O desemprego se alastra e acende o sinal amarelo para o bolso
Com o perigo da inadimplência adiante, é hora de rever as contas. Saiba como lidar com o aperto no orçamento para não entrar no endividamento excessivo (ou sair dele)

Quem tem a sensação de que as contas estão em dia, mas que não sobra nada no fim do mês, deve começar a tomar medidas de controle. A recomendação vale especialmente para quem tem contas em atraso, principalmente as de maior custo - como o rotativo do cartão de crédito e o cheque especial.
Afinal, a crise está só começando. A inadimplência ainda não cresceu fortemente, mas o corte de 115,6 mil postos de trabalho, segundo o Caged (Cadastro-Geral de Empregados e Desempregados) tende a continuar aumentando.
Mais desemprego corresponde a menos consumo, o que também reduz a margem dos empreendores. Quem recebe salário ou pró-labore tem de controlar as finanças para não entrar na espiral do endividamento.
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Segundo dados do Núcleo de Tratamento do Superendividamento da Fundação Procon-SP, eventos extraordinários na vida de pessoas controladas financeiramente - entre o principal deles, o desemprego - respondem por 59% dos motivos que levam ao endividamento excessivo. Do dia 25 a 27 de junho, o Núcleo de Tratamento do Superendividamento do Procon-SP promoverá palestras sobre o assunto.
Para Flávio Calife, economista da Boa Vista SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito), a inadimplência tem sido controlada pela seletividade dos bancos (que seguram a aprovação de crédito) e pela atitude do consumidor de financiar menos bens de consumo.
“O que vai fazer a inadimplência aumentar neste ano é a piora do mercado de trabalho. O desemprego aumentou no último ano e a tendência é que continue aumentando. Isso, junto com os juros que estão subindo, poderá ter um efeito sobre a inadimplência”, afirma. Para a inadimplência das pessoas físicas medida pelo Banco Central ele espera um avanço de 5,8% neste ano.
Outro indicador da Boa Vista SCPC que chama a atenção, divulgado nesta sexta-feira (19/06), é o índice de cheques devolvidos pela segunda vez, que aumentou 2,24% em maio, na comparação interanual - o maior para o mês desde 2009.
Isso mostra que está mais difícil arcar com todos os compromissos. E um outro dado, do Banco Central, mostra que a renda das famílias está sendo cada vez mais tomada por dívidas.
Em abril deste ano, o percentual de dívida sobre a renda das famílias foi de 46,3%, maior do que os 45,3% de igual mês de 2014. O indicador inclui também o crédito imobiliário, de maior peso no orçamento.
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Apesar do consumidor não se endividar com o consumo de bens e eletrodomésticos - balanço da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) mostra queda nas vendas de 3,9% na primeira quinzena de junho – o nível de endividamento chama a atenção.
“Esse percentual de 46,3% foi recorde na série iniciada em 2005 e eu diria que o grau é intermediário. O ideal é que não passe de 50% da renda”, diz Emílio Alfieri, economista da ACSP. Na avaliação dele, o que vai determinar quantos endividados vão se tornar inadimplentes é a evolução do desemprego.
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Saiba como fugir do endividamento ou sair dele com as dicas de especialistas:
O momento, segundo especialistas, é o de evitar as dívidas de alto custo, como as do cheque especial e rotativo do cartão de crédito. Quem está endividado nessas linhas terá de negociar e, se estiver difícil, buscar ajuda de um consultor ou mesmo de um órgão de defesa do consumidor.
A taxa de juros cobrada no rotativo do cartão de crédito - aplicada quando o consumidor efetua o pagamento mínimo da fatura - chegou a 347,5% ao ano em abril. Isso corresponde a 13,30% ao mês.
Pesquisa da Fundação Procon mostra que, em junho, a taxa média cobrada no cheque especial em sete bancos pesquisados foi de 11,16% ao mês, o que equivale a 255,9% ao ano.
A inadimplência nessas linhas já subiu, passando de um crescimento de 12,8% para 13,4% de março para junho no cheque especial. No rotativo, foi de 34,1% para 34,7% no mesmo período.
