Conta corrente na Odebrecht complica a situação de Lula
Ex-presidente chegou a ter um saldo de R$ 23 milhões no departamento de propina da empreiteira, segundo delações em mãos da Lava Jato

O ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva reitera com ênfase há mais de dois anos, e o fez novamente na última quinta-feira (23/03), em seminário petista, sobre a suposta tragédia que a operação Lava Jato representaria:
"Nem [Sérgio] Moro, nem [Deltan] Dallagnol, nem delegado da Polícia Federal têm a lisura e a honestidade que tenho em 70 anos de vida", disse, referindo-se ao juiz federal de Curitiba e ao integrante do Ministério Público que vasculham sua vida.
A verdade, no entanto, é que a situação dele nunca esteve tão complicada depois das novas delações da Odebrecht e descoberta de planilhas da empreiteira.
Segundo elas, Lula chegou a ter R$ 23 milhões, como saldo de uma espécie de conta corrente mantida em seu nome pelo “departamento de propina” da Odebrecht.
A informação foi publicada pelo portal O Antagonista, que tem sido utilizado pela mídia como fonte muito bem-informada sobre os vazamentos importantes da Lava Jato.
Pois bem, o saldo de R$ 23 milhões consta de uma planilha recuperada no ano passado e que relata as movimentações de um poderoso personagem designado pelo pseudônimo de “Amigo”.
Trata-se do próprio Lula, segundo recentes esclarecimentos de diretores da Odebrecht, em delações ao juiz Sérgio Moro.
O detalhe importante é que essa conta corrente não permaneceu inativa. Do saldo constatado em 31 de julho de 2012 –quando Lula não era mais presidente havia dois anos e meio –foram feitos saques de R$ 3 milhões no semestre seguinte.
O intermediário dessa movimentação é designado nas planilhas como “Programa B”, que vem a ser o cognome de Branislav Kontic, um assessor do ex-ministro Antonio Palocci, que chegou a ficar preso em Curitiba.
Novos saques, desta vez de R$ 5 milhões, entre janeiro e outubro de 2013, operados pelo mesmo Kontic. Em outubro daquele ano, o saldo de Lula baixou para 15 milhões.
Por fim, em 2014, um último saque de R$ 4 milhões, feito desta vez em nome do Instituto Lula.
Eis que a operação Lava Jato se desencadeia e, a partir de então, o dinheiro não foi mais reivindicado pelo “correntista”.
O grosso das informações sobre essas operações foi prestado por Hilberto Silva, ex-chefe do departamento de propinas da Odebrecht, e consta de troca de mensagens dele com Marcelo Odebrecht, então presidente da empreiteira.
DELATOR, EM PRINCÍPIO, NÃO MENTE
Marcelo Odebrecht está preso desde junho de 2015 e, como prêmio pela delação premiada que negociou, ele poderá cumprir prisão domiciliar, por cinco anos, a partir de dezembro de 2017.
O acordo foi acertado em outubro de 2016 entre os advogados do empreiteiro e procuradores da Lava Jato. Ele já havia sido condenado a 19 anos de prisão e, em dois outros processos, poderia pegar mais até 50 anos.
O detalhe importante é o seguinte: caso ele tenha mentido para a Lava Jato, ele passará a cumprir integralmente suas penas no Complexo Penal dos Pinhais.
Não teria mais o direito de se mudar para sua casa em São Paulo, onde familiares já providenciaram a instalação de um amplo escritório, no qual poderá continuar a trabalhar.
Assim, Marcelo Odebrecht tem todo o interesse em dizer a verdade. O que dá credibilidade às acusações detalhadas que ele fez contra o ex-presidente Lula.
O ASSALTO À PETROBRAS
Um último detalhe. Parte desse dinheiro foi desviada da Petrobras, que sofreu um saque de R$ 6 bilhões durante as administrações petistas e perdeu R$ 45 bilhões durante os governos de Dilma Rousseff.
Ela, para não aumentar a inflação com a majoração de combustíveis, forçou a empresa a vender derivados de petróleo a preços inferiores aos pagos no momento de importa-los.
E mais. Entre 2003 e 2015, a dívida da Petrobras cresceu de R$ 5,9 bilhões para R$ 350 bilhões, tornando-se uma empresa inviável, que precisou, com o governo Temer, desfazer-se de ativos para fazer caixa.
OUTROS PROCESSOS DE LULA
O ex-presidente é réu em cinco processos, três deles na Lava Jato.
As investigações dos procuradores de Curitiba e que estão na mesa de Sérgio Moro envolvem em primeiro lugar o enigma sobre a verdadeira propriedade do apartamento 121, no mesmo andar em que Lula mora, em São Bernardo do Campo, e que ele utiliza para armazenar peças do acervo presenteado a ele quando era presidente da República.
O imóvel, que em dezembro foi colocado sob sequestro por Sergio Moro –não pode ser vendido – pertenceria nominalmente a Glaucos de Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai, também preso por ter servido de laranja nesta e em outras operações descobertas pela Lava Jato.
Com a Odebrecht há ainda o terreno no bairro paulistano de Vila Mariana, que a Odebrecht comprou por R$ 7,4 milhões para a construção da sede do Instituto Lula. A compra foi feita em nome de uma construtora chamada DAG.
O ex-presidente não gostou da localização do terreno e instalou seu instituto no bairro do Ipiranga.
Há também o sítio no município de Atibaia, no qual Lula esteve por 113 fins de semana depois de deixar a Presidência da República, e que está em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna, amigos de um de seus filhos.
Vazou depoimento, há cerca de um mês,de Alexandrino Alencar, ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht que falou sob delação premiada.
Ele disse que reformou o sítio a pedido de Marisa Letícia, mulher de Lula que faleceu em fevereiro. E que os trabalhos começaram em 15 de dezembro de 2009, quando o ex-presidente ainda exerceria por duas semanas seu mandato presidencial.
Há, por fim, e ainda em Curitiba, o tríplex do Guarujá. O imóvel, segundo a Lava Jato, acobertou o pagamento ao ex-presidente de uma propina de R$ 2,4 milhões, desta vez paga por uma outra empreiteira, a OAS.
Em delação não homologada pela Justiça, o ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, revelou que acertou com João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, que o valor do apartamento seria abatido da conta corrente que a empreiteira tinha com o partido.
Em Brasília, e fora do âmbito da Lava Jato, Lula é réu em dois outros processos, da operação Zelotes e da operação Janos.
Trata-se de uma situação judicialmente delicada para o ex-presidente. Que, sem a possibilidade de se contrapor a esse conjunto robusto de informações comprometedoras, prosseguirá alegando, aos gritos, que é o homem mais honesto do Planeta ou que só não é mais honesto que Jesus Cristo, como certa vez afirmou em 2016.
FOTO: Marcelo Camargo/Agência Brasil