Por que ele se tornou um doutor em empreendedorismo
Em meio às complicações no mundo da saúde, o médico paulista Adiel Fares colocou de pé sua alternativa: um modelo de clínica ao alcance do bolso dos pacientes
Médicos costumam receber dos planos de saúde cerca de R$ 50 por consulta, pagas entre 90 a 120 dias. Para compensar, dedicam 10 minutos a cada paciente e, quando fazem atendimento particular, cobram entre R$ 200 e R$ 400 à vista. As duas categorias de paciente terminam insatisfeitas.
Essa lógica vem sendo questionada por um número crescente de profissionais. Há, entre eles, os que começam a descobrir uma alternativa mais próxima do mundo do empreendedorismo: a criação de multiclínicas particulares nas vizinhanças de um público sem acesso aos planos de saúde e exausto com a precariedade do SUS.
Eles reproduzem os passos de um pioneiro, o cardiologista paulistano Adiel Fares, fundador da Clínica Fares na Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo. No agitado centro comercial do bairro, Fares dirige uma operação que mobiliza 150 médicos e 300 funcionários instalados em três imóveis que somam 4 mil metros quadrados. Funcionam ali 120 consultórios, laboratório, salas de exames de imagem, centro oftalmológico e outro de procedimentos estéticos. O tamanho e porte da estrutura se assemelham às clínicas de bairros nobres de São Paulo. O mesmo formato foi repetido em uma unidade inaugurada em Santo Amaro.
A SAÚDE POSSÍVEL
Cachoeirinha, Largo Treze e o calçadão de Osasco são nomes associados em São Paulo à periferia, comércio popular, muvuca de terminal de ônibus e pólo de serviços para os moradores locais. Há poucos anos, instalar uma clínica grande, bonita e aparelhada nestes endereços não passaria pela cabeça da maioria dos médicos.
Diariamente, mais de 3 mil pessoas circulam pela unidade da Cachoeirinha para buscar atendimento em uma das 33 especialidades, de ginecologia a oncologia. Os pacientes esperam as consultas em salões identificados pela cor do vistoso papel de parede e sentados em poltronas estofadas.
Por todos os lados, cartazes informam os preços unitários das consultas e dos exames prestados naquele espaço. Os valores têm como referência a mesma tabela da Associação Médica Brasileira (AMB) usada pelos planos de saúde. Enquanto as operadoras pagam para os médicos em média meio valor de referência em até 120 dias, os pacientes da clínica desembolsam uma vez e meia na hora. Às vezes parcelado no cartão de crédito.
A ideia de que é possível oferecer um serviço de saúde acessível, eficiente e de qualidade ocorreu ao médico ainda na faculdade. “Fui uma criança asmática”, conta Fares, “convivi muito com médicos e serviços de saúde. Conheci bem a dificuldade de ter o atendimento certo no mesmo lugar”.
Quando terminou os estudos, na década de 1980, decidiu testar o plano de reunir inúmeras especialidades e serviços de saúde em um mesmo lugar. O pai, comerciante local e fundador do que seria a futura rede de lojas Marabrás, cedeu um imóvel de esquina na rua de comércio para o filho E foi na Cachoeirinha, onde nasceu, que ele fundou a Clínica Fares em 1988.
RAIO-X DA INEFICIÊNCIA
Para o especialista Fernando Barreto, da consultoria Primeira Consulta, o dilema profissional vivido pelos médicos atualmente cruzou com uma enorme oportunidade de negócios, o vácuo de atendimento entre os planos de saúde e o SUS.
O Brasil é o quarto mercado de saúde no mundo. A conta que pouca gente faz explica o potencial de negócios. Cerca de 85% dos problemas de saúde se resolveriam com uma consulta e um exame simples. Os outros 15% têm problemas que não são possíveis de tratar privadamente, pois exigem internação hospitalar, exames de ponta e remédios que chegam a custar alguns mil dólares.
O nó da questão reside no fato de que estes 15% recebem a maior parte da atenção do sistema de saúde e consomem grande parte do orçamento. Às pessoas que precisam apenas da chamada atenção básica, resta enfrentar a incapacidade do SUS de prestar atendimento. O atendimento básico é onde estas clínicas começam a aportar.
O economista Wilson Rezende da Silva, pesquisador da FGV-SP na área de saúde, faz outra conta. Da população de 200 milhões, 80 milhões têm plano de saúde, a maior parte bancado pelas organizações em que trabalham. Restam 120 milhões de dependentes do SUS.
Entre eles, está uma parcela da população que ascendeu economicamente, sonha em escapar do serviço público e ter um plano. Enquanto não tem, está disposta a pagar do próprio bolso. Mas não os R$ 350 que a maioria dos médicos ainda insiste em cobrar, agravado pelo hábito de solicitar uma bateria de exames preventivos.
Agora, este paciente tem a opção das clínicas de baixo custo, capazes de cobrar entre R$ 50 e R$100 por uma consulta e exames unitários a partir de R$10. Embora ainda seja um nicho de mercado, tem capacidade de suprir 70% do que a sociedade precisa em assistência médica e surge como uma tendência forte para cobrir a deficiência do mercado brasileiro.
