Sergio Marchionne: o CEO que abalou Detroit
O executivo-chefe da FIAT já quis se unir a GM e, agora, pensa na Google e na Apple como parceiros

Por Bill Vlasic/ Fotos: Laura McDermott
Em meados de março, Mary Barra, executiva-chefe da General Motors, recebeu um e-mail longo e incomum de um de seus concorrentes diretos, Sergio Marchionne.
Ela nunca havia se encontrado com Marchionne, CEO da Fiat Chrysler Automobiles. E nunca imaginou que seu primeiro contato seria uma oferta para discutir uma possível fusão de arrasar quarteirões.
O e-mail, de acordo com duas pessoas informadas, discutido pela primeira vez neste artigo, mostrava em detalhes como as montadoras globais precisam se unir para poupar dinheiro e sugeria que uma combinação entre a GM e a Fiat Chrysler poderia cortar bilhões em custos e criar uma superpotência automotiva.
Essa análise não interessou Barra nem outros executivos do conselho diretivo da GM. Ao invés disso, o convite de Marchionne para uma reunião para tratar sobre o assunto foi sumariamente negado, de acordo com pessoas informadas sobre a situação, que passaram informações desde que não tivessem suas identidades reveladas.
Essa foi uma rejeição rara para Marchionne, a mente por trás de fusão entre a italiana Fiat e a Chrysler, a montadora norte-americana que precisou de um pacote de ajuda do governo para sobreviver à última recessão.
Entretanto, Marchionne não é o tipo de pessoa que se desanima com uma rejeição. Por isso, um mês mais tarde, no dia 29 de abril, durante uma ligação de rotina, ele dobrou sua aposta. Ao invés de seguir o roteiro de sempre, no qual o executivo chefe discute a atual situação das operações da empresa, Marchionne abalou os analistas de Wall Street ao devotar a ligação toda a seu repentino interesse na fusão das montadoras.
"Acredito que a quantidade de capital que está sendo desperdiçado pelo setor é um problema que precisa ser remediado agora mesmo. E, para nós, o remédio é a consolidação", afirmou.
Não é comum que um executivo-chefe anuncie para o mundo que sua empresa está animada para encontrar um parceiro com quem se fundir. Há até aqueles que percebam isso como um sinal de fraqueza e, na verdade, as ações da FCA (Fiat Chrysler Automobiles) caíram cerca de 10 por cento nos dias que se seguiram. Ao invés angariar apoio, a postura apaixonada de Marchionne apenas destacou as dificuldades pelas quais a Fiat Chrysler vai passar.
Marchionne teve grande sucesso na união entre duas montadoras que não andavam muito bem e criou a sétima maior empresa do setor automotivo no mundo. As vendas da FCA nos EUA dobraram desde 2009. Entretanto, a empresa vendeu apenas 4,6 milhões de carros e caminhões em todo o mundo durante 2014, cerca de metade do total da GM e a Volkswagen. Suas marcas mais valiosas, como os SUVs Jeep e as picapes Ram, não compensam o fato de que a empresa ganhe menos dinheiro que as concorrentes, tenham um desempenho ruim na China - o maior mercado automotivo do mundo – e praticamente não invista em veículos movidos a combustíveis alternativos, fundamentais para responder às novas demandas federais de economia energética.
Marchionne afirma possuir um plano detalhado para melhorar o desempenho da FCA, mas sua atual obsessão parece ser a de brincar de arauto da destruição automotiva, alertando para consequências desastrosas, caso as empresas continuem a gastar tanto dinheiro. Ele não tem paciência com sutilezas ou frases delicadas.
Na verdade, quanto maior o problema, mais barulho ele faz. Ele irritou a Administração de Segurança no Trânsito dos EUA ao defender a segurança de modelos mais velhos da Jeep. O órgão do governo agendou recentemente uma audiência para examinar o que a empresa fez em relação aos recentes recalls, algo raro para o setor.
Marchionne parece estar em rota de colisão com líderes sindicais durante as negociações contratuais deste ano, já que a FCA não para de contratar trabalhadores de baixo custo. Isolado entre os executivos-chefes das montadoras, ele quer acabar com o atual sistema salarial, acabando com os salários mais altos à medida que os funcionários mais velhos se aposentam.
