Banheiros Públicos Perfeitos

'Dias Perfeitos', indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional, mostra como boa arquitetura pode unir utilidade e beleza para criar espaços funcionais e surpreendentes nas grandes cidades

Vitor França
06/Mar/2024
Economista pela FEA-USP e mestre em economia pela FGV-SP
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Banheiros Públicos Perfeitos

Em 2022, comemoramos o aniversário de três anos do nosso filho mais velho na Praça das Corujas, na Vila Madalena. O espaço foi adotado há alguns anos pelos moradores do bairro e, além de contar com uma imensa área verde e um córrego – o Córrego das Corujas –, ganhou mobiliário novo, parquinho, pinturas coloridas espalhadas pelo chão e uma incrível horta comunitária que fez a fama do local.

O dia estava lindo e a festa só não foi perfeita porque faltava ali um elemento central para a longa permanência em espaços públicos: um banheiro – minimamente limpo, de preferência. O mais próximo, em um supermercado nos arredores, exigia uma longa caminhada dos convidados, que acabavam se ausentando por muito tempo da confraternização.

Banheiros públicos são equipamentos bem raros em São Paulo. Banheiros públicos limpos, então, nem se fala. A opção para frequentadores de praças ou ruas abertas é procurar por banheiros em estabelecimentos privados, que muitas vezes exigem um consumo mínimo para o uso do equipamento. No caso de eventos pontuais, como blocos de carnaval ou corridas de rua, por exemplo, a solução são os práticos – mas deploráveis – banheiros químicos.

“Ué, mas não é assim em qualquer lugar?”, você pode estar se perguntando. Eu também achava que era até assistir a “Dias Perfeitos”, longa dirigido pelo alemão Wim Wenders e indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional deste ano. Ali eu descobri os incríveis banheiros públicos do projeto “The Tokyo Toilet”, no bairro de Shibuya, em Tóquio.

Os banheiros não apenas são modernos e estão sempre limpos, como cada um deles é único, com projetos assinados por grandes arquitetos de renome internacional. O equipamento que particularmente mais me chamou a atenção foi o localizado no Yoyogi Fukamachi Mini Park, criado por Shigeru Ban, vencedor do prêmio Pritzker em 2014. Ele é composto por vidros coloridos e transparentes que revelam que o banheiro está vazio. Quando fechado por dentro, porém, o vidro se torna opaco, o que provoca surpresa e diversão em uma usuária do banheiro no filme.

Banheiro localizado no Yoyogi Fukamachi Mini Park, criado pelo arquiteto Shigeru Ban

 

O filme gira em torno do dia-a-dia de Hirayama, homem metódico e contemplativo que trabalha como zelador desses banheiros públicos. Sua rotina, que envolve quase sempre a mesma sequência de ações (acordar cedo com o som da rua sendo varrida por uma vassoura de palha, molhar as plantas, escovar os dentes na pia da cozinha do seu pequeno apartamento, vestir o macacão do trabalho, comprar um café enlatado de máquina, dirigir até os banheiros de Shibuya ouvindo clássicos do rock em fitas-cassete, almoçar um lanche no banco do parque, tirar uma foto do céu entre as árvores, ir de bicicleta ao banho público depois do trabalho, jantar sempre no mesmo restaurante e ler um livro antes de dormir), é eventualmente quebrada por acontecimentos como a carona para uma mulher que se encanta pela canção da Patti Smith de uma de suas fitas, por um pedaço de papel com um jogo da velha deixado em um dos banheiros ou pela visita da sobrinha que fugiu de casa.

Apesar de parecer ter encontrado a felicidade na repetição, no prazer das pequenas coisas, é a quebra da rotina que proporciona momentos marcantes, os quais revelam a beleza e a tristeza da vida (expressada magistralmente na cena final do filme, ao som de “Feeling Good” interpretada por Nina Simone).

Trazendo um pouco da reflexão do filme para o dia-a-dia nas grandes cidades, podemos dizer que, na repetição dos nossos trajetos diários, aquele elemento marcante e reconfortante – a variação necessária na paisagem – pode vir das construções com arquitetura de qualidade, como belos prédios, lojas, vitrines, bares, restaurantes, pontos de ônibus, praças, estações de metrô. Ou mesmo de construções que abriguem, por exemplo, banheiros, tão importantes para incentivar o uso e a permanência em espaços públicos e tão necessários em locais de grande circulação de pessoas.

Além disto, criar locais agradáveis, que unam funcionalidade e beleza, pode ser uma forma não somente de tornar a cidade mais interessante, mas também de incentivar a preservação desses espaços e sua apropriação pela população.

Contudo, analisando a nossa problemática relação com os espaços públicos, ainda fica difícil acreditar no sucesso de uma iniciativa como a de Tóquio por aqui, onde os assentos sanitários e as paredes limpas não costumam durar muito mais do que alguns dias. De qualquer forma, talvez a iniciativa pudesse vingar ou ao menos ser testada em alguns lugares específicos, como a Praça das Corujas, por exemplo, que mencionei no início do artigo, e tantas outras praças bastante frequentadas e bem conservadas pelas comunidades locais.

 

IMAGENS: Tokyotoilet/reprodução

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