“Essa oportunidade só não era aproveitada em razão das idiossincrasias que paralisam a classe médica, motivada por uma visão de que o exercício da profissão não pode se misturar com negócios”, diz o economista.
AS IDEIAS POR TRÁS DA CLÍNICA
Cansado de discutir em vão, há cinco anos o doutor Fares suspendeu o convênio com os planos de saúde e se tornou uma clínica de atendimento particular. Ficaram as seguradoras e os planos de autogestão. Atualmente, 70% das consultas e exames são pagos pelo paciente, embora parte deste público tenha um plano.
O modelo de negócio ganhou maior peso e pode ser resumido em custo acessível, portfólio amplo de serviços para que o paciente resolva tudo no mesmo dia, médicos preparados e atenciosos, acesso por transporte público e conforto na espera. “O mais difícil foi trazer o médico para a periferia”, diz.
O que ele chama de medicina humanizada ocupa o centro do modelo. Até hoje, Fares não perdoa uma atitude comum nos consultórios, de gritar pelo nome da paciente. E imita: “dona Inês!! Isto não é admitido aqui”. Ele explica o que há por trás desses parâmetros:
“Grande parte dos problemas na área de saúde acontecem pelo comportamento que os médicos adotam - impessoalidade, desinteresse, pressa, arrogância. Para trabalhar na clínica, precisa saber criar um vínculo médico-paciente e seguir critérios mínimos de qualidade, inspirados no médico de família. Atitudes como receber o paciente na porta, olhar nos olhos, atender na hora. Eles não aprendem isto na faculdade. Além de tratar do atendimento do paciente, também orientamos na gestão do negócio.”
Formação médica – “Temos professores-doutores e especialistas de instituições como Sírio Libanês, Unifesp, Oswaldo Cruz, Beneficência, Santa Casa. A especialização é uma exigência.”
Remuneração – “O médico tem um consultório particular dentro da clínica. No final do dia, ele sabe o valor que movimentou nas consultas e quanto receberá. Os profissionais são remunerados pelo que fazem e têm autonomia – escolhe quanto quer ganhar, quantos pacientes vai atender, organiza o consultório e paga um percentual pela gestão feita pela clínica. O limite são os padrões mínimos de atendimento que estabelecemos. Queremos que o paciente diga “este é o meu médico.”
Pólo médico – “Conheci o conceito de pólo médico na Inglaterra e no Japão, um espaço único que reúne 200 a 300 médicos no mesmo espaço. O médico especialista nasceu para ficar do lado do outro médico especialista e formar um corpo clínico completo. O paciente resolve tudo no mesmo lugar.”
Marketing – “Desde a abertura da clínica, em 1988, o boca a boca é o principal canal de divulgação. Usei a mesma tática na abertura da segunda unidade. Distribuo cartões em salões de beleza, pontos de taxis, igrejas de todos os credos. Cabeleireira, taxista e pastor são grandes aliados deste tipo de negócio. E depois, o próprio paciente. Uma pessoa bem atendida traz a família inteira para a clínica.”
Escolha do ponto – “Há uma fórmula para dar certo e sou muito rigoroso com ela, levo o tempo que for necessário até encontrar o endereço certo. Precisa estar no centro comercial do bairro escolhido, ser bem servido de transporte público, estar a menos de 100 metros de ponto de ônibus/metrô e de um ponto de táxi (o táxi é a ambulância dos meus pacientes).”
Sala de espera – “O paciente precisa esquecer que está em um ambiente de serviço de saúde, especialmente quando se pensa no atendimento que recebe nos pronto-socorros do SUS. As consultas são feitas com hora marcada.”
Estrutura - “São 300 funcionários contratados, entre enfermeiras e recepcionistas, e 270 médicos com contrato de prestação de serviços. Temos uma equipe de apoio gerencial formada por profissionais de controladoria, contabilidade e marketing, e serviços de call center para 100 mil atendimentos. Usamos prontuário eletrônico. Na Cachoeirinha, 30 médicos optaram pela dedicação exclusiva.”
Público-alvo – “Meu paciente é quem depende de transporte público e mora em de um raio de 3 a 4 quilômetros. Mas atendemos pessoas de toda a cidade e até de outros estados.”
Planos de expansão – “Não tenho interesse em franquear o modelo nem me associar a fundos. Expandi a unidade usando uma linha do BNDES/Finame. O caminho de expansão é replicar a fórmula e ajudar a formar pólos médicos. Onde tiver 40 médicos de especialidades diversas dispostos a ganhar eficiência trabalhando junto, entramos com o investimento inicial e o modelo de gestão.”
Atendimento hospitalar – “A rede de relacionamentos construída pela clínica abriu a oportunidade de intermediar vagas hospitalares para os pacientes clínicos. O volume com que isto vem sendo feito fez com que o preço final fique em um terço do que o paciente pagaria se assumisse sozinho o custo. Com a compra do horário do hospital, viabilizamos a cirurgia. O ganho acontece no volume.”