Detroit não vê um CEO tão provocador e imprevisível desde Lee Iacocca, o último salvador da Chrysler, nos anos 1980. E assim como no caso de Iacocca, a autoconfiança nunca está em falta para Marchionne.
EXECUTIVO DE CARREIRA
Marchionne, de 62 anos, era um membro desconhecido da diretoria da Fiat quando a família Agnelli, que controlava a montadora italiana, o escolheu para reverter sua longa trajetória de declínio. Ele se moveu rapidamente, despedindo executivos, acabando com a burocracia da empresa, eliminando modelos que vendiam pouco e ajustando a produção às demandas de mercado. Em um aquecimento anterior à fusão com a Chrysler, ele também fomentou uma cultura empreendedora na qual os executivos tinham bastante liberdade para alcançar os objetivos internos.
Desde que ele fechou o acordo com o governo Obama há seis anos para assumir o controle da Chrysler, suas medidas confundiram um setor que costuma aderir a fórmulas bem estabelecidas. Quando outras empresas limitavam o número de marcas e modelos, Marchionne trouxe novidades, como a separação das camionete Ram da Dodge. Ao invés de maquiar a imagem cansada da Chrysler, ele preferiu destacá-la com uma série de campanhas que chamava atenção para o espírito tenaz dos veículos que são "importados de Detroit".
"Sempre tive esse senso de urgência. Sempre tive essa vontade de não deixar as coisas para depois e de aproveitar o momento, porque tudo depende do acaso", afirmou.
ENFRENTANDO OS SINDICATOS
Marchionne vai se sentir bem desconfortável no verão deste ano, quando as montadoras de Detroit começarem a conversar com a União dos Trabalhadores do Setor Automotivo. A FCA e outras empresas do setor se gabam de uma situação financeira confortável e os sindicatos estão determinados a ficar com uma parte das recompensas. Isso pode representar o fim da estratégia de Marchionne de utilizar trabalhadores subqualificados.
Uma das prioridades do sindicato é o aumento dos salários de novos trabalhadores, além de um possível limite no número de novos funcionários com salários baixos.
Marchionne não tem medo de contratar trabalhadores de baixo custo.Embora defenda que o sistema de dois salários deve ser utilizado em favor da empresa, Marchionne admite que a diferença salarial entre os trabalhadores cria as "sementes da discórdia".
Por isso, ele defende que os salários sejam padronizados em todas as fábricas. Os salários de US$ 28 pagos por hora aos veteranos deveriam ser diminuídos assim que a atual geração se aposentar, segundo o executivo-chefe. Contudo, os trabalhadores sindicalizados detestam a ideia e argumentam em favor do aumento de salários para todos os funcionários durante o fechamento dos novos contratos.
O uso agressivo feito por Marchionne do sistema de dois salários é uma característica de seu estilo truculento e que com frequência tem resultados negativos.
CORTEJANDO APPLE E GOOGLE
Desde que abriu as portas para uma possível fusão com outra indústria automotiva, Marchionne ampliou a discussão sobre o futuro do setor e incluiu gigantes tecnológicas, como a Apple e o Google.
Marchionne fez recentemente uma visita de três dias à Califórnia para se encontrar com executivos, incluindo o CEO da Apple, Tim Cook. (Um porta-voz da Apple se negou a falar sobre o assunto.) A viagem destacou o crescente relacionamento entre as gigantes de tecnologia e as montadoras tradicionais. A Fiat Chrysler e outras montadoras estão entre os maiores clientes potenciais de equipamentos de navegação e comunicação avançada.
Contudo, Google e Apple também estão desenvolvendo seus próprios automóveis e podem um dia precisar fazer parcerias com grandes montadoras para a fabricação ou marketing de seus produtos. Caso isso aconteça, Marchionne está ansioso para participar.
Por hora, ele elogia a posição das empresas que, segundo ele, vão redefinir a forma como carros são desenvolvidos e operados, e isso inclui os veículos autônomos. "Essas coisas são reais. Não se trata de ficção científica. Esses carros já estão aí", afirmou a repórteres durante um discurso recente em Toronto.
Não é nenhuma surpresa que Marchionne expresse entusiasmo com a mudança de seu setor. Poucos acreditavam que ele poderia juntar uma Chrysler falida com uma Fiat quase quebrada e criar uma empresa viável. Mas ele conseguiu. Gostem ou não, o exagero é tudo o que Marchionne conhece e está disposto a fazer.