Franquear é para todos (mas não é para qualquer um)
Transformar um negócio em franquia favorece expansão e põe a marca em evidência, como a Mania de Churrasco (foto), pequeno self-service que virou rede com mais de 100 lojas. Mas é preciso avaliação criteriosa e perfil de franqueador para investimento não ir por água abaixo
Um pequeno restaurante self-service no Shopping Ibirapuera virou uma rede de franquias que hoje tem 100 unidades em shoppings e investe em grandes churrascarias com salão próprio.
A trajetória da rede Mania de Churrasco, que começou pequena mas virou gigante com ajuda do franchising, poderia ser mais uma entre mais de 3 mil marcas de franquias em atividade e 189 mil pontos de venda no país em 2022, segundo levantamento da Associação Brasileira de Franchising (ABF).
Também poderia inspirar outros pequenos e médios negócios, que começam a perceber o sucesso de sua marca ou produto junto ao consumidor final, enxergando no modelo consolidado e padronizado das franquias a estratégia ideal para se expandir localmente - e, quem sabe, ampliar sua capilaridade.
Mas a marca de churrasco foodservice deu um passo a mais, recalculou a rota e transformou sua ideia em um negócio replicável e bem sucedido. E os números mostram que muitas outras também têm procurando trilhar esse caminho: de janeiro a setembro de 2023, a ABF identificou o surgimento de mais de 280 novas marcas no universo do franchising nacional.
Parafraseando a advogada Melitha Novoa Prado no título desta reportagem, abrir uma franquia é uma opção sob medida para todos que querem empreender. Porém, transformar um negócio em franquia - ou seja, tornar-se franqueador de uma rede - demanda, além de perfil e preparo, uma pré-avaliação criteriosa, extensa e robusta do modelo. E isso não é para qualquer um.
Tudo começa, antes mesmo de pensar em se tornar uma franquia, com a importância de registrar a marca. Ainda que o modelo esteja testado, validado e com potencial de escalar - ou seja, de ser replicado via franchising -, é essencial registrá-lo no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Ele dá segurança jurídica, proteção e qualidade ao negócio, garantindo que a marca não seja copiada, explica o advogado Renan Luiz Silva, gerente de serviços institucionais da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e responsável pelo AC Marcas, serviço de registro realizado pela associação em convênio com o INPI.
"Além de valorizar a marca, o registro é fundamental (no caso do franchising) se, futuramente, a rede venha receber aportes externos e, quem sabe, até ser vendida", destaca.
O interessado em se tornar franqueador também precisa avaliar se seu negócio é "franqueável" para ter esse diferencial competitivo, diz Karen Sitta, gerente-adjunta da unidade de Competitividade do Sebrae.
Também tem de conhecer os princípios básicos do franchising, quais os atores envolvidos neste processo, legislação do setor, tipos de franquias existentes, vantagens, desvantagens e principalmente como manter um bom relacionamento com a rede de franqueados.
Além de analisar seu próprio perfil, esse empresário precisa entender se sabe lidar e dividir responsabilidades, pois seu papel como franqueador inclui relacionar-se com pessoas.
"Também é preciso verificar se o seu negócio atende outro requisito básico, que é o capital para investimento”, reforça Karen.
Falando em investimento, um dos principais benefícios de criar uma franquia é fazer o negócio ganhar escala em menor prazo - e com menor aporte de dinheiro, lembra Silva, do AC Marcas.
"Eu poderia abrir 500 lojas próprias, mas para isso precisaria de um investimento muito alto. Já com a franquia eu consigo fazer minha marca ser reconhecida, e o produto ou serviço distribuído em nível nacional com investimento menor. E, mesmo assim, ainda tenho um potencial resultado do negócio (medido com o desempenho da rede de franqueados)".
PRONTO PARA FRANQUEAR?
