros países asiáticos.
Ou o mundo ficaria desabastecido. "Vimos com a parceria maneiras de centralizar a produção de diversos itens, e o brinquedo foi um deles. Como o Brasil sempre teve essa característica de produção, esse foi o caminho natural para fazer essa cooperação comercial."
Hoje, segundo Harsteln, a Xalingo tem um portfólio de mais de 650 produtos incluindo as novidades lançadas na 40ª Abrin, como jogos em braille, libras, para crianças com déficit de atenção e até aprendizado de inglês. Mas só 20% de toda a linha tem participação chinesa.
"Com a parceria, conseguimos oferecer um volume maior de produtos e com mais qualidade. Mas acreditamos na indústria nacional: é 20% e não passa disso."
40ª ABRIN E O SETOR
A indústria de brinquedos no país tem mantido o viés de alta nos últimos 12 anos, segundo Synésio Costa, da Abrinq. Cresceu 21% nos dois primeiros anos de pandemia - "o mundo fechou, então só dava para comprar daqui. E estávamos preparados" - e, em 2022, registrou 6% de crescimento.
Em 2023, houve uma reacomodação: alta de 3,8%, com faturamento de R$ 9,465 bilhões. Para 2024, a expectativa de crescimento é de mais 4%, com faturamento em torno de R$ 9,8 bilhões.
De acordo com a estatística anual da Abrinq, o número de empregos passou de 37.650 em 2022 para 40.131 em 2023. Nos últimos cinco meses do ano, o setor concentrou 61% das vendas. A média de lançamentos da indústria, que vive de novidades, foi de 1,3 mil itens.
Synésio Costa reforçou que as variáveis conspiram a favor: o motivo, segundo ele, e que não é todo setor no Brasil que tem uma feira realizada há 40 anos, e que depois do Dia das Mães, o brinquedo é o único produto que tem um dia só dele no calendário do varejo (o Dia das Crianças).
Nesse movimento, se em 2010 o setor vendia cinco brinquedos per capita no Brasil por ano, em 2023 subiu para 11. Na Inglaterra a média é 38 - meta que o setor pretende alcançar a médio-longo prazo. "Não tem conversa: pode dar o que quiser, o que a criança quer é brinquedo."
A 40ª edição da ABRIN, considerada a 5º maior feira de brinquedos do mundo, realizada entre os dias 03 e 06 de março últimos, reuniu cerca de 18 mil visitantes. Nos quatro dias de evento, foram movimentados cerca de R$ 20,1 milhões no espaço Rodadas de Negócio, em 260 reuniões entre 20 empresas compradoras e 53 expositoras, segundo os organizadores.
IMAGEM: Karina Lignelli