Salva da falência por franqueados, Farmais prevê faturar R$ 1 bi em 2023
Após arrematar a marca num leilão em 2019, grupo de 37 operadores da rede, que inclui o atual presidente Ricardo Uemura Kunimi (foto), reestrutura o negócio e inova com marketplace de medicamentos próprio
Linha de produtos de marca própria, e-commerce, previsão de faturamento de R$ 1 bilhão em 2023, projeção de chegar a 500 unidades com novas franquias e conversão de bandeira de lojas independentes.
Quem vê os indicadores da Farmais hoje talvez nem se lembre que a rede de farmácias passou por um complicado processo de falência em 2019, e precisou começar do zero em meio à pandemia.
A marca, integrante de um segmento do varejo que faturou R$ 43,47 bilhões só no primeiro semestre deste ano (dados da Abrafarma), renasceu das cinzas sem a ajuda de bancos ou investidores profissionais, e sim da união e da boa gestão de 37 ex-franqueados.
Hoje, com 225 lojas em nove Estados, sendo 160 só em São Paulo, a franquia de farmácias, que faturou R$ 870 milhões em 2022, até abriu escritório na Avenida Paulista para comandar as operações.
Agora se prepara para lançar, até o final deste agosto, um marketplace de medicamentos, além de dobrar o número de SKUs de sua linha de cosméticos, perfumaria e produtos naturais, a Etterna.
Para chegar a esses números, o caminho foi longo. Em 2009, o banco BTG Pactual, ainda sob o comando de André Esteves, criou a holding BR Pharma para consolidar o pulverizado varejo de farmácias. Adquiriu nove redes, de diversos pontos do país (Farmais inclusa), e chegou a abrir IPO, girando R$ 460 milhões.
Mesmo ficando entre as primeiras colocações do ranking em pouco tempo, com 288 lojas próprias e 430 franquias operando, o frenesi por aquisições fez a empresa começar a dar prejuízo e queimar caixa.
Em 2015, a empreitada começou a declinar, o banco se desfez de duas marcas e, em 2017, vendeu tudo a investidores pelo valor simbólico de R$ 1 mil, segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo, na época.
"O problema é que colocaram executivos de banco para tocar um varejo específico de farmácia, que não é um varejo qualquer e tem muitas particularidades", conta Ricardo Uemura Kunimi, há 28 anos na rede e atual CEO da Farmais. "Eles eram competentes, mas infelizmente não conheciam o segmento."
Sentindo falta de suporte financeiro e administrativo, e farejando problemas iminentes, o grupo se antecipou e passou a se organizar financeiramente para eventuais fatalidades.
Detalhe: nos derradeiros anos da BR Pharma, o caixa que segurava as unidades que sobraram vinha da Farmais, "única empresa saudável do grupo", afirma, porque eram os próprios franqueados que tomaram a frente da operação.
"O dinheiro que entrava da Farmais ia para a mesma conta de todas as redes, e o nosso faturamento acabava sendo gasto para tentar recuperar as outras lojas."
Com a falência decretada no final de 2019, já que os investidores não conseguiram reerguer a holding e passaram a vender ativos, os 37 franqueados se uniram, alguns para comprar mais, outro menos cotas da marca no leilão, e arremataram o nome Farmais por R$ 3,65 milhões, relembra.
SETE LETRAS E NENHUMA CANETA
Para o novo negócio, não trouxeram nada da antiga gestão, começando do zero no escritório da Avenida Paulista na virada de 2019 para 2020, que se tornou o centro de comando da rede sob nova direção. "Só compramos sete letras (o nome Farmais), e sem nenhuma caneta", brinca Kunimi.
Das 245 lojas que continuavam, entre reformulações de contrato e redução de royalties pela metade, alguns franqueados saíram do grupo. Sobraram 186, e a nova gestão passou a auxiliar os que ficaram.
Por ser um dos franqueados mais antigos, participar do conselho da rede e conhecer muito de franquias, Kunimi, que na época tinha três lojas e hoje é master franqueado de seis delas nas cidades de Descalvado e Paulínia (interior de São Paulo), articulou a união dos subgrupos que participaram do leilão. E acabou sendo indicado para assumir a presidência no novo momento da empresa.
