Necessidade e oportunidade aquecem as fusões e aquisições
De um lado empresas precisando captar dinheiro, de outro, investidores brasileiros e estrangeiros de olho em oportunidades

O ano de 2015 foi praticamente nulo em IPOs (sigla em inglês para Oferta Pública de Ações) - com apenas duas aberturas de capital na bolsa de valores. No entanto, o ritmo de fusões e aquisições de empresas permaneceu próximo ao do ano passado.
A tendência é que essas operações continuem movimentando o mercado em 2016, tanto pela necessidade das empresas de captar recursos e ganhar sinergia durante a recessão, quanto pelo apetite de investidores brasileiros e estrangeiros - ou de outros empresários ou fundos de capital de risco (private equity e venture capital).
Dados preliminares não mostram um crescimento expressivo em número de transações sobre 2014, mas uma manutenção de fôlego. Em valores, essas operações em 2015 podem até superar as do ano anterior.
Carolina Lacerda, diretora da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), que trabalha na estruturação de operações desse tipo, conta que este ano foi intenso. "Tem muita operação acontecendo por causa da alta do dólar, que é observada como uma oportunidade para o investidor estrangeiro. Muita empresa pequena, média e grande está quebrando e indo para esse tipo de operação por necessidade e para sobreviver. É um movimento que começou esse ano e se estenderá para 2016", conta.
A diretora observa que, no lado dos interessados, há muitos investidores brasileiros que não são do mercado financeiro e buscam oportunidades por meio de family offices (estruturas de investimentos montadas para famílias empreendedoras). Esse tipo de investidor é menos avesso ao risco e está olhando os ativos que estão sendo colocados à venda.
"Ele olha para dois ou três anos e pensa que, quando der uma virada na situação econômica, vai ganhar", diz Carolina.
Ana Paula Castro, vice-presidente para a América Latina da Merrill Datasite, plataforma de due diligence de fusões e aquisições, diz que os ativos no Brasil estão baratos e há uma movimentação no mercado, com investidores internacionais olhando as empresas e as oportunidades.
"Apesar disso, as operações também estão demorando para sair porque a cada semana há uma novidade no cenário político e econômico e isso gera insegurança para quem está do lado de fora. Esperamos que no primeiro trimestre do próximo ano tenhamos um direcionamento político mais forte para trazer mais segurança na escolha do investimento e apetite ao risco", afirma.
Ela espera que o número de fusões e aquisições em 2016 seja igual ao deste ano, mas com o fechamento de negócios em um ritmo um pouco mais lento no início. Os investidores estrangeiros devem esperar para fechar negócios no segundo semestre.
MANUTENÇÃO DO RITMO DE OPERAÇÕES
Os dados capturados pela Merrill Datasite para o relatório TTR (Transactional Track Record) mostram que até novembro foram realizadas 893 transações no Brasil ante 975 no ano passado.
A perspectiva é que o número de 2015 fique abaixo de 2014, mas em valor, as fusões e aquisições já movimentaram R$ 230 bilhões neste ano, mais do que os R$ 157,5 bilhões do ano passado inteiro.
O que pode influenciar um pouco o resultado de 2015 é o fato de que - do fim de novembro para dezembro - empresas do BTG Pactual foram colocadas à venda, para reforçar o caixa do banco após André Esteves ter sido preso em investigação da Operação Lava Jato.
Os setores que mais geraram negócios no ano, segundo a Merrill Datasite, foram os de tecnologia (126 transações), internet (109), financeiro e seguros (92) e consultoria, auditoria e engenharia (71) - setores que também protagonizaram a maior parte das fusões e aquisições em 2014.
Houve um salto das operações em novembro, com 76 realizadas ante 72 no mesmo mês de 2014. Em valor também, já que essas transações somaram R$ 30,5 bilhões no mês passado, ante R$ 26,7 bilhões em novembro do ano anterior.
