Temer: cinco gols a favor e quatro gols contra
Presidente em exercício acerta na equipe econômica, na política externa e nos direitos humanos. Mas escorregará se legalizar o jogo de azar e não impedir declarações contraditórias de ministros

Michel Temer tem acertos e erros desde que assumiu interinamente a Presidência da República, na última quinta-feira (12/05).
Não é uma questão de competência ou má vontade.
São bem mais as circunstâncias de um quadro institucional em que o Congresso e a sociedade ainda destilam a ressaca deixada pelo fim patético do mandato presidencial de Dilma Rousseff.
Vejamos, primeiramente, os gols contra que Temer sofreu.
1 – Liderança do governo na Câmara: o presidente interino queria no cargo o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Mas precisou engolir na quarta-feira (18/05) André Moura (PSC-SE), nome de prontuário duvidoso – com uma suposta tentativa de homicídio nas costas e réu no STF.
Dois fatores contribuíram para a ascensão dele como um dos pivôs da articulação política no Congresso. Há de início o fato de ele ter um perfil mais próximo do chamado “centrão”, bloco de 13 partidos e duas centenas de deputados e que é crucial para a aprovação das reformas em plenário; a seguir, foi uma demonstração de força do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que continua a comandar seus aliados a partir da residência oficial em Brasília que estará autorizado a utilizar, até que a Comissão de Ética ponha fim ao seu mandato.
2 – Ministério da Cultura: a incorporação da Pasta ao Ministério da Educação fez com que o lobby dos artistas e produtores beneficiados pela Lei Rouanet deslocasse seu foco de combate.
Em lugar de insistir na permanência de Dilma no Planalto, passaram a classificar a transformação do ministério em secretaria como um rebaixamento e um descaso para com a produção cultural. É um argumento inconsistente.
Seguiram-se as cinco tentativas de Temer de encontrar uma mulher para aceitar a chefia da secretaria. E foram cinco respostas negativas – entre elas, a da cantora Daniela Mercury e a da apresentadora e atriz Marília Gabriela.
A função foi parar em mãos do jovem diplomata Marcelo Calero, secretário da Cultura municipal do Rio e homem bem relacionado com o meio artístico.
3 – Recuos do primeiro escalão: o ministro Ricardo Ramos (Saúde) afirmou que o SUS seria revisto pela falta de verbas para cumprir sua vocação. Precisou recuar, diante da mobilização de ONGs e da classe médica.
O ministro Alexandre de Moraes (Justiça) insinuou a adoção de novos critérios para a escolha do procurador-geral da República, mas foi desmentido pelo próprio Temer.
O ministério foi montado às pressas, em apenas duas semanas, e é compreensível que os ponteiros não estejam todos acertados. Mas, nos dois casos, houve inabilidade dos envolvidos e a transmissão, na direção da sociedade de sinais de hesitação e equívoco.
4 – Bingos e jogos de azar: a legalização dessas atividades, defendida pelos ministros Henrique Eduardo Alves (Turismo) e Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) tem por base a vertente da arrecadação.
Mas há outro debate paralelo que o governo e o Congresso não poderão ignorar, já que a legalização do jogo traz historicamente embutidos a lavagem de dinheiro, o narcotráfico e a prostituição.
E vejamos agora os gols que o presidente interino marcou.
1 – Equipe econômica: o mercado e o meio acadêmico passaram por momentos de euforia depois das indicações não apenas de Henrique Meirelles (Fazenda), mas também de Ilan Goldfajin (Banco Central), Maria Sílvia Bastos Marques (BNDES), Mansueto de Almeida (Secretaria de Acompanhamento Econômico) ou Otávio Ladeira de Medeiros (Secretário do Tesouro).
Com a correta a visão de que um governo pós-Dilma precisa de bons gestores econômicos e de que os demais setores serão por enquanto menos importantes, Michel Temer entrou em cena de maneira superlativa.
2 – Itamaraty: José Serra já de início reagiu com firmeza ao comportamento de governos latino-americanos (Cuba, Equador, Venezuela, Bolívia e Uruguai) e da Unasul que aceitaram, de modo acriticamente bolivariano, a tese de que no Brasil ocorreu um “golpe”.
Em seu discurso de posse, na quarta-feira (18/05), o ministro afirmou claramente que os interesses diplomáticos e comerciais do país predominam sobre os interesses ideológicos do Partido dos Trabalhadores, até agora defendidos pela máquina externa do Estado.
3 – Desmontagem da EBC. A Empresa Brasileira de Comunicação, com dotação anual de R$ 750 milhões – oito vezes mais que a Fundação Padre Anchieta, de São Paulo – tornou-se nos governos Lula e Dilma um borderô para a contratação de aliados políticos com salários sem nenhum padrão de mercado.
O primeiro passo da investida do Planalto foi o afastamento do presidente da empresa que Dilma nomeou uma semana antes da votação do impeachment.
A própria Dilma e os docentes petistas da Universidade de Brasília protestaram, o que é, a rigor, a sinalização de que o governo está no bom caminho.
4 – Secretaria da Comunicação Social: Temer a encontrou com os cofres zerados. Ela empenhou nos primeiros cinco meses deste ano R$ 390 milhões – uma fortuna, se comparados aos R$ 180 milhões no mesmo período do ano passado.
Não foi em razão das campanhas de combate ao zica vírus. Foi por propaganda política e partidária, sobretudo por meio de blogs petistas, que também eram financiados com as verbas publicitárias da Petrobras, Caixa, Banco do Brasil e BNDES.
5 – Direitos Humanos: a indicação de Flávia Piovesan, do Ministério Público paulista e professora da PUC-SP, representa um salto qualitativo incrível com relação às questões que no governo Dilma chegaram a ser tratadas pela deputada-militante Maria do Rosário (PT-RS), que foi o fundo do poço do aparelhamento do Estado pelo partido dela.
Piovesan tem um excelente currículo acadêmico sobre questões como tortura, direitos da mulher, trabalho assimilado à escravidão e direitos da juventude e da criança.
Entre prós e contras, o presidente em exercício, por enquanto, está ganhando a partida.
FOTO: Charles Scholl/Estadão Conteúdo