Índice de Tendência de Consumo-FGV: 2025 será pior, mas não de todo ruim
Ricardo Meirelles de Faria, responsável pelo indicador, diz que a economia caminha em velocidade acima do potencial por causa da dívida pública crescente
Publicado em primeira mão pela AGÊNCIA DC NEWS, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), acaba de sair a segunda edição do Relatório Tendências do Varejo e de seu Índice de Tendência de Consumo (ITC) – indicador que alia projeções de comportamento do setor varejista em correlação a dados macroeconômicos.
O levantamento é preparado pelo professor Ricardo Meirelles de Faria, do Centro de Excelência de Varejo da Fundação Getulio Vargas (FGVcev). Nos cálculos, o ITC cairá de 4,23% (2024) para 1,16% (2025).
“O pilar da conjuntura econômica permanece bastante acelerado, e esse cenário teria gerado somente efeitos positivos não fosse a incapacidade do lado da oferta de atender a toda essa demanda”, afirmaram Meirelles e Maurício Morgado, que é coordenador do FGVcev, na introdução do documento. “Em termos técnicos, a nossa economia caminha em velocidade acima do potencial.” O motivo? Uma dívida pública que só cresce devido aos elevados déficits fiscais, primário e nominal.
Como acontece a todo crescimento artificialmente acelerado, uma hora a bolha estoura e a freada chega. Não se trata mais de ‘se’, mas de ‘quando’ e ‘como’ o freio virá. Em resumo, o varejo vai sentir saudade de 2024 e precisa estar pronto para os desafios de 2025.
Segundo Meirelles, o ano que se encerra será lembrado pela renda farta, desemprego em queda recorde, crédito abundante, desembocando num nível de atividade agregada, o PIB, crescendo 3% no ano, nas projeções. “Não é pouca coisa”, disse Meirelles. O problema é a qualidade desse crescimento e seu preço para o ano que vem. Com Selic a 12,25% e projeção de novas altas ao longo de 2025, o juro real esperado é de 8,5%. “As implicações para o varejo serão desafiadoras. Com um custo do crédito tão elevado, tanto para empresas quanto consumidores, há possíveis impactos sobre emprego, inadimplência e endividamento.”
Para Meirelles, o primeiro e maior desafio do ano que vem é conseguir gerar um consenso nacional quanto ao “corte de gastos públicos, subsídios, penduricalhos e privilégios” capazes de conduzir a trajetória do resultado primário do setor público para a estabilidade. Ele faz um paralelo do déficit público com a contabilidade empresarial. “O déficit primário representaria o Ebit do setor público”, disse. “Quando se inclui nesse resultado primário as despesas de juros, temos o resultado nominal.”
No último indicador divulgado pelo Banco Central, ele está em 9,52% em relação ao PIB, patamar que Meirelles diz estar “fora de base para qualquer economia razoavelmente ajustada”.
A seguir, as principais conclusões da segunda edição do relatório, que é dividido em quatro grandes blocos: Varejo Restrito, Varejo Ampliado, Contas Nacionais e Índice de Tendência de Consumo (ITC).
1.VAREJO RESTRITO
“Deverá fechar o ano com crescimento bastante expressivo, na casa de 4,52%, pouco acima de nossa previsão anterior (relatório de outubro), de 4,18%, e também superior ao acumulado em 12 meses até outubro, divulgado pelo IBGE, de 4,4%. É mais de três vezes o crescimento médio dos anos de 2020 a 2023. Para 2025, entretanto, nossa projeção é de que o varejo restrito encerre o ano em 1,7%. Nada mal frente aos grandes desafios a serem enfrentados – ligeiro aumento do desemprego, redução da massa de renda das famílias, aumento da inadimplência e do nível de endividamento. O alerta também se acende em relação ao nível de endividamento das empresas varejistas e o montante de recursos despendidos com pagamentos de juros.”
Hiper & Supermercados, Alimentos & Bebidas e Fumo – “Este setor tem peso de aproximadamente 54% na composição do varejo restrito e 32% na estrutura do varejo ampliado. No acumulado em 12 meses encerrado em outubro, o crescimento é de 5,2%. Projetamos fechar o ano em 4,6%. Para 2025, crescimento de 1,2%. Isoladamente, apenas no recorte Hiper & Supermercados a previsão é de alta de 5,2% (2024) e de 1,6% (2025).”
