Samuel Pessôa, do Ibre: Lula se comporta como economista heterodoxo

Em palestra no Comitê de Avaliação de Conjuntura da ACSP, economista disse que, enquanto a Fazenda quer o ajuste fiscal, outros setores, e o presidente da República, insistem em manter elevados os gastos públicos para gerar crescimento

Karina Lignelli
28/Mar/2025
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Samuel Pessôa, do Ibre: Lula se comporta como economista heterodoxo

Se tivermos um governo de centro-direita que arrume a parte fiscal, é possível colocar esse país para crescer um pouco mais. Mas, em caso de reeleição, o presidente Lula será forçado a fazer um ajuste mais estrutural. A análise, do economista Samuel Abreu Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO), dá uma ideia das expectativas do mercado para os desdobramentos das eleições de 2026. 

O ano de mudança política, que deve influenciar fortemente os caminhos da economia, foi avaliado pelo especialista na palestra "Os dois primeiros anos do governo Lula e o que esperar dos próximos dois anos", apresentada na primeira reunião de 2025 do Comitê de Avaliação de Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na última quinta-feira (27). 

Para Pessôa, o que levou ao atual "mau humor do mercado" foi a escolha feita por Lula no início deste mandato: inverter o ciclo da despesa pública, levando a PEC da transição a iniciar com aumento de gastos de 1,7% do PIB, já que ele não teria força para bancar o desgaste de um ajuste fiscal logo no início de um mandato que começou em cenário polarizado.

A escolha fez a economia crescer 2,9% em 2023, chegando a picos de crescimento nos dois últimos trimestres do ano (3,3% e 3,2%, maiores do que no governo Bolsonaro). O IPCA mais baixo também foi beneficiado pela queda da inflação americana, segundo o economista, assim como a expectativa da queda dos juros por lá - o que reduziu a cotação do dólar por aqui. 

Logo no início, o ministro da Fazenda Fernando Haddad também tomou três medidas para corroborar a estratégia: dar andamento à reforma tributária, ao novo arcabouço fiscal e outras de arrecadação (CARF, ICMS, fundos etc.). Mas havia inconsistências, segundo o economista, como a exigência constitucional de aumento progressivo dos gastos com educação e saúde. "Isso faria os gastos correntes estourarem o arcabouço. O mau humor do mercado veio daí", reforçou. 

Fazenda x governo

Em 2024, segundo ano do Lula 3, a alta da inflação americana pressionou os juros por lá, fazendo o dólar cair 25% por aqui, lembrou Pessôa. A política fiscal expansionista também ajudou o PIB a crescer 3,4%, enquanto o mercado financeiro apostava que seria só 1,5%. 

Já em 2025, a expectativa é que o PIB desacelere para 2%, com o lado cíclico da economia caindo 4,5% - aqui entram os 70% do PIB que incluem varejo, indústria, serviços e construção - e os 30% restantes, formados pelo agronegócio e o setor público, crescendo 4%.  

"A inflação deve ser de 6%, sendo que a de alimentos, com alta nas carnes, ovos, café e frutas, deve subir entre 6% e 7%, mesmo com safra recorde de 330 milhões de toneladas."

Já a inflação de serviços é "inercial" (estável, mas com aceleração moderada e contínua), segundo o economista, e deve crescer entre 7% e 9% enquanto a economia vem crescendo a plena carga devido ao excesso de demanda. "Essa espiral de preços-salários só quebra quando esfriar a economia, e esta só cai com aumento do desemprego para 7,5%."

Na tentativa de melhorar esse cenário, hoje há um conflito no governo, diz Samuel Pessôa: enquanto a Fazenda quer desacelerar, outros setores (e o presidente Lula) querem estimular a demanda com crédito consignado e a isenção do IR até R$ 5 mil. E, mesmo que tudo isso seja compensado com o aumento da tributação para a alta renda, o consumo dela não vai cair. Por outro lado, aumenta também o da baixa renda, porque o que entra é para consumo direto. 

Portanto, ainda que do ponto de vista da dinâmica da dívida pública a medida seja equilibrada, pois não aumenta o déficit público e haverá compensação, do ponto de vista do equilíbrio entre oferta e procura é expansionista, e deve gerar pressão adicional e impacto nos juros. 

"O mais importante aqui é reconhecer a dificuldade que o atual governo tem de desacelerar os gastos, e também de aceitar uma desaceleração da economia", afirmou o especialista.

Lula heterodoxo e o avanço da centro-direita

E para 2026? Segundo o economista do IBRE-FGV, as projeções mostram o PIB em 1,5%, com inflação de 5% a 5,5%. Mas haverá um processo eleitoral em curso, e há um cenário de sociedade polarizada, onde a economia não define mais os resultados da eleição.

Se os cientistas políticos e economistas dizem que o incumbente, o titular do cargo, tem uma vantagem natural em processos de reeleição, Lula, que está com mais de 40% de aprovação, ainda está competitivo, explicou. Mas houve uma mudança estrutural na sociedade, com a polarização introjetada e afetando até relacionamentos nas famílias. Outra questão é que hoje os evangélicos são 35% do eleitorado, e por isso a eleição será extremamente disputada. 

"Mas esses dados são do Censo de 2010. Se depender dos evangélicos, ele perde a eleição só pela mudança da composição da população nos últimos quatro anos."

Hoje, segundo Pessoa, há duas interpretações. Uma que aponta o presidente Lula bem no jogo, e que o cenário leva a uma reeleição. E outra que trata dessa quebra estrutural da sociedade, onde o cenário-base para o ano que vem é a eleição do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. "E não sou eu que estou falando, mas diversos analistas políticos que eu respeito e acompanho."

Em sua avaliação, haverá uma transição política, em que Tarcísio sairia do governo paulista, pois aparece muito bem nas pesquisas e com chances de vitória. Nesse cenário, o câmbio cairia para R$ 5, R$ 5,2, a inflação também, e haveria uma melhora nos grandes mercado.

"Se entrar um governo de centro-direita que arrume a parte fiscal, dá para colocar o país para crescer um pouco mais", afirmou. "Nunca vai ser uma maravilha, mas dá para aumentar a poupança pública e construir equilíbrio macroeconômico com juros mais baixos, que é o grande serviço que ainda precisa ser feito e não conseguimos desde o Plano Real. Senão, não dá para ter um crescimento sólido, nem viabilizar negócios. O país fica meio parado."

Caso Lula seja reeleito, segundo Pessôa, o cenário será outro, com câmbio muito mais valorizado, aceleração da inflação e estresse no mercado. Isso porque, em sua avaliação, o presidente parece ter virado um "economista heterodoxo", com uma interpretação extrema de Keynes, ao perpetuar a ideia de que gasto público é que gera o crescimento. 

"Essa lógica só funciona quando há desemprego aberto. Quando a economia está em plena carga, gasto público só gera inflação e, portanto, juros altos. E essa parte, aparentemente, o presidente Lula não captou, e por isso acho que não vai querer fazer o ajuste fiscal." 

Mas o mercado pode ter que convencê-lo a fazer um ajuste fiscal mais estrutural, e a boa notícia é que o ministro (Haddad) entende desse tema e já queria ter feito muito mais, mas não fez por decisão política do presidente, disse. Se mudar, o Congresso deve aprovar, mas terá alguns obstáculos pelos quais passaremos, prevê. "Mas sou otimista com o Brasil, pois, mesmo aos trancos e barrancos, conseguimos aprovar reformas importantes nos últimos anos."

 

IMAGEM: Ibre-FGV/divulgação

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