Para Ricardo Pereira, educador financeiro, palestrante e sócio do Dinheirama, o cenário ficou mais desafiador neste ano, já que o compromisso das pessoas com os bancos aumentou. “Mais do que nunca é preciso lembrar que linhas de crédito como o cheque especial e o limite do cartão de crédito não são complementos da renda”, diz.
Diógenes Donizete, coordenador do Núcleo de Superendividamento do Procon-SP, diz que é comum a pessoa que não consegue pagar essas dívidas, pegar empréstimo para zerar. Depois, ela fica sem dinheiro para as despesas básicas e volta a usar esse crédito de alto custo. “É um círculo vicioso porque a dívida sempre cresce. Cada vez que renegocia, paga mais Imposto sobre Operações Financeiras (IOF)", diz.
Donizete diz que o ideal mesmo é cancelar o limite do cheque especial e o cartão de crédito. "Há pessoas que vivem desses limites e, se ficam sem eles, entram em coma financeiro", afirma.
Quem vive alavancado financeiramente deve o quanto antes readequar o padrão de vida ao salário ou pró-labore (para quem é empresário).
"É preciso ajustar tudo e, quem tem empresa, o desafio é duplo: o de não deixar as dívidas respingarem em empregados e nem na família", diz Reinaldo Domingos, autor do livro Terapia Financeira e presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin).
Pereira, do Dinheirama, diz que quem não está com dívidas deve se defender turbinando a reserva de emergências ou mesmo criando uma. "Quem ainda não tem, deve cortar as despesas desnecessárias e aproveitar esse corte para ao menos garantir três meses de sobrevivência”, diz.
Outro cuidado é o de não assumir novos compromissos financeiros longos, de 60 meses ou mais. "É um risco porque não há garantias de que ao longo de cinco anos a pessoa estará empregada para pagar as prestações", afirma Donizete do Procon.
Neste ano, outra ameaça ao orçamento das famílias é o tarifaço – o aumento de preços controlados pelo governo como os das contas de luz, água, gás e telefone.
Donizete, do Procon, diz que é o momento de economizar no que for possível. "É preciso revisar o pacote de serviços de TV e telefone e ver se está usando tudo. Atendi um casal que pagava R$ 700 nesse pacote e não usava tudo. Na época, eu tinha um de R$ 180. Então dá para negociar um combo mais em conta, sem abrir mão da dignidade. É o que chamo de gordurinha", diz.
Economizar água e não esquecer a luz acesa também são dicas que muitos consumidores já devem estar adotando, também pelas campanhas que pedem a redução do consumo por causa da crise hídrica.
Outro item que subiu bastante foi a alimentação. Segundo a prévia da inflação, o IPCA-15 (Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15), o grupo alimentação e bebidas subiu 9,30% nos últimos 12 meses. Esse item responde por boa parte da inflação coletada entre os dias 15 de maio e 11 de junho, que neste período ficou em 0,99%. Em 12 meses, no entanto, chegou a 8,80%.
"Uma pesquisa de preços é uma ótima alternativa, pois a variação de preços entre as redes de supermercado continua substancial. Trocar alguns produtos e marcas também pode ser uma boa alternativa", diz Pereira, do Dinheirama.
Quem já está em uma espiral de dívidas não deve se desesperar, já que isso leva a pessoa ao erro. O efeito é tão emocional que faz o endividado aceitar o primeiro acordo proposto pelo banco, que nem sempre pode ser o melhor para a situação financeira dele.
É preciso cuidado na hora de tomar crédito de menor custo, como é o caso do empréstimo pessoal ou consignado, para pagar as dívidas de maior custo.
Nesta hora, a dica é negociar uma taxa de juro menor e emprestar um valor que cubra o montante da dívida e mais as despesas fixas por um período, com prestações que sejam possíveis de arcar de acordo com a renda líquida (o salário descontado de impostos e contribuições).
Ou seja, é uma decisão que depende de uma análise antes de assinar um acordo com o banco. "Não adianta zerar as dívidas de cheque especial e cartão de crédito se elas voltarem. Na hora de renegociar procure um profissional de confiança ou órgão de defesa do consumidor. Quem está psicologicamente refém do banco não consegue enxergar a dimensão do problema", diz Donizete.
Segundo o especialista, quem está com dívida não precisa sorrir, mas também não pode se desesperar. "Desespero não paga dívidas. É preciso manter a calma", conclui.
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