Aberto em 2001, o restaurante no modelo buffet ou self-service, que vendia comida caseira e "churrasco de qualidade", disputando espaço e participando de guerra de preços com outros estabelecimentos do gênero na praça de alimentação do Shopping Ibirapuera, funcionou no formato até 2011, conta Filliphe Camelo, sócio-diretor do Mania de Churrasco. Ele é filho de Jarbas José Gamboji de Souza, um dos fundadores do self-service.
Como o modelo de negócio chamava atenção pela "ousadia de levar o autêntico churrasco à praça de alimentação, temperado só com sal grosso e preparado em fogo forte", conforme diz, os negócios tomaram outro rumo. "Começamos a pensar, em paralelo, em maneiras de expandir o conceito de forma mais simples e rápida, com um investimento um pouco menor." Nascia aí a ideia do franchising.
Com o projeto do Mania de Churasco Prime Steak & Burger, lançado em 2012, a marca passou a crescer exclusivamente com as franquias. A sacada inicial, segundo Filliphe, foi levar o universo das churrascarias, porém compactado em lojas de 30m², às praças de alimentação de shoppings, com modelo tradicional de balcão de atendimento e cozinha, e servindo cortes nobres e um mix determinado de acompanhamentos.
A estratégia avançou na pandemia. "Enxergamos uma mudança no comportamento do consumidor e ampliamos as operações das franquias, que agora contam com salão próprio para receber os clientes, ambiente decorado e área kids, oferecendo uma experiência completa." Hoje, a rede tem 92 franquias Prime Steak e oito no modelo Buffet & Pizza. A expectativa é chegar a 115 nas duas frentes em 2024.
Se a experiência bem sucedida anima quem tem intenção de virar franqueador, é preciso ficar atento a vários fatores para o empreendimento vingar. Mesmo tendo uma marca reconhecida oficialmente, com notoriedade no mercado e junto ao público-alvo, franquear exige know-how, afirma a já citada advogada Melitha, que é especialista em franchising há 35 anos e sócia-fundadora do escritório Novoa Prado & Kurita Advogados.
Não dá para montar um empreendimento e, depois de seis meses, achar que pode franquear, explica. É preciso viver a sazonalidade da marca e verificar se ela é mais próspera no inverno ou no verão, além de adequar mix de produtos e atendimento para cada período específico.
"Se você não passa pelo menos dois anos operando a sua empresa, como é que você vai ter know-how para deixar na mão de um terceiro?", pergunta. Pela nova Lei de Franquias (13.966/2019), transformar um negócio em franquia exige no mínimo um ano de operação.
Ter experiência com fornecedores homologados para abastecer a rede é outro requisito. Não dá para ter um fornecedor de São Paulo para entregar no Interior do país, por exemplo: o frete pode encarecer o produto de tal forma que não vai gerar rentabilidade nem para o franqueador, nem para o franqueado.
"A parte do abastecimento tem que estar bem amarradinha, sempre olhando o mix de produtos e suas variações, para o franqueador conseguir poder de barganha e assim crescer em nível nacional, ou até internacional."
A advogada também afirma que os planos de expansão não podem ser limitados, e o franqueador tem de planejar aumento de estrutura para que não fique "pedalando" no dia a dia da operação.
"Não adianta ter 10, 20, 30 unidades: o franchising dá retorno com uma média de 100 unidades. Com menos, vc pedala para prestar serviço, para criar o departamento de implantação, o de operação e outros."
Às vezes, segundo Melitha, o franchising nem sempre pode ser o melhor canal de distribuição para o negócio. Daí a importância de falar com consultores e advogados especializados, para analisar alcance de capilaridade, se o produto seria mais regional... e ter claros todos esses pilares para não fracassar.
Não adianta pensar "vou montar uma franquia de bolo de rolo aqui em São Paulo", exemplifica. Será que vai ter aderência? Faz parte da cultura local? Por isso, quando se parte para a franquia, que é um canal de expansão, considere questões sobre abastecimento e o quanto o negócio vai ou não ser lucrativo.
