"Superei o medo de crescer e ser grande"

A BR Goods, da economista paulista Beatriz Cricci, era conhecida pelo rigor técnico e foco em valor agregado. Quando fortaleceu a área comercial, encontrou o caminho do crescimento acelerado

Inês Godinho
06/Ago/2015
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"Superei o medo de crescer e ser grande"

A carteira de clientes da BR Goods impressiona pelo peso e prestígio das marcas, embora seja uma empresa pequena. Estão lá os hospitais paulistanos Albert Einstein, Sírio Libanês, São Luiz e a rede D'Or; as redes hoteleiras Sheraton e Blue Tree e o o Copacabana Palace, a companhia aérea American Airlines, a fabricante de avião Airbus e a empresa de tecnologia Dell. 

Fundada por Beatriz Cricci, ou Bia, como é conhecida, fornece produtos muito específicos para estas empresas –cortinas de tecido técnico, acessórios, divisórias de leitos hospitalares, biombos e sistemas de proteção de impacto.

Ela praticamente formatou um segmento de negócio, iniciado do zero em 2001. Entre os 1.200 clientes, cerca de 800 são hospitais, seguidos dos setores de hotelaria e indústria.

BIA: CORTINAS CERTIFICADAS PELA ABNT E ISO 9001

Atualmente, a empresa instalada em Indaiatuba/ SP, terra natal da empresária, tem uma receita anual estimada de R$ 4 milhões. No ano passado, segundo ela, cresceu 39%. E, em plena recessão de 2015, subiu 29% o faturamento no primeira trimestre.

Apesar do esforço de anos dedicado à BR Goods, ela considera que só agora apreendeu uma coisa fundamental para quem tem negócio – entender o que é crescer e como planejar o crescimento da empresa. Bia também sofria de uma dificuldade expressa pelas mulheres empreendedoras, o medo de ser grande. 

"Pela primeira vez, visualizei a capacidade de escala que criei para o meu negócio e estabeleci meta de expansão", explica. "Nos próximos três anos, a BR Goods vai ampliar a receita em 300%. Quero ser grande."

  
"NOSSO JULGAMENTO É O PIOR INIMIGO"

Selecionada no ano passado, Bia faz parte do grupo de empresas com alto potencial de crescimento criadas por mulheres e que vem sendo assessorado pelo programa Winning Women, da firma de serviços profissionais EY. "As conselheiras e consultoras com quem tenho mentoria fortaleceram minha autoconfiança", explica. 

Ela resume a experiência como "choques de realidade" o tempo inteiro. "Entendi os erros que ainda cometia na preparação de orçamento, a dificuldade de pensar em crédito, de passar da operação para o estratégico, de aprender a pedir ajuda."

Esta, no entanto, não foi a primeira experiência de capacitação empreendedora de Bia. Buscar conhecimento esteve na sua agenda desde quando pediu demissão de um emprego seguro e bem pago como gerente contábil de uma empresa israelense de frete marítimo. Com o conhecimento, aplacou o medo de se sentir incompetente para a gestão.

"Fiz todos os cursos do Sebrae e da Endeavor, seminários na Fiesp e pós-graduação em gestão industrial", enumera. "O medo de não saber é paralisante. Nosso julgamento é o pior inimigo quando encaramos uma dificuldade. O segredo é sempre aprender." 

"MANTIVE O NEGÓCIO EM PARALELO COM O EMPREGO"

Para conseguir pagar o curso de economia, começou a trabalhar aos 19 anos como rodomoça. A carreira decolou, casou e teve filho. Quando quis o segundo filho, aos 33 anos, surgiu a vontade de mudar de ritmo de trabalho e ser dona do própria negócio. 

Para iniciar a empresa, em 2001, teve a ideia de criar cortinas de banheiro criativas e montou uma oficina de costura no próprio apartamento. Fazer foi fácil. A dificuldade bateu quando chegou a hora de oferecer a produção. "Passei 10 vezes na frente de uma loja antes de criar coragem e entrar."

Por um tempo, vendeu para lojas e as encomendas vieram até de Portugal, onde o irmão morava e começou a representá-la. Mas as vendas não deslanchavam. A virada aconteceu quando pensou em oferecê-las para hotéis e resolveu participar da feira Equipotel. 

Recebeu uma encomenda de 800 cortinas do hotel Sheraton, de Porto Alegre. "Emiti uma nota fiscal pela primeira vez na vida. Fiquei envergonhada e comecei pela número 2", graceja. Precisou transferir a oficina para o quintal da casa do pai e contratar uma costureira para dar conta. 

"Mantive o negócio em paralelo com o emprego. Depois que pedi demissão, continuei como consultora da empresa durante dois anos. O medo de me jogar de vez era grande."

