É preciso jogo de cintura para continuar a vender no Brás
Crise e assaltos a pedestres fizeram o movimento cair 50%. Ofertas e vendas pelo Whatsapp, como faz Allan Rodrigues, da Gazzy, são algumas das táticas para atrair clientes

Na Alvenaria, especializada em moda unissex, a tática é convidar quem passa na rua para conhecer a loja e aproveitar as promoções que variam entre 20% e 50% -assim como na Conexão Shyro’s, que comercializa peças para o público plus size.
A Blue Beni aproveita a experiência das vendedoras para atrair os (poucos) clientes dispostos a comprar - e convencê-los a levar suas novidades em moda feminina “de butique”.
Já na Gazzy, se o movimento está fraco, o jeito é fechar negócio via Whatsapp ou Instagram, com oferta de frete grátis.
“Como o cliente não tem vindo muito na loja, é preciso fazer algo diferenciado para atraí-lo” diz o gerente Allan Cleber dos Santos Rodrigues.
Vale tudo, nestes dias, para vender na região do Brás, o tradicional reduto atacadista procurado por lojistas de todo o Brasil para renovar estoques a preços de fábrica.
Principalmente com a baixa confiança do consumidor, temeroso do desemprego e que, em consequência, reduz a intenção de compra – a menor para o trimestre desde 2002 (40,2%), segundo pesquisa do Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo).
Os recentes assaltos que voltaram a pipocar na porta de entrada do bairro -a região do Largo da Concórdia -, amplamente divulgados pela mídia, também colaboraram para afastar o público.
De acordo com Rodrigues e outros lojistas consultados, em 2015 o movimento de vendas na região caiu em torno de 20%. De janeiro até o momento, essa queda varia entre 40% e 50%.
“Antes os consumidores vinham e compravam fácil. Agora só levam o que precisam porque o dinheiro está curto”, diz Soraya Khaznadar, gerente administrativa da Alvenaria.
Viviane Santos, gerente de vendas da Conexão Shyro’s, confirma: além do fluxo de clientes ter caído pela metade, eles estão determinados a procurar peças de menor valor.
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“Eles não querem mais o que agrada, e sim o que está dentro do orçamento disponível”, afirma.
Nem o clima ajuda: sem sinal de que o frio vai chegar, a antes tão aguardada troca de coleção Outono-Inverno, que dita as tendências da estação, agora aparece timidamente em poucas lojas -dividindo espaço com as peças em promoção da coleção anterior.
“Por enquanto, temos poucas peças de frio, como jaquetas e agasalhos. Agora, a meta é terminar de desovar os estoques da coleção primavera-verão”, diz Soraya Khaznadar.
Apesar de já ter um cantinho dedicado à nova coleção na Gazzy, Rodrigues diz que há dois, três anos já não se reserva mais todo o espaço da loja só para inverno ou só para verão. “Tem que ter de tudo um pouco.”
Com experiência de 30 anos como vendedora do Brás, Márcia Regina da Cruz, da Blue Beni, tem opinião semelhante: a loja tem que se adaptar, sobretudo nestes tempos.
Cinco anos atrás, os consumidores costumavam comprar 50 peças por modelo a cada troca de coleção, conta a vendedora. Agora levam só cinco ou seis de cada, e querem desconto.
“O pessoal só vem para repor o que acabou na loja. O jeito é pegar pelo braço para mostrar as novidades, ou usar o Whatsapp para fechar mais vendas. Às vezes dá certo.”
Uma das raras sacoleiras comprando na região, Natália Lucinda Santos da Silva veio de Araras (170 km da capital paulista) em busca de peças em promoção e só sob encomenda para suas clientes.
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“O Natal foi bom, mas os volumes de vendas vêm caindo em torno de 30%. Não dá para comprar além do que foi pedido”, diz ela, que diminuiu as idas ao Brás de duas vezes por mês para apenas uma.
Outro problema são os descontos apenas aparentes, de acordo com Fernando César da Silva, empresário do ramo de sorvetes e marido de Natália.
“Tem muita coisa com o mesmo preço desde o Natal. Se tivesse promoção, daria até para repassar para as clientes. Mas sei que está ruim para todo mundo”, completa.