A análise de especialistas também ajuda a determinar a capacidade ou não de crescimento por meio do modelo, lembra a advogada. Às vezes pode ser melhor para o negócio atuar com distribuição, representação comercial, ou ir para o on-line, para o store-in-store. Até loja própria pode ser um canal interessante.
"Mas não basta análise: é preciso cuidado para contratar esse consultor. Depende da responsabilidade, da ética. Muitos vão falar 'vamos fazer', só que às vezes você não está no melhor momento, o produto não tem a penetração que você quer, e seu crescimento será limitado. Ou nem vai crescer."
PARA FAZER DAR CERTO
Além de todos esses detalhes específicos, fazer o empreendimento virar franquia também depende de um plano de negócio, bem estruturado a partir da análise de viabilidade prévia.
"É a fase que o empresário vai analisar o mercado e qual estágio está a empresa pensando no crescimento, com o suporte de um especialista ou consultor", reforça Karen Sitta, do Sebrae.
Também é importante organizar bem o investimento financeiro. "É preciso capital mínimo para se tornar franqueador, pois não dá para esperar que o recurso financeiro saia só da franquia."
Ela também orienta buscar apoio de um especialista jurídico para ajudar na criação de contratos, da Circular de Oferta de Franquias (COF) e no pré-contrato, entre outros documentos. Também é preciso construir os manuais da franquia, que orienta o franqueado a como utilizar a marca, completa a especialista.
Mas fique atento: muitas consultorias entregam manual, circular, plano de viabilidade, de expansão, mas não entregam o mais importante, que é o aculturamento do franqueador, segundo Melitha Novoa Prado.
"Além de não ter perfil nem habilidade de se relacionar, esse futuro franqueador não se comporta como um, porque ele não sabe e nem aprende como fazer. E aí o que ele acaba fazendo vira 'porcaria'".
Com a franquia formatada, saber selecionar quem será seu franqueado, observando o perfil mais adequado para fazer uso da sua marca, e fazer parte da sua rede de franquias, é o mais importante. "Afinal, é ele quem vai operar a rede no front-desk, enquanto o franqueador dá suporte no back-office", completa a advogada.
Manter um elevado padrão de qualidade, segundo Camelo, da Mania de Churrasco, é o desafio que vem com uma rede de franchising - pilar que fica ainda mais relevante e requer atenção redobrada em uma rede com mais de 100 unidades. E que depende de uma equipe integrada.
"É importante ter programas de treinamento e capacitação robustos para franqueados e funcionários, para que as equipes trabalhem em sinergia e cada cliente possa vivenciar uma experiência completa. Não abrimos mão disso em diversas áreas dentro do nosso negócio, pois o intuito é garantir nosso padrão de qualidade e excelência dos produtos até o atendimento."
Para Melitha, muitos empresários crescem o olho sobre o franchising pois acham tudo "bárbaro". Mas muitas vezes sem consciência do que é ter uma rede de franquias, e da importância de dar suporte constante à rede - assim como faz a franquia de churrasco. "Não é brincadeira. Dá muito trabalho, é uma dedicação insana, é preciso lidar com 100, 200 pessoas diferentes."
Em sua avaliação, mesmo hoje, em 2024, mais de 35 anos depois da chegada do franchising no Brasil, muitos franqueadores e franqueados entram despreparados e sem conhecimento do que é atuar em rede, do que é ter um parceiro em nível de franchising, do que é conviver em um relacionamento interdependente.
Por isso, destaca, o grande desafio, na realidade, é preparar melhor as marcas, para que elas entendam e saibam como atravessar o caminho das pedras do franchising.
"Ou então cria-se uma grande expectativa, tanto para o franqueador como para o franqueado, que lá na frente não acontece, gerando problema porque todos começam a ficar insatisfeitos. E daí vem todo o resto: desobediência, inadimplência, descapitalização. E fim."
IMAGEM: Park Shopping São Caetano