Prefeitura desprezou o planejamento ao implantar ciclovias em São Paulo
Ao contrário de Paris, Nova York ou Londres, as autoridades paulistanas desconhecem qual o perfil dos ciclistas.

As pesquisas paulistanas sobre mobilidade urbana são antigas e consistentes. A partir de 2013, a Prefeitura de São Paulo não as utilizou para definir o traçado e a extensão das ciclovias.
Entremos no túnel do tempo. Em setembro de 1974, ao circular, a primeira composição do metrô não era apenas o resultado de obras e altos investimentos. A linha inicial, Santana-Jabaquara, teve seu traçado definido por ampla pesquisa, com a qual o prefeito José Vicente de Faria Lima (1909-1969) construiu uma radiografia detalhada da locomoção das pessoas.
A questão era a de saber, na época, onde os paulistanos moravam e onde estudavam ou trabalhavam. Se desviavam de seus trajetos por lazer ou a trabalho, quantas vezes por semana o faziam, que meio motorizado de transporte utilizavam ou se, por comodidade ou pobreza, andavam a pé.
É óbvio que não foi em razão desse esforço de conhecimento que hoje o metrô está lotado, e as ciclovias, vazias. Mas a Prefeitura desconhece seus usuários. Sabe estar lidando com a dimensão politicamente correta – em termos de saúde, de meio ambiente –, e sabe também que uma parcela esmagadoramente majoritária da população (80%, segundo Datafolha de setembro) apoia nesse capítulo o prefeito Fernando Haddad.
Ciclovias existem em centenas de cidades mundo afora. As experiências internacionais de maior êxito (Holanda, Dinamarca, França, e algumas cidades americanas) têm como atributo comum um planejamento que São Paulo dispensou. Por aqui, e o mais rapidamente possível, a bicicleta se tornou instrumento de marketing administrativo.
No Velib, sistema de empréstimos de bicicletas que funciona na França, os usuários pegam a bicicleta em uma estação e podem devolver em outra.
Foto: Divulgação
Em Paris, por exemplo, o prefeito Bertrand Delanoë (1902-1914) inverteu a pirâmide que privilegiava o automóvel. Existem faixas exclusivas para ciclistas, e outras em que eles as dividem com ônibus e bombeiros. Mas Delanoë apenas dimensionou a demanda depois que instalou em 2007 o Velib, sistema de locação de 17 mil bicicletas, em que o usuário embarca numa estação (há 1.200 delas) e a deixa em qualquer outra.
É um privilégio para uma cidade bem mais plana que São Paulo, com menos de 2 milhões de habitantes e com o tamanho da região paulistana de Santo Amaro. E mesmo assim, dentro dela há 16 linhas e 300 estações de metrô.
Em outras grandes cidades, como Londres e Boston, as autoridades instituíram o modelo intermodal, em que o ciclista faz parte de seu trajeto em trens suburbanos.
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Para tirar os carros das ruas, há um grupo numeroso de cidades que subvenciona o aluguel de bicicletas. São os casos de Barcelona, Lyon, Frankfurt, Viena, Bruxelas ou Milão.
Mais uma vez, e por desconhecerem o amadorismo administrativo ou a administração municipal que funciona com um olho no termômetro eleitoral, o que temos nesses exemplos é uma mistura de decisão política (diminuir a intervenção do automóvel e de sua poluição) e muito planejamento, para que as ciclovias não sejam espaços cheios de boas intenções, mas vazios e usuários, como os de São Paulo.
Vejamos, por fim, um pouco de história. A bicicleta precedeu em quatro décadas a aparição do automóvel. Tornou-se com isso, em muitos lugares, um meio majoritário de transporte individual urbano. Na Holanda, em 1920, era responsável por 75% das locomoções. No pós-Guerra, a bicicleta caiu para o pé da hierarquia da renda familiar. Era usada pelos mais pobres, que, ao ganharem um pouco mais de dinheiro, compravam uma motocicleta e, na etapa seguinte, um pequeno carro.
Foi também sem o glamour hoje existente que, ao final do século 19, os ciclistas americanos, em grande parte operários, criaram o Good Roads Movement (movimiento pelas boas estradas), em que exigiam o asfaltamento e a drenagem dos caminhos pelos quais passavam.
Mas isso é outra história que fica para uma outra vez.