Jessica Alba, a caminho do primeiro bilhão de dólares
Movida por necessidade e talento empreendedor, a estrela americana do cinema constrói em cinco anos um negócio cobiçado pelas líderes do varejo e do consumo
Hollywood nunca viu façanha igual à de Jessica Alba. Em cinco anos, a atriz de 35 anos implantou e fez crescer, fora da seara artística, um negócio avaliado em US$ 1,7 bilhão. Estrela de filmes como Quarteto Fantástico e Sin City, a empreendedora chegou muito mais longe do que conseguiria como atriz.
A começar pelo nome, The Honest Company, a empreitada de Jessica deixou um rastro de surpresa e admiração no mercado de varejo e de TI.
E também de arrependimento entre investidores que não levaram a sério a proposta radical da empresa de varejo online – criar um portfólio inédito de produtos para bebês e mães fabricados exclusivamente com materiais orgânicos, livre de compostos sintéticos, com design caprichado e preço acessível.
Como resultado, ainda neste ano a Honest se divide entre abrir o capital ou negociar a oferta de compra da Unilever, de U$ 1 bilhão. Por seu lado, Jessica, acionista majoritária, atingiu um patrimônio pessoal de mais US$ 200 milhões.
Em 2015, ela entrou pela primeira vez na lista da revista Forbes das 40 mulheres que se tornaram as mais ricas do mundo com um negócio próprio.
Acabou escolhida para ser a capa da publicação porque, ao contrário de Madonna e Oprah Winfrey, simboliza a celebridade que criou uma empresa fora da área de entretenimento.
EMPRESA ENGAJADA
Com cerca de 500 empregados, a companhia instalada na Califórnia faturou R$ 300 milhões em 2015. O carro-chefe de venda são as fraldas descartáveis, seguidas por produtos de limpeza e cuidados pessoais, em um total de 135 itens.
No início, a empresa trabalhou apenas com a venda online desses produtos pelo sistema de assinatura mensal.
O sucesso instantâneo da marca atraiu a demanda de redes de varejo atuantes no segmento infantil ou de produtos sustentáveis.
As diversas linhas são encontradas hoje em quase cinco mil pontos de venda no território americano. No entanto, o e-commerce ainda representa 75% do faturamento.
O que atraiu a atenção das gigantes do consumo (rumores indicam que a P&G também fez uma tentativa de compra) foi o sucesso do posicionamento de marca, cuidadosamente pensado. O mesmo efeito teve sobre os vários fundos que aportaram investimentos na companhia.
A The Honest Company conseguiu ser vista não como uma vendedora de produtos infantis, mas uma empresa preocupada em dar mais tranquilidade aos pais e em controlar seus impactos ambientais e sociais.
Uma das providências foi se posicionar como uma BCorp (empresa B), a organização internacional que reúne companhias que nascem ou trabalham para unir lucro com uma finalidade que traga um bem à sociedade.
Os dois posicionamentos da empresa de Jessica atraíram rapidamente um público fiel nos Estados Unidos, principalmente entre as mães jovens, afinadas com as novas tendências de consumo consciente e valorização dos produtos com pegada natural.
UNICÓRNIO
A rapidez com que a The Honest Company cresceu levou o mercado a chamá-la de startup unicórnio. De tão raras, é o apelido dado pelo mundo de TI para quem chega ao primeiro bilhão de dólares em menos de cinco anos.
Por trás da rapidez, no entanto, há uma autêntica história de empreendedorismo, com a mistura de necessidade, senso de oportunidade, audácia, persistência e muito trabalho.
Em 2008, a atriz ficou grávida da primeira filha (a segunda nasceu quatro anos depois). Ao lavar algumas peças do enxoval de bebê, teve uma reação na pele que a fez lembrar da infância marcada por problemas de saúde, como asma e alergias.
Alarmada com o incidente, passou dias na internet pesquisando as fórmulas dos produtos para bebês e também dos produtos de limpeza e higiene.
Encontrou neles todo tipo de componentes químicos, disfarçados como “fragrância” e com potencial de desencadear doenças ou reações alérgicas.
Decidiu pesquisar outros produtos para comprar, de marcas que trabalhassem com matérias-primas não tóxicas e desenho amigável. Desanimou. “Só encontrei produtos com preço exorbitante”, ela contou, “ou desprovidos de qualquer graça ou ambos.”
Uma luz se acendeu para a consumidora frustrada – aí estava uma oportunidade de mercado. A atriz intuiu a existência de um nicho de consumidores como ela, ansiosos por produtos seguros e eficazes, com visual atraente, a bom preço e fácil de encontrar.
Descobriu também que as poucas empresas que trabalhavam nesse segmento não tinham uma visão de posicionamento de marca que funcionasse como um guarda-chuva para produtos dentro desse conceito.
Nos dois anos seguintes, ela conciliou a vida de mãe e uma agitada agenda cinematográfica com a busca de ajuda e a elaboração de um plano de negócios.
Além de produtos sem fragrância, sonhava com um serviço de assinatura mensal para a venda de kits que o bebê precisasse.
ESCOLHAS ESPERTAS
A primeira pessoa convidada para a jornada foi Christopher Gavigan, um empreendedor social e especialista em saúde infantil. Com ele, Jessica terminou seu aprendizado sobre o mundo dos componentes químicos.
A ponto de se tornar uma militante pela reforma da legislação sobre substâncias tóxicas em produtos domésticos e de fazer lobby no Congresso em Washington.
