Onde o governo falha para sair da crise
Diagnóstico de economistas é que o governo erra ao não acabar com as vinculações orçamentárias, ignorar as privatizações e aumentar impostos às pressas

Com um rombo nas contas públicas, o governo enfrenta uma recessão que se mistura com as crises de corrupção, de valores e política. Ao anunciar propostas para solucionar a crise nas finanças, o fez de forma apressada e pelo caminho do aumento de impostos, sem avaliar a volta das privatizações e o fim das vinculações orçamentárias.
É o que dizem três economistas que ministraram palestras no seminário "Caminhos do Brasil", organizado pelo Instituto Teotônio Vilela e PSDB, no Senado Federal.
Para Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e assessor econômico do então candidato à presidente Aécio Neves, o agravamento da situação econômica do país não chegou a ser uma surpresa.
Segundo ele, a carga tributária já está acima de 30% do PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos pelo país), o país é refém de interessados partidários e tem se mostrado incapaz de lidar com a ainda desigual distribuição da renda do país.
"O Estado está doente e com suspeita de uma doença maior. Esse Estado tem se mostrado ineficaz em entregar os serviços que as pessoas desejam, apesar de quanto se gasta. É um Estado que está semiquebrado", disse.
O economista disse entender a situação difícil de corte, ainda mais em um país que está em recessão.
"Mas o ajuste precisa acontecer, de forma gradual ao longo de alguns anos e melhor do que esse que está proposto e que nem será cumprido pelo governo. Deveria caminhar para algo de 3% do PIB ou coisa assim", disse, acrescentando que também há tempo para se fazer mudanças na Previdência.
Uma das sugestões de Fraga é acabar com 100% das vinculações. "A coisa mais radical: chegou a hora de uma enorme revisão de realmente acabar com todas as vinculações, com 100% delas, isso é um trabalho que tem que ser feito aqui (Congresso)", afirmou.
Mais cedo, Fraga citou suas opiniões sobre ajustes macroeconômicos. Do lado da microeconomia, ele mencionou a necessidade de se realizar uma reforma tributária profunda e a unificação do ICMS com, também, padronização das regras. "Temos problemas sérios também sobre crédito", disse.
Em resumo, de acordo com ele, é preciso, na prática, desmontar a nova matriz econômica - política que orientou o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.
AUMENTO DE IMPOSTOS É ATITUDE APRESSADA
Ajuste fiscal feito às pressas se transforma em aumento de carga tributária, na avaliação do economista Mansueto Almeida.
"Não gosto de ajuste fiscal feito de forma açodada porque isso significa aumento de carga tributária. Há uma tentativa desesperada de aumento da receita, como vimos agora com a CPMF. O governo não tem convicção exatamente do que é o ajuste fiscal", disse durante sua apresentação.
Segundo ele, não é preciso ter medo de colocar discussões sobre reforma na mesa, mas é errado fechar essas propostas em gabinetes. "Isso precisa ser negociado nesta Casa", disse.
O economista salientou que os gastos com saúde cresceram 10% em 2014 em relação ao ano anterior e que situação semelhante foi vista na Educação.
"Se tivesse no governo um bom gestor, esse gasto tão grande estaria se transformando em uma grande revolução e não se vê isso. O que se vê é um aumento de gastos e de impostos", argumentou.
O economista lembrou que, há pouco tempo, especialistas que previam relação de 70% da dívida bruta em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) eram tidos como "lunáticos".
"Agora a discussão é sobre em que mês isso vai acontecer no próximo ano. O Brasil passará a ser o país mais endividado do mundo em relação ao seu PIB e não existe nenhum país do mundo com dívida superior a 70% do PIB que é grau de investimento", comparou.
Ele disse que o Tesouro Nacional passou a emprestar dinheiro para bancos públicos, o que é normal, mas quando são volumes baixos. Em 2007, lembrou, esse repasse era de 0,3% do PIB e até o fim de 2014, aumentou em mais de R$ 500 bilhões. "Pode-se pensar que foi legítimo dar subsídios a empresas, mas o custo dos subsídios ficou escondido", disse.
A VOLTA DAS PRIVATIZAÇÕES
Para Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, é preciso falar de privatização de "peito aberto".
"O problema não é ideológico, ideológico coisa nenhuma. A Petrobras está quase quebrada e isso não teria acontecido com uma empresa privada", disse.
Segundo Franco, o Brasil vive momento glorioso de suas instituições, mas no dia a dia as pessoas estão preocupadas.
Para ele, as reservas internacionais estão um patamar superior ao qual o Brasil necessita e é preciso que o governo não confunda "febre com infecção".
"O erro mais comum e delicado é o de se confundir causas e efeitos e isso pode trazer um tratamento indesejado", afirmou.
Durante grande parte de sua apresentação, Franco lembrou o período de implantação do Plano Real, em 1994, e as expectativas que existiam na época para o futuro.
O presidente Lula, de acordo com ele, pouco alterou o que herdou da política econômica quando assumiu o governo. "Foi um momento de um petismo passivo e que demonstra respeito do legado que recebeu e pelo país", avaliou.
De qualquer forma, o economista salientou que houve a volta da inflação nos últimos anos. "O que difere eles de nós é o inflacionismo."O ex-presidente do BC avaliou ainda que os juros atuais são "estupidamente altos".
Ressaltou, no entanto, que isso não ocorre simplesmente porque o BC é "conservador ou malvado", mas que é fruto de uma série de indicadores ruins da economia.
"É preciso refletir sobre o que é a solução, que não é controle de juros, assim como a solução para a inflação não é controle de preços", afirmou.
Foto: Estadão Conteúdo