Negacionistas, aloprados e outros tipos se juntam no Brasil a um forte contingente de sonâmbulos
Aos desequilíbrios institucionais no País, acrescentam-se outros, como o crescimento da dívida pública, a participação cada vez maior do crime organizado na política e nos negócios e a universalização da jogatina, que pune, sobretudo, os mais pobres
Christopher Clark, professor de Cambridge, na obra Os Sonâmbulos, como eclodiu a Primeira Guerra Mundial, descreve de forma primorosa como os líderes políticos se comportaram como sonâmbulos à vista de uma intrincada combinação de eventos, e tomaram decisões insensatas que resultaram naquele brutal conflito.
Guardadas as devidas proporções, percebe-se no Brasil de hoje um forte contingente de sonâmbulos, aos quais se juntam negacionistas, aloprados e outros tipos igualmente pouco virtuosos.
Em "As microrrupturas institucionais", artigo veiculado em 2 de novembro de 2017, externei meu temor ante evidências de desequilíbrios institucionais no País, notadamente nas relações entre os Poderes.
Desde então, o quadro tão somente se agravou, sem que se enxergue qualquer esforço para estabilizar essas relações. Ao contrário, festeja-se cotidianamente a estabilidade das instituições e, nessa marcha do autoengano, as crises vão se sucedendo em frequência e intensidade crescentes.
A esses desequilíbrios se juntam outros, como o fiscal. Pouca atenção se dá ao persistente crescimento da dívida pública, à continuada retração dos investimentos públicos e à explosão dos gastos previdenciários e de assistência social.
O remédio recorrente é aumentar impostos, como se a carga tributária pudesse crescer ilimitadamente sem inibir investimentos privados, que já suportam a tragédia da insegurança jurídica.
É chocante que haja surpresa com as iniciativas de contribuintes para escapar do aumento de tributos por força da reforma da tributação de consumo, instituída pela Emenda Constitucional n.º 132.
Não foram poucos os que advertiram que a opção por uma reforma disruptiva, em lugar de uma reforma estratégica e prudente, iria gerar embates e danos evitáveis, pois Parlamentos abrigam invariavelmente conflitos de razão e de interesse. Prevaleceu, todavia, o sonambulismo ante agendas ocultas e projeções pouco críveis.
Infelizmente, isso é apenas o começo. Os conflitos federativos e os questionamentos judiciais, que costumam ser frequentes e grandiosos, ainda não se fazem presentes.
A esse contexto pouco animador se acrescentam a participação cada vez maior do crime organizado na política e nos negócios, a disseminação do tráfico e do consumo de drogas, a corrupção sistêmica na administração pública, a degradação da representação popular, a ineficácia das políticas de enfrentamento da pobreza e das desigualdades, a universalização da jogatina que pune, sobretudo, os mais pobres etc.
O sonambulismo persiste. Até quando?
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