“Empreender significa recomeçar todo dia”
A engenheira paulistana Esther Schattan, sócia da Ornare, descreve com quanto trabalho duro e incertezas se constrói uma marca glamourosa de decoração

Em pleno 2015, Esther Schattan manteve o plano de expansão da marca Ornare. Ela é sócia, com o marido Murillo, da líder de móveis planejados do segmento de luxo, conhecida pelo design contemporâneo e a ousadia nas cores. Os dois comandam uma rede de 13 lojas, sendo 11 no sistema de franquias. São dez em cidades brasileiras e três no exterior, em Miami, Dallas e Cidade do México.
Os móveis da marca constituem uma das referências oferecidas pelos empreendimentos imobiliários de alto padrão para atrair os compradores do topo da pirâmide. Este ano, o plano de expansão apresentado pela empresa prevê abertura de duas lojas no segundo semestre e acordos com incorporadoras americanas para fornecer os produtos Ornare aos compradores dos seus caros apartamentos. Embora a empresa não forneça os números de receita, o faturamento anual pode ser estimado em R$ 600 milhões.
COLEÇÕES DA ORNARE TÊM PARCERIA COM PRINCIPAIS ARQUITETOS E DESIGNERS DO PAÍS
Quem observa a trajetória da marca poderia considerá-la impermeável à crise. A palavra mais correta, no entanto, é vacinada. Esther, a co-fundadora, tem na ponta da língua as datas das crises econômicas vividas pelo Brasil nas três últimas décadas, pois coincidem com os fatos mais importantes da sua vida.
Esta vivência motivou o convite há três anos para compor o grupo de conselheiras do programa Winning Women de aceleração de negócios promovido pela consultoria Ernest & Young.
“CORAGEM E SANGUE FRIO SÃO ESSENCIAIS PARA EMPREENDER NO BRASIL”
Recém-formada em engenharia química pela USP, Esther Schattan abriu a empresa Ornare com o marido Murillo, engenheiro eletrônico, pouco depois de se casarem. Era 1986, um ano inesquecível para quem viveu o Plano Cruzado, no governo Sarney, com uma inflação de 235% e nova moeda. O nascimento dos dois filhos, a implantação da fábrica e a abertura do showroom no Shopping D&D, em São Paulo, também coincidiram com crises – Plano Bresser, Plano Collor, crise asiática e por aí vai.
“Coragem e sangue frio são tão essenciais para empreender no Brasil quanto capacidade de planejamento e gestão”, afirma ela. Por isso, não aceita uma das causas alegadas para a baixa presença feminina entre os grandes empresários - a de que teriam mais aversão ao risco do que os homens.
Esther fala com conhecimento de causa: “Abri uma empresa com 23 anos. Arrisquei casamento, futuro profissional, bem estar da família. Não sabia o que ia acontecer no dia seguinte”, relembra. “Fizemos dívidas para abrir a fábrica. Enquanto via minhas colegas de faculdade em ótimos empregos, estava administrando o saldo negativo no banco. Todo mundo falava contra nosso esforço. Na época, nenhuma empresa dava o lucro que a inflação rendia."
No fundo da fala gentil, elegante e empática de Esther, se ouve o espírito animal necessário para empreender. Coisa de família. “Meu pai viveu do próprio negócio, uma confecção de roupas masculinas. Todo mês era uma luta, todo mês começando do zero. Não é diferente comigo. Precisamos nos reinventar e recomeçar o tempo todo.”
No início da Ornare, a empresária se desdobrava em todas as funções, só trocando os chapéus – atendimento, compras, financeiro, marketing, administrativo, comunicação, relacionamento. No fundo, são todas atividades relacionadas a vendas, algo que Esther vê sem mistério. “É uma coisa que se aprende.” Atualmente, cabe a ela tocar o marketing, o relacionamento com clientes potenciais e a organização de eventos.
“APRENDI A COMBATER A ZONA DE CONFORTO”
Um dos resultados da educação empresarial recebida por Esther na casa dos pais foi conseguir detectar uma zona de conforto e procurar escapar. Na empresa, isto acontece pela inovação ou pela diversificação.
“Quando nos associamos, meu marido trabalhava na área de movelaria e queria fazer um trabalho mais sofisticado. Não se falava em mercado de luxo”, diz Esther. “A Ornare já surgiu com este perfil quando abrimos a primeira loja na rua Pedroso de Moraes, em São Paulo.”
A convivência com a oscilação econômica do país fez a empresa estar sempre abrindo novos caminhos. Isto ocorreu pela diversificação de produtos, pela expansão de lojas, novos formatos de negócios e pela internacionalização.
