Já ouviu falar em acessibilidade multidimensional?

'Acessibilidade é um direito fundamental. E quando praticada de forma multidimensional, pode garantir que as pessoas com deficiência tenham as mesmas oportunidades, o mesmo respeito e o mesmo acesso à dignidade que qualquer outra pessoa'

Cid Torquato
26/Fev/2025
CEO do ICOM e ex-secretário municipal da Pessoa com Deficiência em São Paulo
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Já ouviu falar em acessibilidade multidimensional?

Faz uns 15 anos que, assistindo a uma palestra do saudoso professor Romeu Sassaki, o principal pensador sobre deficiência que o Brasil já teve, aprendi que acessibilidade é um conceito multidimensional! Segundo Sassaki, são sete as dimensões da acessibilidade e que "é preciso entender todas elas para realmente construirmos um mundo inclusivo."

Essa frase me marcou e tem pautado minha percepção de mundo e minha atuação profissional desde então! À época, eu trabalhava como coordenador na Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, onde pude colocar em prática esses ensinamentos! Mais tarde, já como Secretário Municipal da Pessoa com Deficiência, na gestão Doria/Covas, todos os nossos projetos contemplaram essa visão multidimensional, sempre mirando na utopia do desenho universal e da possibilidade prática de realmente construirmos um mundo melhor para todos!

Com descrições informais de minha parte, as dimensões da acessibilidade são:

- Acessibilidade Atitudinal: Imagine estar em um ambiente onde as pessoas olham para você com curiosidade ou até com certo receio porque você usa uma cadeira de rodas ou tem alguma deficiência. A empatia começa aqui: em como vemos o outro, sem julgamentos e estigmas. Todos somos diversos, e isso é o que torna a vida interessante. A verdadeira inclusão começa com essa mudança de mentalidade.

- Acessibilidade Arquitetônica: Não adianta nada um lugar ter um ótimo serviço se ele é inacessível. Já passei por situações onde eu, pessoa com deficiência, cadeirante, me vi obrigado a pedir ajuda para transpor degraus ou, mesmo, a ir embora, simplesmente porque não havia acessibilidade. Rampas, elevadores, piso tátil, banheiros adaptados… são recursos que garantem que o ambiente seja realmente acessível a todos.

- Acessibilidade Metodológica: Quando falamos em educação, a acessibilidade não se limita ao prédio da escola. Ela deve ser vista também nas metodologias usadas para ensinar. Já pensou como seria incrível se as técnicas de ensino fossem pensadas para atender cada estudante, contemplando suas características e necessidades específicas? É isso o que chamamos de acessibilidade metodológica.

- Acessibilidade Natural: A natureza é maravilhosa, mas, muitas vezes, impõe barreiras para pessoas com deficiência. Pense em uma trilha no meio de uma floresta. Como uma pessoa com mobilidade reduzida, por exemplo, pode aproveitar o passeio? Ou uma calçada toda quebrada pelas raízes de uma árvore! Como adaptar esses espaços?

- Acessibilidade Digital e Comunicacional: Em um mundo cada vez mais tecnológico, acessibilidade nas plataformas digitais tornou-se uma questão fundamental. Quando um site não é acessível, ele exclui muita gente!  Hoje, francamente, não existe nenhuma desculpa técnica, jurídica ou moral que justifique a falta de acessibilidade digital!

- Acessibilidade Programática: As políticas públicas precisam garantir que as pessoas com deficiência possam usufruir seus direitos. Isso vale também para as políticas e estratégias das empresas, que devem fazer o seu papel no reconhecimento, valorização e promoção da diversidade humana!

- Acessibilidade Instrumental: Tecnologias assistivas, também conhecidas como ajudas técnicas, que vão de bengalas, cadeiras de rodas, próteses, softwares de leitura de tela, aparelhos de audição a dispositivos em geral, que têm papel crucial para minimizar eventuais limitações e maximizar habilidades das pessoas com deficiência, sempre promovendo independência e autonomia.

Agora que já conhecemos as sete dimensões, gostaria de chamar sua atenção para refletirmos sobre outros dois conceitos que, em havendo acessibilidade estrutural, ganham importância estratégica. Falo de acessibilidade para inovação e de inovação para acessibilidade!

Quando o tema é acessibilidade para inovação, estamos pensando em como criar "coisas" inovadoras, que não seriam possíveis de serem criadas se o contexto não fosse acessível. Na verdade, havendo acessibilidade, as pessoas com deficiência conseguem participar desses processos, contribuindo com suas experiências e visões de mundo, o que, per se, já representa uma inovação, frente à histórica exclusão. As "invenções" inovadoras podem ser de qualquer natureza, para todos os públicos, não apenas para pessoas com deficiência!

Por outro lado, inovação para acessibilidade é sobre como podemos inovar especificamente para facilitar a vida de pessoas com deficiência. A invenção do exoesqueleto, entre tantos outros exemplos possíveis, se encaixa neste conceito de inovação aplicada para ampliar os recursos disponíveis e promover o protagonismo de milhões de pessoas no Brasil e no mundo.

Também aprendi com Romeu Sassaki que acessibilidade não é um favor, nem algo que se faz por "obrigação social". Acessibilidade é um direito fundamental. E, quando praticada de forma multidimensional, como deve ser, pode garantir que as pessoas com deficiência tenham as mesmas oportunidades, o mesmo respeito e o mesmo acesso à dignidade como qualquer outra pessoa.

Inovação, quando bem dirigida, pode ser uma poderosa aliada na criação de um mundo mais acessível e inclusivo. Criar produtos e serviços acessíveis não é apenas a coisa certa a fazer, mas é, também, uma excelente forma de inovar e alcançar novos públicos e novos mercados. A verdadeira inclusão da pessoa com deficiência só será alcançada quando acessibilidade for parte integrante de cada inovação, de cada política pública, de cada projeto. Só assim, conseguiremos evoluir como sociedade, para onde todos, independentemente de suas características, possam ser protagonistas de suas próprias histórias.

Accessibilitas quae sera tamen!

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