Reforma e contradições
‘A dualidade de discursos, com o ministro da Fazenda falando em cumprir metas fiscais e o presidente criticando a austeridade, vem desde o início do governo e, provavelmente, continuará até o fim do mandato’

Periodicamente há notícias sobre mudanças no Ministério de Lula e, algumas vezes, como agora, se fala em Reforma Ministerial. Não é de surpreender tantas especulações em relação a um dos maiores Ministérios do mundo em termos de integrantes, formando um grupo heterogêneo de mais de 30 pessoas, com funções nem sempre claramente definidas. Parece que a intenção na sua criação foi abrigar todas as tendências dos grupos de apoio ao governo.
Na atual situação do país, com a necessidade de uma Reforma Administrativa para acomodar o Estado no atual nível de gasto, e procurar dar maior eficiência à máquina pública, a única reforma ministerial que interessaria à população seria a de um corte no número de ministros para um terço do atual ou, pelo menos, metade. Constata-se, no entanto, que essa reforma, como as anteriores, é uma simples troca de nomes, refletindo disputas internas, ou busca de apoio no Congresso, sendo, portanto, de interesse apenas dos políticos ou grupos.
Portanto, do ponto de vista da economia e da sociedade, é um não assunto, pelo que é melhor tratar do atual “pacote de bondades” com que o presidente procura recuperar sua popularidade perdida, e analisar suas contradições com a política de austeridade fiscal e controle da inflação.
De forma inesperada, o presidente usou a rede de televisão para anunciar as medidas, procurando tirar o máximo proveito do anúncio:
- Início do Pé de Meia, que consiste no pagamento de R$ 1.000,00 aos estudantes do programa criado para incentivar os jovens de baixa renda do ensino médio a não abandonarem o estudo para os que concluíram o ano letivo de 2024.
- Auxílio mensal de R$ 200,00, o que poderia totalizar R$ 9.200 ao longo de todo o ensino médio.
- Todos os medicamentos da Farmácia Popular serão distribuídos gratuitamente nas farmácias credenciadas.
Antes já havia anunciado o “auxílio gás”, novas modalidades do crédito consignado e a liberação do FGTS.
Como se pode constatar, trata-se de um “pacote de bondades” bastante recheado e que, seguramente, terá bastante apoio popular. Por que, então, o “mercado”, esse ente que não tem “alma”, reagiu de forma negativa aos anúncios?
Sem analisar o mérito das medidas, a razão é que elas são contraditórias com o “ajuste fiscal” e com a política de combate à inflação. Embora o ministro Haddad tenha acenado com a possibilidade de mais aperto fiscal, o que foi textualmente desmentido pelo presidente, a contradição não é apenas com relação ao orçamento.
O “pacote” contraria a política monetária e de juros altos do BC, pois, via FGTS, reduz o custo do crédito e, ao mesmo tempo, amplia a liquidez, reduzindo a potência da política de juros altos. De passagem, diga-se que há um estímulo ao endividamento da população, que pode cobrar seu preço mais adiante, enquanto reduz a poupança que serve de base ao financiamento da casa popular.
A dualidade de discursos, com o ministro da Fazenda falando em cumprir metas fiscais, e o presidente criticando a austeridade, vem desde o início do governo e, provavelmente, continuará até o fim do mandato. Os empresários e os investidores em geral, que têm que tomar decisões a prazos médio e longo, têm dificuldades e se retraem. Os “rentistas” aproveitam, mas, se a inflação subir, perderemos todos.
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IMAGEM: Marcelo Camargo/Agência Brasil