O que diz a economia sobre a chance de uma guerra nuclear na Ucrânia?

‘Na vida, ao contrário do xadrez, o jogo continua após o xeque-mate’ (Isaac Asimov)

Economista da ACSP e professor do Mackenzie, Insper e FIPE/USP; Doutor em Economia pela FEA/USP; Pós-Doutorado em história econômica pela UCLA; ex-Consultor do Banco Mundial
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O que diz a economia sobre a chance de uma guerra nuclear na Ucrânia?

A invasão russa na Ucrânia já completou quase oito meses, com consequências devastadoras para este país e sua população. Além desse cenário desolador de destruição de várias de suas cidades e da crise humanitária que se instalou, com imigração em massa para os países limítrofes, esse conflito reacendeu um temor desconhecido para aqueles que não viveram o período da Guerra Fria: uma guerra nuclear entre Estados Unidos e a União Soviética.

Apesar desse cenário ser considerado improvável por muitos, existe a preocupação de que Putin, sentindo-se acuado pela impossibilidade de conquistar a capital e as principais cidades ucranianas, e premido pelas sanções econômicas crescentes impostas pelo Ocidente, possa lançar mão de seu arsenal atômico, que seria, até onde se sabe, o maior do mundo.

Especificamente, alguns analistas pensam que a Rússia poderia fazer uso das chamadas bombas táticas, com poder de destruição circunscrito a uma área relativamente pequena, mas capaz de deflagrar uma retaliação em termos nucleares por parte dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), principalmente Estados Unidos e Inglaterra. Esse cenário apocalíptico seria possível? O que pode nos dizer a teoria econômica sobre isso?

Existe uma modelagem matemática aplicada na economia, entre outras ciências, chamada teoria dos jogos, que foi utilizada por um famoso economista norte-americano, Thomas Schelling, ganhador do Prêmio Nobel de 2005, que lança algumas luzes para tentar responder à pergunta anterior. Do que trata essa abordagem? O “jogo”, no caso, se refere a uma interação entre pessoas, empresas, exércitos ou países, cujo resultado dependerá das ações, reações e contrarreações de todos os envolvidos.

Para exemplificar, conta-se que na Copa do Mundo de 1958, o técnico da seleção brasileira, Aymoré Moreira, teria dado as instruções para o lendário Garrincha sobre o que fazer no jogo que seria realizado, coincidentemente, contra a União Soviética. Ao final, ao perguntar ao jogador se ele havia entendido, este teria respondido: “entendi, mas você já combinou com os russos?”. É exatamente disso que se trata a teoria dos jogos: o resultado da interação não somente depende de nossas ações, mas também de como reagirão aqueles afetados por elas.

Em 1960, Schelling escreveu sua obra mais famosa: “A Estratégia do Conflito”, assumindo que os países participantes de um conflito seriam racionais do ponto de vista econômico, ou seja, prefeririam a “jogada” (estratégia) que lhes conferissem maior benefício e menor custo. Desse ponto de vista, nem a Rússia nem os países ocidentais desejariam iniciar uma guerra nuclear, pois seria um caso de “destruição mútua assegurada”, provocando custos imensos para ambas partes.

Contudo, a análise prossegue de forma bem mais complexa, pois, na vida real, nenhuma das partes possui informação completa sobre a capacidade bélica e a propensão à guerra da outra. Sendo assim, os custos relativos para cada uma das partes envolvidas, na prática, são desconhecidos.

Nesse contexto, a teoria prevê que as ameaças tanto da Rússia utilizar seu arsenal nuclear, como da própria OTAN retaliar também utilizando armas atômicas, devem ser críveis. Qualquer ameaça que imponha custos demasiado elevados para o “jogador” que as faça não convencerá a outra parte de que tudo não passa de um blefe de pôquer, sendo, portanto, totalmente incapaz de alcançar qualquer tipo de concessão.

Em outras palavras, a ameaça de Putin utilizar armas nucleares, ao trazer consequências catastróficas para seu país, no evento de uma retaliação atômica por parte de Estados Unidos e Inglaterra, principalmente, poderia ser totalmente vã.

Se a conclusão anterior for verdadeira, então por que se diz que a chance de guerra nuclear nunca foi tão elevada desde a crise dos mísseis de Cuba em 1962, quando a ex-União Soviética colocou mísseis balísticos nucleares apontados para os Estados Unidos?

Porque mesmo no contexto de “destruição mútua assegurada”, não se trata de uma decisão isolada de Biden ou Putin, havendo toda uma complexa cadeia de mando e decisão, que a teoria dos jogos poderia modelar, sem que possamos saber a priori os resultados. Essa situação é chamada de “diplomacia arriscada”. Nesse sentido, um erro, um alarme falso ou uma atitude temerária, tomada mesmo à revelia de Moscou ou Washington, poderia deflagrar um conflito nuclear.

A economia, utilizando de forma aplicada os modelos matemáticos originados na teoria dos jogos, poderia, inclusive, sob certas hipóteses, estimar a chance (probabilidade) de ocorrência de uma guerra nuclear entre as superpotências, se a situação sair fora do controle de Putin ou Biden.

Embora a estimação dessa probabilidade seja ainda mais difícil que prever o clima ou a taxa de câmbio, a teoria dos jogos nos alerta que esta aumentaria quanto mais durar o conflito na Ucrânia. Por isso, o recomendável seria acelerar as negociações de paz entre russos e ucranianos, pondo fim à perigosa “diplomacia ariscada”, cujas consequências podem ser imprevisíveis e até catastróficas.

 

IMAGEM: Freepik

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