Desde a fundação, a Ornare encontrou seu caminho em uma relação umbilical com a construção civil. A estratégia de formar parceria com as incorporadoras se concretizou quando identificaram a falta de opção de móveis planejados com olhar de design, no boom de empreendimentos de médio e alto padrão nos anos 90. “Nosso desempenho podia ser previsto com bastante antecedência porque éramos procurados assim que ocorria a entrega da obra.”
Isto valia para as épocas de alto e baixo crescimento. Para diminuir a dependência, há 10 anos, deram o primeiro passo na diversificação. Antes dedicados apenas a quarto e sala, desenvolveram as linhas de móveis para cozinha e banheiro. A ampliação exigiu o domínio de novas tecnologias para trabalhar com produtos para área molhada.
“HÁ 10 ANOS, INICIAMOS A FRANQUIA E ABRIMOS O SHOWROOM EM MIAMI”
A inauguração de um showroom grandioso no shopping D&D, em 2005, atraiu compradores de todo o país para os armários da marca. A idéia de expandir o negócio com lojas próprias logo mudou de formato quando surgiram empreendedores interessados em licenciar a marca no Rio, em Salvador e Brasília. Criar um sistema de franquia foi o caminho escolhido.
Outra linha de expansão veio da experiência com a exportação de suas peças. Na esteira do boom imobiliário provocado pelos brasileiros, surgiu a oportunidade de abrir um showroom próprio em Miami. “Chegamos no distrito de design da cidade quando o ponto estava se formando”, lembra Esther.
Hoje, o local se tornou uma referência no mercado internacional de decoração e a loja, reconhecida pela mídia como uma sendo de alto padrão, recebe visitantes de todo o país. A boa imagem conquistada no mercado americano impulsionou a abertura das lojas em Dallas e na Cidade do México.
“CRIAMOS DIFERENCIAL NO ATENDIMENTO, EM P&D E NO PÓS-VENDA”
O cuidado com a inovação se refletiu no formato de atendimento. “Montamos uma equipe de arquitetos para ficar em contato direto com o cliente”, explica a empresária. Além do acompanhamento especializado, a empresa procurou estabelecer como diferencial o cuidado com o pós-venda.
A empresa também aprofundou a prática de desenvolvimento de produtos. “Nossos móveis são desenhados pelos principais arquitetos e designers do país”, explica. Profissionais renomados, como Ruy Ohtake e Marcelo Rosenbaum, compartilharam sua assinatura com a Ornare em coleções que são incorporadas ao portfólio permanente da empresa.
“SOCIEDADE DE CASAL FUNCIONA QUANDO A BRIGA É SAUDÁVEL”
Desde a abertura do negócio, Esther aproveita seu espírito curioso. “Somos engenheiros e temos uma necessidade de aprender como fazer tudo, de gestão a design”, explica. “E queremos que tudo funcione perfeitamente.” Autodidatas disciplinados, ela e o marido reforçaram o aprendizado empresarial com os cursos e consultoria da Fundação Dom Cabral, HSM e ESPM.
Parte do aprendizado incluiu como cuidar da família e tocar o negócio, um aspecto sempre abordado na sua experiência de mentoria para empreendedoras. “Adotei como prioridades na vida o casamento e a saúde do negócio. Tem hora que precisa ceder em um e tem hora que vale a pena brigar. Procuro fazer com que seja uma briga saudável.”
A sociedade de casal, que costuma ser olhada com estranheza no mundo dos negócios, soa completamente natural na fala da empreendedora. “Tudo o que se diz sobre as dificuldades de trabalhar junto com o marido é verdade”, brinca. “Como tudo na vida, o segredo é alinhar o pensamento. Costumo dizer que foi difícil por ser com o marido e foi fácil por ser com o marido.” Segundo ela, as soluções e decisões são pautadas pela “nossa sociedade” e eles não dispensam a ajuda de consultores e terapeutas para tudo funcionar bem.
A última grande virada da empresa aconteceu com a entrada dos filhos, depois de passagens pelo mercado financeiro. Formados em engenharia, o mais velho assumiu funções de gestão e o mais novo, cuida da produção.
“A energia deles chacoalhou o negócio”, conta Esther. “Trouxeram uma visão renovada para todas as áreas e estimulam um novo impulso de crescimento para a Ornare.” Ela não confirma a entrada de novos sócios ou a abertura do capital, mas as conversas sempre estão na mesa.
Passados 27 anos, o que ela percebe como um diferencial entre homens e mulheres na hora de fazer negócios é mesmo a tão propalada autoestima. Ela percebeu que a maioria dos homens já nasce com a convicção de que precisa crescer e ser grande. “Para as mulheres, é uma conquista.”