"VER O NEGÓCIO QUEBRAR FOI ARRASADOR"

Em pouco tempo, criou nome no meio e passou a fornecer para várias redes hoteleiras. No entanto, não resistiu quando foi convidada para montar uma confecção de moda. "Caí na tentação de abraçar o mercado ", admite. Segundo ela, o tombo foi grande. "Calculei o preço abaixo do custo e fali. Aprendi que existe um perfil de empreendedor para cada mercado. E o meu não é de moda."

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A experiência "foi arrasadora". Chorou um ano até começar a ligar para os credores e negociar um compromisso de pagamento. "Hoje, vejo que não precisava ter sido tão sofrido. Empreendedores sofrem muito. A gente precisa se perdoar mais e acreditar que o erro vem para o bem."

Os percalços da empresa eram conciliados com a vida em família, dividida com o marido, também empresário. A parceria, segundo ela, possibilitou manter os cuidados com os dois filhos, hoje com 18 e 14 anos. 

"O IPT SE TORNOU MEU LABORATÓRIO"

A recuperação veio em 2005, com uma encomenda do hospital Albert Einstein. "Eles me pediram para desenvolver uma divisória de leito com tratamento antimicrobiano, dentro de padrões internacionais de produtos hospitalares. Assim encontrei o meu nicho de empresa." Até então, os hospitais só contavam com produtos importados. A BR Goods desenvolveu um similar  com custo 30% menor e logo estava fornecendo para vários hospitais, entre os quais o Sírio Libanês e o São Luiz. 

O rigor do mercado hospitalar combinou com o perfil detalhista da empresária. Um dos primeiros cuidados foi buscar ajuda técnica e certificação. Os produtos da empresa têm os certificados da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e da ISO 9001. 
"Possuo todos os laudos necessários para produtos hospitalares e instalei uma área de inovação na empresa", explica. "Fiz uma parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas e o IPT se tornou praticamente o meu laboratório."

O divisor de água ficou simbolizado no curso de pós-graduação em gestão industrial para PMEs, em 2006. "Assim que acabei, consegui fazer minha empresa crescer sete vezes mais. Aprendi a me concentrar em produtos com maior valor agregado." 

Antes importadora do tecido, decidiu fabricá-lo aqui com fio importado da Alemanha. Finalmente, pôde sair do quintal da casa do pai e instalou a produção em um galpão de 500m2. 

"AGORA, TENHO UMA FÁBRICA"

A BR Goods não se limitava a produzir, também instalava as cortinas no local, uma operação que exige extremo cuidado pelo ambiente em que ocorre. A aceitação do serviço motivou a diversificação do portfólio de produtos, ampliado para equipamentos de proteção de impacto, como bate-macas, cantoneiras e corrimão. 

Para se preparar, Bia iniciou uma nova fase de pesquisa e passou a representar um distribuidor americano. "Comecei importando as peças e agora tenho uma fábrica, que funciona junto com a de tecido para cortinas." A necessidade de ampliação fez com que levasse a empresa para um novo espaço de mil m2 na área industrial de Indaiatuba.

O planejamento para crescer incluiu ampliar as exportações, iniciadas há alguns anos. "A meta é que representem 20% do faturamento." Para isso, buscou assessoria da Apex, o órgão de fomento à exportação. 

"OS GRANDES CLIENTES SEMPRE ACREDITARAM EM MIM"

A confiança vem do processo de desenvolvimento que implantou na empresa. "Atualmente, tenho uma estrutura que me dá escalabilidade para crescer", explica. "Tornei a empresa mais eficiente. Os procedimentos estão definidos em detalhes e consigo trabalhar com um sistema integrado no pedido. Isto me dá total segurança para a instalação dos produtos, independente do tamanho da demanda."

Um dos efeitos dos  programas de aconselhamento dos quais participa foi a decisão deixar de cuidar de todas as áreas, profissionalizar a empresa e estruturar a área comercial, que passou a dirigir pessoalmente. Também ampliou o olhar para fora dos portões. A convite da Fiesp, passou a integrar a diretoria do Departamento da Micro, Pequena e Média Indústria (Dempi). 

Teve um fato curioso por trás do convite. "Em um evento, chamei a atenção da Fiesp para o logo do departamento, em que só havia homenzinhos reproduzidos. Agora, incluíram uma mulher na imagem." Assim como no logo, ela é a única mulher entre os 29 homens da diretoria.

Em sua trajetória, houve momentos em que pesou a questão de gênero. "Senti falta de credibilidade no meu trabalho algumas vezes", avalia. "Mas não liguei, pois os meus grandes clientes sempre acreditaram em mim."

No entanto, reconhece que não foi fácil o início, sem apoio e sem crédito, uma realidade seja para homens e mulheres. "Hoje existe um ecossistema de empreendedorismo que ajuda muito na capacitação e na busca de investimento", avalia. "Passei a entender o papel do investidor na estratégia de crescimento. E acho bom até em termos de governança. Estou me preparando."

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