Artigos Farmacêuticos & Afins – “Representa 9,33% das vendas do comércio varejista restrito. A conjuntura econômica de 2024 fará o setor encerrar o ano com 14,4% de crescimento. Para 2025, +8,3%.”
Combustíveis & Lubrificantes – “Com forte desempenho recente, nossas projeções para o ano passaram de queda de 3,39% (relatório de outubro) para queda de 2,05%. Para 2025, projetamos crescimento de 0,5 ponto porcentual.”
Equipamentos de Escritório, Informática & Comunicação – “O setor representa 1,43% na composição do varejo restrito. Desde 2020, o crescimento é pequeno, o que é bastante preocupante dada a importância do setor para a melhoria de desempenho das empresas. Para este ano, prevemos variação positiva de 0,7% e de 1,05% para 2025.”
Livros, Jornais, Revistas & Papelaria – “Deve encolher 7,47% em 2024. Para 2025, elevação de 1,07%. O segmento representa hoje 0,33% das vendas do varejo restrito.”
Móveis & Eletrodomésticos – “O setor representa 7% do volume de vendas do varejo restrito. Deve fechar o ano com +4,4% e para 2025 espera-se crescimento de metade desse valor: 2,3%.”
Outros Artigos de Uso Pessoal & Doméstico – “Apesar do nome meio genérico, representa 9,68% do varejo restrito – terceira maior participação, atrás apenas de Hiper-Supermercados, Fumo, Alimentos & Bebidas e de Combustíveis & Lubrificantes. Deve fechar 2024 com +6,32% e quase estabilidade em 2025: -0,33%.”
Tecidos, Vestuário & Calçados – “Deve encerrar o ano com crescimento real de 2,71%. Para 2025, estimamos alta ainda mais robusta, de 6,4%. Em certa medida, efeito atrasado do crescimento mais forte da renda e emprego neste ano.”
2.VAREJO AMPLIADO
“Estimamos em R$ 3,05 trilhões a receita operacional líquida do comércio varejista restrito nos últimos 12 meses encerrados em outubro. Já o segmento Veículos-Motos-Partes & Peças fica na casa de R$ 740 bilhões. As estimativas para o tamanho do segmento de material de construção são mais difíceis, mas chegaríamos a um montante R$ 316 bilhões. O setor de varejo ampliado estaria, então, em R$ 4,1 trilhões. Mas ambos os segmentos do varejo ampliado (Material de Construção e Veículos-Motos-Partes & Peças) irão enfrentar um ambiente macroeconômico menos amigável em 2025. De todo modo, frente ao crescimento forte nos dois últimos meses divulgados, setembro e outubro, revisamos nossas estimativas para 2024 de 3,5% para 4,6%. Já para 2025, revisão foi de 0,24% para 1,45%. De forma separada, para a Construção projetamos crescimento de 4,86% em 2024 (ante 3,4% da projeção de outubro). Para 2025, nossos modelos econométricos projetam alta de 2,5%. E Veículos-Motos-Partes & Peças projetamos crescimento de 14,9% (era de 11,32% no primeiro relatório). Para 2025, 2,4%.”
3.CONTAS NACIONAIS
PIB – “O PIB do último trimestre cresceu 4,1% em relação ao mesmo trimestre de 2023 e 2,1% em relação ao segundo trimestre deste ano. No acumulado nos últimos quatro trimestres, atingiu 3,1%. Nosso modelo econométrico estima que o ano se encerre em 3,0%. Para 2025, um crescimento irrisório de 0,33%. Seria um grande banho de água fria.”
Consumo das Famílias – “No acumulado do ano, o crescimento é de 5,1%, quase o que projetamos para o ano fechado: 5,2%. No ano que vem, cairá para +0,7%. As razões para esse arrefecimento viriam de: redução no ritmo de crescimento dos auxílios assistenciais, forte aumento no custo do crédito, diminuição no ritmo de crescimento da renda das famílias e diminuição, pequena, mas existente, do volume de pessoas ocupadas – a taxa de desocupação fecharia 2025 em 7,7%.”
Consumo do Governo – “A participação do consumo do governo na composição da demanda agregada cresceu quase 1 ponto porcentual ao longo do atual governo, mas é menor do que o final do governo Dilma, Temer e início do governo Bolsonaro. O ritmo de crescimento nos últimos quatro trimestres desacelerou, de 3,5% no segundo trimestre para 2,9% no terceiro. No ano de 2024, acreditamos que o consumo do governo terá crescido 1,73%. Para 2025, uma quase estabilidade, com crescimento de parcos 0,10%.”