Fábio Mourão, responsável pelo Departamento de Investment Banking do Credit Suisse, disse em um almoço com a imprensa que o volume de operações de fusões e aquisições em 2016 deve ficar em torno de R$ 150 bilhões, praticamente em linha ao registrado pelo banco em 2015 (R$ 142 bilhões).
"Este ano, vimos que as operações foram motivadas por consolidação, busca de liquidez e reorganização de dívidas e provavelmente 2016 será dessa forma", disse na ocasião. Ele estima que deve haver uma concentração de operações nos setores de energia (óleo e gás), energia elétrica e infraestrutura.
O VAREJO E O PRIVATE EQUITY
No mês passado, no entanto, um setor que se destacou foi o de distribuição e varejo - com oito operações, segundo a Merrill Datasite. A maior delas foi a aquisição da divisão de cosméticos da Hypermarcas (como Bozzano, Cenoura & Bronze, Risqué e Monange) pela Coty, por R$ 3,8 bilhões.
As empresas do segmento de distribuição e varejo são as que mais atraíram os investimentos de fundos de private equity nos últimos dois anos, registrando 11 transações de janeiro a novembro de 2015 e 13 em 2014, de acordo com dados da Merrill Datasite.
Ana Paula cita alguns exemplos: em novembro, o fundo da Nexto investiu na aquisição de 10% da Bronzearte no setor de iluminação. Já o de venture capital composto por Wayra Brasil, Quasar Ventures, Lumia Capital e 500 startups investiram R$ 12 milhões na Trocafone - startup de São Paulo focada em recommerce (compra e venda de smartphone e tablets seminovos).
Carolina, da Anbima, diz que o investidor de private equity estrangeiro, para conseguir um retorno de 25% em dólar hoje no Brasil, está pedindo rentabilidade de 200% em reais, para evitar perdas com a volatilidade da cotação da moeda.
"Os investidores de private equity que vieram para o Brasil quando a cotação do dólar estava baixa perderam dinheiro na saída", afirma a diretora da Anbima.
Dados da Merrill mostram que 206 transações foram realizadas por fundos de venture capital e private equity no acumulado desse ano até novembro, ou 23,07% do total, e somaram R$ 15,2 bilhões, ou 7% do total movimentado no período.
Ana Paula diz que dificilmente as empresas brasileiras ficarão mais baratas - mesmo com o segundo rebaixamento da nota de risco de crédito do Brasil - do que já estão. Algumas, relata, até desistem de serem vendidas quando percebem que ficam muitos desvalorizadas. "Está no limite do possível. A empresa saudável vai manter o preço ou sai do processo", afirma.
OPERAÇÕES ENTRE EMPRESAS: APETITE CONTINUA
Uma pesquisa global da Deloitte, realizada a cada dois anos e no Brasil pela primeira vez, mostra que a crise econômica não influenciou o apetite das empresas por esse tipo de negócio.
Uma pesquisa com 87 empresas que estiveram envolvidas em transações estratégicas no Brasil nos últimos três anos, entre junho e agosto, mostra que 63% querem manter o número de fusões ou aquisições nos próximos dois anos.
Dos entrevistados, 67% classificaram que a integração após a fusão foi bem-sucedida, mas apenas 27% conseguiram capturar as sinergias desejadas no primeiro ano, principalmente por falta de planejamento.
"Na pesquisa global, a captura de sinergia nesse período é obtida por 74% das empresas", afirma Renata Muramoto, sócia da Deloitte.
Segundo ela, o ambiente macroecônomico tem um impacto por causa do aumento de taxas de juros, mas o principal fator que atrapalha as empresas na aquisição de outras é a falta de integração cultural (ao comprar empresas de outras regiões do país).
"No Brasil, há também a dificuldade na comunicação e na gestão da mudança. Uma das etapas difíceis é a de planejamento regulatório e fiscal, que se referem às licenças e aprovações que as empresas precisam para operar em outros estados, sem que tenham atrasos na operação", completa Renata.
FOTO: Thinkstock