Para refinar o plano de negócios e ajudar nos primeiros passos, entrou em contato com um experiente criador de startups e captador de investimentos, Brian Lee.
Ele só concordou em fazer uma consultoria. Apenas um ano depois, após o nascimento da primeira filha, Lee entendeu o alcance da ideia de Jessica. Hoje é sócio e presidente da Honest.
Para o quarto cofundador, buscou-se um especialista em varejo digital, Sean Kaeand. Afinal, era disse que se tratava, iniciar um e-commerce em um segmento inédito.
O aporte inicial para o lançamento do projeto, que incluía 17 produtos entre fraldas e lenços higiênicos, chegou a US$ 6 milhões. No primeiro ano, 2012, as vendas atingiram US$ 10 milhões.
Com novo desenho e estampas inesperadas, as fraldas estouraram na internet. Até hoje, a empresária se espanta em como ninguém teve a ideia antes. “Eu queria que as fraldas fossem fofas, não como se nossos bebês usassem um saco.”
CRESCIMENTO E POLÊMICA
O sucesso inicial deu embalo ao conceito original concebido para a empresa – construir uma única marca que levasse sua credibilidade para além dos produtos livres de substâncias químicas. O céu se tornou o limite para a Honest.
Da área de inovação e desenvolvimento saem produtos verdes em diferentes categorias, de alimentos e multivitaminas a móveis infantis e jeans. Em 2014, o faturamento atingiu US$ 127 milhões.
Surpreende em tudo isso que não tenha sido gasto quase nada em publicidade. Adepta do controle firme dos custos, Jessica Alba consegue propaganda gratuita com as redes sociais.
Vantagens de uma celebridade. Com seus posts no Instagram vistos por mais de seis milhões de seguidores, ela consegue um retorno muito mais eficiente.
Em 2015, a empresa deu mais um passo ambicioso e planejado, a expansão para o exterior. A primeira experiência foi na Coreia e, em 2016, a China estava nos planos. Outra medida em estudo é a abertura de capital.
Os planos, no entanto, foram atropelados por reclamações e processos por um possível desvio da finalidade principal da empresa, a de vender produtos saudáveis e seguros.
Um processo apresentado pela Organic Consumers Association acusa a Honesty de usar uma falsa imagem de sustentabilidade para atrair consumidores e cobrar mais caro pelos seus produtos.
Outras ações envolvem pessoas que teriam sofrido danos na pele devido ao uso de um protetor solar da marca.
O ataque mais ruidoso veio do jornal Wall Street Journal este ano. Uma reportagem, que contou com investigação de organismos especializados, identificou na fórmula de um detergente um composto químico que a Honest garante evitar.
Porta-voz da empresa, Jessica Alba não tem se escondido das críticas. Em entrevistas e comunicados, mantém a posição de compromisso com a Honest, e continua a assegurar que os princípios que levaram à criação da empresa prevalecem sobre os interesses comerciais. O interesse da Unilever deve ajudar a esclarecer a polêmica.
TRABALHO DURO
Pouca gente entendeu quando a beldade sexy, que esteve várias vezes nas listas das mais bonitas do mundo, se revelou uma sagaz mulher de negócios.
O trabalho duro nas produções de Hollywood, costuma falar Jessica, foi substituído por 86 horas semanais à frente da Honest.
Ela diz ter sido movida pelo espirito de negócios nas duas fases, mesmo tendo sido subestimada em ambas.
A jovem magnata despontou para a fama nos anos 1990, com um seriado de grande sucesso, Dark Angel, produzido pelo diretor e produtor James Cameron. Mas já estava trabalhando para Hollywood cinco anos antes.
Ficou mais conhecida no meio pela dedicação ao trabalho do que pelo talento dramático. Chegou a receber algumas Cereja de Ouro, distinção distribuída na época do Oscar para os piores desempenhos do ano. Não parece traumatizada por esses episódios.
Trabalhou em inúmeros filmes e seriados e ainda atua em papéis que exijam pouco tempo de filmagem. Mas o que permanece na memória do público é a dançarina perseguida de Sin City – A Cidade do Pecado, a sombria transposição dos quadrinhos de Frank Miller para o cinema, com Robin Williams e Clive Owen.
CABEÇA DE NEGÓCIOS
Em entrevistas, Jessica explica como definiu metas na vida desde adolescente e se dedicou a criar as condições para os seus planos de longo prazo:
“Trabalho desde os 12 anos, rodei o mundo com adultos e pude ver como funcionavam aquelas diferentes dinâmicas. Tenho sido parte de um monte de estratégias de marketing e vi como elas utilizam pessoas como eu.” Ela aprendeu.
Engana-se quem ainda pensa que se trata apenas de uma carinha bonita. “Sempre tive uma mente de negócios. Minha experiência com Hollywood foi calculada. Economizei o que ganhei, investi direito e fiz meu marketing. Construí minha marca pessoal desde então.”
Em diversos pronunciamentos, ela tem se mostrado uma defensora da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens. Quando um repórter perguntou como divide o tempo entre os negócios e o papel de mãe, disparou de volta: “Para quantos homens você faz essa pergunta?”
Sobre a empresa que criou, diz que está apenas começando. Numa referência ao US$ 1 bilhão proposto pela Unilever, faz uma defesa firme do caminho que escolheu. “Se queremos fazer diferença no mundo e na saúde das pessoas, será preciso bilhões e bilhões e não apenas um.”
IMAGENS: Divulgação