Comércio & Serviços – “O indicador de Comércio ganhou participação no PIB desde o início do século, saindo de pouco menos de 8% para os atuais 10,3%. Já o setor de Serviços representa 59,3% (na divulgação do terceiro trimestre de 2024 no acumulado dos quatro últimos trimestres). Para o Comércio, projetamos crescimento de 3,46% (2024) e estabilidade para 2025. Para o setor de Serviços projetamos crescimento de 3,89% (2024) e 0,47% (2025).”
4.ÍNDICE DE TENDÊNCIA DE CONSUMO (ITC)
O Índice de Tendência de Consumo (ITC-FGVcev) é, como afirma Meirelles, “a busca incessante por uma boa correlação entre varejo e variáveis macroeconômicas”. O ITC é uma média ponderada das principais variáveis macroeconômicas que influenciam o setor – a) evolução da massa de renda das famílias, b) crédito à pessoa física (deflacionado pelo IPCA), c) confiança dos consumidores, d) pelo nível de endividamento das famílias. Para 2024, o ITC será de 4,23%. Para 2025, de 1,16%.
Renda/Desemprego – “Nossos modelos econométricos apresentam projeção pessimista da evolução da renda agregada a partir 2026, utilizando-se de uma amostra longa dos últimos 20 anos. Em 2024, a massa de rendimento real deve fechar com crescimento de 7,8%. Boa parte dele vem como consequência da eclosão da pandemia em 2020, quando houve a necessidade de uma forte política fiscal através de auxílios aos agentes econômicos dos mais diversos tipos. Tal política se ampliou no governo Lula. Em 2025, tanto o ritmo de expansão fiscal quanto expansão no crédito deverão ser contidos, via política monetária bastante restritiva. A massa de renda mensal ao longo de 2025 deve crescer 1,5%. Quanto ao desemprego, a pergunta é se chegamos ao bottom line. A taxa de desocupação atingiu um recorde de baixa – na série metodológica atual iniciada em janeiro de 2012 –, de 6,2% no trimestre encerrado em outubro. Para o final de 2025, projetamos elevação de 1,5 ponto, fechando o ano em 7,7%, patamar próximo ao do início de 2024.”
Crédito – “O ritmo de crescimento do crédito à pessoa física, em termos reais – deflacionado pelo IPCA – tem sido bastante expressivo ao longo dos últimos cinco anos, representando um acréscimo de mais de R$ 1 trilhão em valores de agosto de 2024, representando 5 pontos porcentuais do PIB, chegando a 33% em agosto. Mas a política monetária em 2025 será extremamente restritiva. De acordo com nossos modelos, o crédito deflacionado fechará este ano em +6,72%. Para 2025, estimamos crescimento de 4,65%, ritmo ainda forte, fruto de uma eventual inércia no ritmo de contenção da oferta de crédito.”
Confiança do Consumidor – “O índice medido pelo FGV Ibre se encontra muito próximo do patamar 100 da data base de 7 de julho de 2010. Houve duas quedas fortes – na grande crise de 2015 e 2016 (60 pontos) e na crise pandêmica (55 pontos). É importante ressaltar que o indicador não mostra uma grande evolução nos dois últimos anos, mesmo que os indicadores macroeconômicos de emprego e renda tenham se mostrando muito positivos em 2024. O cenário mais adverso para 2025 nos faz estimar uma redução de 2,54% no índice em 2025 frente ao patamar de final de 2024.”
Endividamento/Inadimplência – “Quais seriam as implicações macroeconômicas e setoriais quando o nível de endividamento sai de 25% para quase 50% da renda nacional disponível bruta das famílias (RNDBF) ao longo dos primeiros 20 anos do século 21? Nossos modelos econométricos ainda não acusaram nenhuma piora. Projetamos que o endividamento das famílias encerre 2024 e 2025 nos seguintes patamares em relação à RNDBF, respectivamente: 48,0% e 47,6%. Já quanto à Inadimplência, na carteira de crédito total ela saiu de 2,1% (2020) para 3,2% (2023). Nossa projeção é fechar 2024 nos mesmos 3,2%. No recorte Pessoa Jurídica, foi de 1,2% (2020) para 2,5% (2023). Projetamos 2,4% no fechamento de 2024. Por fim, em Pessoa Física, a elevação foi de 2,8% (2020) para 3,7% (2023), mesmo patamar que projetamos fechar 2024. Para 2025, não projetamos variação nos níveis de inadimplência frente a 2024.”
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