Logo veio a pandemia e, com o Judiciário parado, o grupo só conseguiu pegar a carta de leilão em 2021. Nesse ínterim, realizavam reuniões regionais e buscavam ferramentas para dar suporte aos franqueados remanescentes. Do caixa que os franqueados-acionistas juntaram para o leilão, sobrou até um extra, que deu fôlego para a rede aguentar o período de medidas restritivas e continuar operando.
Como os franqueados que continuaram operavam as lojas cada um a seu modo, uma consultoria especializada em franquias ajudou a repadronizar o modelo de negócio na retomada.
Também foi desenvolvida a remodelação visual da marca e do leiaute interno e externo das lojas - mais moderno e adaptado ao mercado pós-pandemia, e "a um consumidor cada vez mais exigente, mudando a todo momento e sempre em busca de novidades", diz o CEO.
Há até uma "virada omnichannel", em dois momentos. A primeira foi em 2022, com o lançamento do e-commerce próprio - espécie de farmácia virtual que cresceu tanto que precisou trocar de plataforma, segundo Kunimi. E a próxima, que será a sua transformação em um "marketplace de medicamentos".
Com investimento de R$ 1,5 milhão, e prevista para entrar no ar até o final de agosto, a nova plataforma vai permitir que todos os franqueados da rede possam vender para o consumidor final por meio dela, e assim aumentar sua rentabilidade e melhorar a gestão dos negócios.
"Além de diminuir os custos, facilita a compra na indústria. Em farmácia não existe modelo igual, e estamos apostando muito nisso", destaca o CEO, que diz que a rede vai investir mais em capacitação e ferramentas de gestão, para a Farmais e seus franqueados entrarem definitivamente na "era digital".
UNIÃO QUE (SEMPRE) FAZ A FORÇA
Sob a nova direção, uma das metas da rede de farmácias é abrir IPO num futuro próximo, mas a Farmais ainda está "se organizando para isso", segundo Ricardo Kunimi. No momento, os planos de expansão agressivos, que preveem 500 unidades da marca, se baseiam na captação de franqueados - serão 50 novas lojas até o fim do ano - e na conversão de farmácias independentes à sua bandeira.
A estratégia tem fundamento, e os números confirmam. Pesquisa do Sebrae divulgada na última quinta-feira (10/08) aponta que 84% das 122 mil farmácias no Brasil são micro e pequenas empresas. Desse montante, 4 mil abriram as portas só no 1º semestre deste ano.
Outros dados também sinalizam o avanço desse setor. Pesquisa da IQVIA, consultoria americana especializada em informações sobre saúde, apontam que o varejo farmacêutico movimentou R$ 184,2 bilhões em 2022 - um avanço de 16,2% ante 2021.
Do total, 22,5% são de farmácias independentes, mas que vêm perdendo participação. Nos últimos três anos, por sua vez, o associativismo e o franchising têm ocupando esse espaço, ampliando sua participação de 20,4% para 21,8%.
Dentro desse contexto, o novo marketplace da Farmais terá um papel decisivo para fomentar os planos de expansão da rede. "Nossa plataforma vai ajudar e muito as farmácias independentes, que não têm condições de fazer investimentos. Acreditamos muito nisso", afirma Kunimi.
Faturando R$ 5 milhões só no e-commerce, a rede investe constantemente em "ferramentas mais modernas", conforme diz, para figurar entre os 10 mais no ranking de farmácias, e atingir RS 1 bilhão de faturamento total em 2023. "Mas as projeções são de logo chegar a R$ 2 bilhões", sinaliza.
Outra grande aposta da Farmais é o investimento na linha de produtos de marca própria que, segundo o CEO, deve chegar a 100 SKUs entre vitaminas, cremes para massagem, florais e cosméticos. "Esse também é outro diferencial para o nosso franqueado aumentar a rentabilidade da loja."
Para chegar ao atual momento, Ricardo Kunimi afirma que a união dos franqueados foi o principal para tudo ter acontecido.
"Tínhamos franqueados-acionistas muito experientes, com faturamentos expressivos e uma estrutura muito boa", afirma. "Nos unimos com o propósito de fortalecer a marca, e o melhor aprendizado que tivemos foi que, no franchising, a união realmente faz a força."
Se os franqueados da Farmais tiveram "sorte" de contar com a própria competência diante das adversidades, outra lição, destaca, é que o maior pecado de uma rede é abandoná-los. "Não adianta só pensar em viver de royalties: uma rede só é forte se o franqueado estiver bem."
IMAGENS: Farmais/divulgação