Novo arcabouço fiscal e suas implicações
“Se Deus está morto, tudo é permitido.”
Friedrich Nietzsche
No campo fiscal, uma das reformas econômicas mais esperadas desde o começo do governo atual foi a definição do novo arcabouço fiscal, ou Regime Fiscal Sustentável, lei que substitui a regra do “teto de gastos”, e que acaba de ser sancionada pelo Presidente Lula.
Assim como a regra anterior, o objetivo da nova lei seria estabilizar o grau de endividamento do governo brasileiro, auferido pela razão entre a dívida pública bruta e o produto interno bruto (PIB), que alcança a 84,1%, segundo o critério adotado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), colocando as contas públicas nacionais numa rota de insolvência a médio e longo prazos.
Porém, a nova “âncora fiscal” adotada não trata de realizar um ajuste fiscal, que geralmente se realiza a partir da redução das despesas públicas e do aumento de impostos, equilibrando o orçamento público.
Pelo contrário, o novo arcabouço fiscal chancela o crescimento do gasto público desde que este seja menor do que o crescimento da arrecadação tributária: 70% no caso do cumprimento da meta de resultado primário (receitas menos despesas públicas não financeiras) e 50%, em caso de descumprimento da referida meta.
Entretanto, esse crescimento do gasto público teria um “piso” de 0,6% acima da inflação, medida pelo índice nacional de preços ao consumidor amplo (IPCA), e um “teto” de 2,5% também acima da variação do IPCA.
Ou seja, com as novas regras apenas se evitaria uma “explosão” do endividamento público, mas não se impediria que este apresentasse uma grande elevação.
Para realmente estabilizar a relação entre a dívida e o PIB seria necessário obter um excesso de receitas sobre despesas públicas não financeiras (superávit primário) muito além do que a nova regra permitiria, adotando-se hipóteses realistas em quanto a juros e crescimento da economia.
Como o governo deverá continuar expandindo seus gastos, a nova regra termina criando uma necessidade de expansão das receitas, o que provavelmente redundará em aumentos da nossa já exacerbada carga tributária, similar à carga suportada pelos contribuintes de países desenvolvidos e muito mais ricos que o Brasil.
Além disso, o novo arcabouço fiscal, reforçado com os vetos presidenciais, despenaliza totalmente a autoridade econômica pelo descumprimento das regras fiscais estabelecidas pela própria Lei, contrapondo-se a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Desse modo, sem que haja nenhuma sanção, a não ser o “castigo” de obrigar o governo a gastar menos, as regras fiscais deixam de atuar como tais, e ficam ao sabor da discricionariedade, inviabilizando seu cumprimento.
Outro ponto preocupante é que as próprias metas de resultado fiscal primário, em que a regra se pauta, também podem passar a ser alvo de mudanças extemporâneas, como provavelmente acontecerá com a meta de 2024, que de zero poderá passar para um déficit de 0,5% a 0,75% do PIB.
O mercado, tanto a nível interno como externo, inicialmente recebeu bem o anúncio e a aprovação do novo arcabouço fiscal, porém, sua incapacidade de controlar o crescimento do endividamento público e o elevado nível de discricionariedade gerado podem aumentar o risco fiscal, reduzindo investimentos produtivos e o crescimento da economia brasileira.