Elas arriscaram e venceram

Conheça as histórias inspiradoras das brasileiras Chavany Bizinelli (esq.), Liliane London e Daniela Castelo, que superaram todos os desafios de empreender nos Estados Unidos

Estela Cangerana, dos Estados Unidos
07/Mar/2025
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Elas arriscaram e venceram

A paranaense Chavany Bizinelli, 35, está estruturando sua empresa para um salto que trará segurança e garantirá seu futuro. A carioca Liliane London, 50, está em busca do melhor espaço para abrir a segunda unidade do seu empreendimento. A paulista Daniela Castelo, 17, se prepara para uma importante etapa na vida: o início da faculdade no próximo verão, que ela tocará em paralelo ao seu projeto social. Brasileiras em fases tão distintas, mas que têm em comum a superação como marca de suas trajetórias. Suas histórias mostram que iniciativa, determinação e resiliência podem ser a receita do sucesso do empreendedorismo feminino no exterior.

Formada em Negócios Internacionais, Chavany Bizinelli começou a trabalhar na imobiliária dos pais, em Curitiba (PR), ainda na adolescência. Desde aquela época alimentava a vontade de morar nos Estados Unidos e chegou a visitar diversas vezes uma prima que já morava na Flórida. A decisão firme de imigrar, no entanto, só veio em 2019, depois de uma crise de depressão e síndrome do pânico.

“Vendemos nosso apartamento e tudo o que tínhamos no Brasil para que pudéssemos sobreviver por três meses nos Estados Unidos. Viemos com a cara e a coragem, com a proposta de meu marido trabalhar com meu primo no negócio de móveis planejados”, lembra. A mudança foi no mês de fevereiro e, passados os três meses, a família não conseguia se manter.

“Fiquei desesperada e quase desisti. O salário do meu marido não era suficiente nem para o aluguel. Eu acordava às 5h da manhã todos os dias para procurar emprego, mas não conseguia nada. Comecei a fazer unhas, bolos, babysitter”, conta. “Até que conheci uma latina que me colocou para trabalhar como ajudante de limpeza em Miami. Eu não conhecia nada, nem os produtos que devia usar, mas aprendi e, em algum tempo, fiz meus próprios cartões oferecendo limpeza residencial. Saía à noite para deixar os cartões nas portas das casas e nos carros estacionados nos shoppings.”

Um desses cartões chegou a um rapaz, que propôs pagar US$ 50 por uma limpeza na casa dele. O valor era bem abaixo do praticado pelo mercado, mas a necessidade a fez aceitar. Foi a primeira virada de chave na história de Chavany. A limpeza, na verdade, era um teste. O rapaz, um empreendedor, estava investindo em imóveis para alugar no modelo AirBnb e queria alguém para fazer a limpeza e manutenção deles. O que era uma casa, com o tempo virou 45. “Ele é meu cliente até hoje e cuidamos de todos os seus imóveis.”

Com a chegada da pandemia, veio a segunda virada de chave na trajetória da paranaense. Com a pausa no turismo, imaginava-se que as casas ficariam vazias, mas o fechamento de bares e restaurantes acabou levando muitas pessoas a alugarem imóveis por uma noite para fazer festas e encontros com amigos. “Nunca trabalhei tanto como em 2021. Cheguei a fazer sete casas no mesmo dia e, às vezes, a mesma casa várias vezes por semana. Não dava mais conta sozinha. Primeiro meu marido veio ajudar, depois precisei contratar outras pessoas”, recorda.

No final de 2021, Chavany abriu a Bizinelli Company, que hoje oferece mais de 10 diferentes serviços de limpeza e manutenção para residências e pequenos escritórios, conta com sete colaboradores e atende mais de 100 imóveis. As dificuldades foram sendo vencidas uma a uma. “Eu nem falava direito inglês e, um dia, um cliente me disse: ‘você está nos Estados Unidos, é obrigação sua falar a minha língua’”. Ela foi aprender, e hoje 90% de seus clientes são norte-americanos e apenas 10%, latinos.

A língua foi apenas um dos desafios vencidos. Falta de conhecimento do mercado, de visões culturais diferentes (inclusive na forma de ver a limpeza), de processos, aprovações e licenças necessárias para o negócio funcionar, questões legais e até mesmo a atenção para se manter com o visto de trabalho adequado para atuar no país foram vários outros obstáculos que a brasileira enfrentou.

“Ninguém quis me ensinar nada. Foi muito difícil. Tudo o que consegui foi dando o máximo esforço e correndo atrás. Mas não me vejo pequena neste país. Me vejo muito maior. E, agora, há mais de um ano venho estudando o mercado e me preparando, investindo, para dar o passo que vai garantir minha aposentadoria aqui”, revela. A terceira virada na trajetória da empreendedora será a expansão dos serviços para atender, em contratos fixos, grandes empreendimentos, como hospitais, shoppings, prédios e empresas maiores. Para isso, pelo menos mais 30 colaboradores serão contratados.

