Passa-moleque na Câmara quase enterra a Lava Jato

Projeto substitutivo do líder do governo André Moura procurava anistiar os executivos das empresas que fizessem acordo de leniência. O procurador Deltan Dellagnol (foto) alertou sobre o perigo

João Batista Natali
10/Nov/2016
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Passa-moleque na Câmara quase enterra a Lava Jato

Um passa-moleque do líder do governo na Câmara dos Deputados foi abortado nesta quarta-feira (09/11) pelos procuradores da operação Lava Jato.

O objetivo era anistiar quem fizesse delação premiada e não transformar em réus os executivos de empresas que fechassem acordos de leniência (uma espécie de delação para pessoas jurídicas).

Os acordos de leniência estão previstos por uma lei de 2012, que seria modificada por um projeto apresentado no ano passado e que estacionou nos arquivos da Câmara.

O texto foi retomado pelo deputado André Moura (PSC-SE), líder do governo, que o fundiu com outros projetos semelhantes num único substitutivo.

Era algo ambicioso, já que modificava a Lei de Improbidade Administrativa (1992) e a Lei Anticorrupção (2013).

Depois de consultar outros líderes (do PT ao PMDB), Moura procurou obter o regime de urgência, que permitiria a votação em plenário a partir da próxima terça-feira (15/11).

O regime de urgência é um recurso regimental que permite a votação de temas consensuais. Mas a informação sobre a manobra chegou a Curitiba, onde os procuradores da Lava Jato convocaram uma entrevista coletiva para denunciar a manobra.

O procurador Deltan Dallagnol disse que, se virasse lei, o texto afetaria de tal forma a Lava Jato que ela estaria “ferida de morte”.

Outro procurador, Carlos Fernando dos Santos Lima, disse que o substitutivo de André Moura desestimularia os acordos de leniência e extinguiria a punibilidade dos envolvidos.

Diante da reação de Curitiba, o PSDB deixou de apoiar o regime de urgência, o que na prática retirou o projeto das próximas pautas de votação.

Embora o projeto em gestação não seja inteiramente conhecido, o alarme foi desencadeado pelo parágrafo único do artigo 30.

Esse parágrafo, com formulação sinuosa e de difícil compreensão, diz basicamente que o acordo de leniência extingue a punição dos executivos envolvidos.

Ou seja, bastaria fazer delação, em nome de suas respectivas empresas, para que os delatores se beneficiassem de uma automática anistia.

ALERTA E REAÇÃO EM CURITIBA

Isso bastou para que um dos procuradores do Ministério Público de Curitiba afirmasse que essa bondade “liquida” as investigações na Petrobrás e toda a apuração de corrupção no país.

Caso se transformasse em lei, essa anistia por vias tortas também valeria para os réus que já foram condenados e que cumprem pena de prisão.

O juiz Sérgio Moro – que não se pronunciou sobre essa questão – deixaria de instruir e julgar os atuais processos e passaria a cuidar de crimes socialmente menores (tráfico, contrabando).

Outra consequência do substitutivo do deputado André Moura estaria em supor que apenas as empresas sejam potencialmente culpadas, mas não os executivos responsáveis por sua gestão.

Em comparação à lei de 2012, outra inovação de certa gravidade está no descarte do Tribunal de Contas da União (TCU) na fase de negociação do acordo de leniência.

Uma singularidade seguinte do novo texto está na possibilidade de determinada prova ser utilizada num único processo.

Ou seja, um determinado ato ilícito que seja apenas um ponto de uma extensa rede de corrupção não poderia ser evocado uma segunda vez em outro processo, o que levaria o Judiciário a não ter mais uma noção orgânica das grandes máquinas do crime organizado.

A grande dúvida que permanece nesse imbróglio está nos mandantes dessa verdadeira “operação-abafa”. O deputado André Moura não teria atuado sem instruções superiores em assunto de tamanha delicadeza.

A instrução pode ter partido de algum gabinete do Planalto, certamente apressado para estancar os prejuízos da delação premiada de 80 executivos da Odebrecht, que deveria ter sido formalizada na terça-feira (08/11), mas que foi adiada em ao menos uma semana.

É então provável que uma anistia negociada a toque de caixa tenha tido por objetivo barrar os estragos imensos que essa delação promete fazer.

Algo como uma ogiva nuclear na ponta de um míssil lançado sobre Brasília.

 

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