E O DIA DAS MÃES?
O cenário no Brás reflete o fraco desempenho do varejo, que somente em São Paulo teve queda de 5,9% nas vendas ao longo de 2015, e deve chegar ao saldo negativo de 7,4% até o fim deste primeiro semestre, segundo levantamento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Um passeio por algumas ruas com grande concentração de comércio, como Maria Marcolina, Oriente, Conselheiro Belisário, Miller e Silva Telles dá uma ideia disso: em todas, há pelo menos um imóvel com placa de “aluga-se”, e o movimento tanto fora como dentro das lojas é escasso.
Com isso, a taxa de vacância entre as 5 mil lojas do bairro já bate nos 15%. É o que afirma Jean Makdissi Jr., conselheiro da Alobrás (Associação de Lojistas do Brás) e um dos sócios da Cleutex-Intima Store.
“Não está para brincadeira: quem tinha uma empresa mais inchada, ou teve que reduzir custos ou fechou”, afirma.
Porém, alguns lojistas inconformados com a crise, buscam soluções criativas para continuar a vender, diz. “Muitos têm se concentrado e procurando ousar, e montam coleções melhores para não perder mais vendas ainda.”
A proximidade do Dia das Mães - a segunda maior data em vendas para o varejo – e, em seguida, do dia dos Namorados, gera uma expectativa de melhora para os lojistas da região.
“O ano passado foi difícil, mas a região cresceu 2% em vendas em cima de 2014. Então, esperamos pelo menos a manutenção disso para a data em 2016”, diz Makdissi Jr.
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Porém, mesmo estando a menos de 20 dias do segundo domingo de maio, não se vê ações ou propaganda voltadas para o Dia das Mães nas lojas, como acontecia em anos anteriores.
Rodrigues, da Gazzy, afirma que, no momento atual, é melhor investir perto da data. “Se a loja estiver do mesmo jeito até o Dia das Mães, o cliente nem presta mais atenção. Não vamos arriscar.”
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REFORÇO
Assim como no final de 2015, os assaltos a pedestres voltaram à cena no Brás. Segundo os lojistas, quando as ações geralmente violentas dos ladrões, ou a venda de objetos furtados a receptadores que circulam na região aparecem na TV , o movimento cai imediatamente.
“Os assaltos atrapalham demais, as vendas também caíram por isso. É o comércio ambulante ilegal é que dá caldo para essa formação de quadrilhas”, afirma Jean Makdissi Jr., da Alobrás.
Segundo ele, nos tempos da chamada "Operação Delegada" entre 2012 e 2014 (PMs que fazem “bicos” para a Prefeitura nas horas vagas, rondando regiões com alta concentração de pessoas), cerca de 400 policiais circulavam pelas ruas do Brás diariamente.
“Isso melhorou muito nossos índices de segurança. Mas como a atual gestão municipal diminuiu as vagas, e comércio irregular voltou a ganhar força”, diz Makdissi Jr.
Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo confirmam: em nota, o órgão informa que “o número de vagas da atividade delegada foi reduzido em 62,2% na capital, de 3.899 vagas, em 2012, para 1.472 atualmente.”
A nota também informa que a Polícia Civil já vinha investigando esses roubos e furtos, e 16 pessoas foram presas em flagrante na região do Brás desde o início do ano.
“A presença de ambulantes irregulares facilita a ação de criminosos”, diz a nota. “O policiamento foi reforçado, com esquema especial aos sábados.”
Fotos: Karina Lignelli
Crise levou movimento a cair 50% nas ruas do Brás

Segundo a Alobrás, taxa de vacância na região bate nos 15%

Alguns lojistas fazem promoções agressivas

Soraya, da Alvenaria, aproveita o calor para vender o que sobrou da coleção de verão

Márcia, 30 anos de Brás, chama os clientes que passam na rua para conhecer a loja

Lojistas capricham nas vitrines para apresentar novidades

Sem sinal de outono, poucos lojistas têm apostado na nova coleção

A ideia é montar coleções melhores para não perder mais vendas
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