O segredo para dar certo, segundo ela, é a fórmula: planejamento, força de vontade, resiliência e a firme convicção interna de que tudo vai dar certo. “Porque precisa dar.”

“Quando algo parecer fácil, é certeza que está errado”

Planejamento, resiliência, fé inabalável de que vai funcionar e até uma pitada de sorte para enxergar a oportunidade no momento adequado parecem ser um mantra entre as empreendedoras ouvidas pela reportagem. Assim como aconteceu com Chavany, essas habilidades também fizeram muita diferença na história cheia de reviravoltas da empresária carioca Liliane London.

Formada em Design Gráfico pela PUC-RJ, Liliane já havia passado uma temporada estudando Fashion Marketing na Flórida, mas, quando conheceu seu marido, voltou ao Brasil. Por anos ela atuou na indústria da moda brasileira, até que as instabilidades do mercado levaram o setor a uma situação complicada no país.

“A partir de 2012, as condições na minha área foram ficando cada vez mais difíceis. Eu passei a pensar bastante no futuro das minhas duas filhas e nas possibilidades que os Estados Unidos poderiam oferecer. Mas foi em 2017 que nós tomamos a decisão de levar o projeto a sério e começamos a nos planejar”, conta.

Como nunca haviam empreendido, a escolha foi por adquirir uma franquia, por conta da estrutura e suporte que o modelo oferece. Um consultor de franquias norte-americano, indicado por um amigo, foi acionado para ajudar na escolha do negócio. Ao longo de algumas sessões, o profissional analisou a capacidade financeira para investimento, o perfil e o esforço que a empreendedora estava disposta a fazer na nova empresa. A partir daí, foram apresentadas três opções de franquias responsivas, que ofereceriam o suporte necessário para Liliane.

“Esses profissionais atuam muito próximos de franquias que estão em processo de alavancagem no mercado e são pagos com um percentual da venda quando o negócio é fechado”, explica. “No nosso caso, o consultor foi muito assertivo e deu tudo certo.”

Em fevereiro de 2019, Liliane e o marido viajaram ao Texas para um evento de apresentação da marca escolhida, a The Exercise Coach, para possíveis novos franqueados. Ela voltou ao Brasil decidida, vendeu o apartamento em que moravam para viabilizar o investimento e assinou o contrato para a abertura de uma unidade na cidade de Davie, Flórida, em meados daquele mesmo ano.

A The Exercise Coach é uma academia de ginástica no modelo estúdio de musculação, com o diferencial de possuir equipamentos únicos, desenvolvidos pela empresa e que, por meio de recursos tecnológicos e de inteligência artificial, conseguem calcular todos os ângulos, medidas e força do aluno, para oferecer treinos perfeitamente customizados.

Para abrigar o modelo era necessário encontrar o espaço ideal, o que aconteceu em dezembro de 2019. O passo seguinte - reformar o ambiente e adaptá-lo às especificações da atividade -, no entanto, sofreu um golpe com a chegada da pandemia e o fechamento de todas as atividades. O processo do visto da família para a mudança de país também parou com o fechamento dos serviços consulares.

“Fiquei em uma situação sem saída, precisávamos tocar tudo a distância”, lembra. Virtualmente, Liliane contratou um gerente de obra, que era orientado por videoconferências, além da troca de desenhos do projeto desejado pela empreendedora com fotos e vídeos do andamento da obra. Os materiais, por sua vez, foram todos comprados pela internet, a partir do Brasil, em lojas dos EUA. O primeiro colaborador do negócio, que atualmente é o gerente da unidade, também foi contratado virtualmente.

A dificuldade da pandemia, em alguns momentos, também ajudou. Depois das reformas, por contrato, o aluguel do espaço só começaria a ser pago depois do alvará de funcionamento expedido. Mas a Prefeitura fechada tornou o processo mais lento. O documento veio junto com a permissão de abertura de espaços menores ao público, como no modelo estúdio, em que apenas cinco pessoas permaneciam ao mesmo tempo no local.

Assim, a academia de Liliane foi inaugurada quando os primeiros estabelecimentos começaram a reabrir na Flórida, em outubro de 2020. Como era uma das poucas abertas, tanto profissionais para trabalhar nela quanto alunos não foram tão difíceis de conseguir. A distância da dona, é claro, atrapalhou. “Levei um ano e um mês para conseguir conhecer pessoalmente o meu negócio. Pude viajar aos EUA apenas em novembro de 2021, por 15 dias. Precisava dizer: ‘oi, eu existo’. Tinha gente que estava duvidando que eu era real”, brinca. A mudança definitiva com a família aconteceu só em fevereiro de 2022.

Passados quatro anos da abertura, o estúdio conta com mais de 130 alunos ativos e cinco colaboradores – que serão sete em breve. Liliane já adquiriu mais um território da franquia e está na busca do espaço ideal para a nova unidade. “Hoje estamos cada vez mais sólidos e estabilizados. Já me permito descansar alguns dias. Mas o começo foi muito duro. Nós aprendemos que, quando algo parecia fácil, é porque estava errado. Tive dias de chorar muito, de ficar sem dormir. Não conhecia o lugar, não conhecia ninguém, não podia sequer estar lá. A gente teve mais sorte que juízo”, recorda.

“Mas a verdade é que você precisa ter o espírito de que vai dar certo e tem que fazer por onde. Simplesmente porque não pode dar errado. Não há outra opção. Então você coloca toda a sua energia para fazer acontecer. E acontece”, ensina.

Empreender não tem idade

Apesar de todos os sacrifícios da mudança e adaptação em um novo país, é unânime a opinião das empreendedoras ouvidas de que o esforço valeu a pena. Qualidade de vida e oportunidades de futuro para a família estão entre os grandes benefícios. E a sensação de gratidão por ter tido essa oportunidade foi exatamente um dos motivadores do projeto de uma outra brasileira, a empreendedora social paulista Daniela Castelo.

“Minha família se mudou para os Estados Unidos quando eu tinha cinco anos. Em casa, falamos português, mas na rua e na escola sempre usei o inglês. Sou fluente em inglês, português e aprendi espanhol. Sei que isso vai me ajudar muito no futuro, na minha carreira. Mas sei também que muitas meninas da minha idade no Brasil não têm essa oportunidade e eu queria ajudá-las de alguma forma”, conta. “Um dia, em 2021, quando eu tinha 13 anos, conversando com a minha mãe, ela me deu a ideia: ‘por que você não ajuda dando o que tem? E o que você tem é esse conhecimento’.”

Foi então que Daniela colocou a mão na massa, criou um site e estruturou, completamente sozinha, um programa básico de inglês para meninas carentes brasileiras, composto por 13 aulas, o She Speaks. “Dividi os assuntos por aula e criei material específico para cada uma delas: alfabeto, números, vocabulário, noções de gramática. Para cada assunto desenvolvi uma apresentação e conteúdos próprios.” Tudo gratuito, ensinado por meio de aulas virtuais para meninas brasileiras carentes de 10 a 17 anos.

A primeira aluna veio por meio da avó no Brasil e foi com ela que Daniela percebeu que o projeto poderia funcionar. A partir daí, com a ajuda da mãe e divulgação em grupos de whatsapp, começaram a chegar mais alunas e as primeiras professoras. Essas últimas, também meninas na mesma faixa etária e que, como a empreendedora, moravam nos Estados Unidos. No começo eram amigas da escola e conhecidas voluntárias, depois, pessoas que chegaram de vários outros lugares.

De lá para cá, já completaram as aulas do She Speaks mais de 50 meninas e mais de 1 mil se inscreveram pelo site para participar. Daniela não dá mais as aulas, mas se dedica a fazer as entrevistas de seleção para o programa e direciona alunas e professoras umas para as outras. Além de alunas, chegam frequentemente candidatas a novas professoras.  “A maior dificuldade para mim é aprender a lidar com tanta gente. Fui aprendendo na prática. Sei que 13 aulas são pouco, mas é um começo. A ideia é abrir caminhos para essas meninas. É o jeito que eu consegui de ajudar”, diz.

A jovem empreendedora está terminando o ensino médio e começará a faculdade de administração de negócios no próximo verão norte-americano, mas seu projeto continuará. “Esse projeto é um dos meus propósitos de vida. Quando ouço os retornos das alunas e professoras, fico muito feliz em ver que meu esforço está dando frutos. Sei que a educação pode mudar um país. Dando oportunidades para as meninas, elas podem conseguir empregos melhores e, com isso, melhores condições de vida”, completa.

Mais do que os benefícios que seu programa pode trazer às participantes, a felicidade de ver os resultados e o senso de dever cumprido, o empreendimento da jovem paulista pode trazer ainda outros frutos para ela mesma. Uma pesquisa conduzida na Universidade Kellog, pela professora assistente de finanças Maddalena Ronchi, revelou que meninas adolescentes expostas ao empreendedorismo nessa idade tendem a estudar mais, a abrir seus próprios negócios na idade adulta e a ter mais sucesso nesses empreendimentos.

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