Mena Barreto, da Abrafarma: Reforma Tributária será a maior mudança na saúde em 40 anos
Hoje, a carga tributária do medicamento no Brasil é uma das maiores do mundo. De cada R$ 100, 33% são impostos

Por ser tratar de um bem essencial à população, medicamento é reajustado anualmente pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e não pelas grandes farmacêuticas. Em 2024, o índice máximo ficou em 4,5%. O próximo reajuste sai em março e ainda não se sabe em quanto deve ficar.
Para chegar ao índice, a CMED observa fatores como a inflação dos últimos 12 meses (IPCA), a produtividade das indústrias de medicamentos, custos não captados pela inflação, como câmbio e tarifa de energia elétrica, e também a concorrência de mercado. O cálculo é feito dessa forma desde 2005.
No cotidiano das farmácias, a realidade é diferente. Segundo Sergio Mena Barreto, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), as farmácias praticam preços muito inferiores ao teto por três motivos: a possibilidade de ajuste para ofertas; a concorrência; e por fim, a diferença do ICMS praticado em diferentes regiões.
Para o homem que dialoga em nome das maiores redes de farmácia do Brasil, o setor tem outro desafio não considerado nas contas do reajuste. A alta na Selic. “Vai minar o poder de compra do brasileiro”, afirmou. Confira a entrevista.
AGÊNCIA DC NEWS – Estamos próximos da definição de um novo índice de aumento dos preços dos medicamentos em março. Qual a expectativa para o índice deste ano?
Sergio Mena Barreto – A gente não sabe ainda de quanto é o reajuste. Sabemos, conforme publicado, do fator de produtividade. Ele apresentou uma variação de 2.459%. Esse número faz parte do modelo que estima uma variação positiva no índice de produtividade da indústria farmacêutica para o período entre julho de 2024 e junho de 2025.
A partir desse fator já é possível estimar um valor final para o reajuste?
Acho que é muito cedo para dizermos se será 2,3%, 5%, ou 6%. Como não foram publicados todos os fatores, é falar de uma coisa que não existe ainda.
Mesmo com o teto de aumento de preço, os valores de alguns grupos de medicamentos subiram em 2024 até 359%, segundo dados da CliqueFarma. Por que isso acontece?
Isso ocorre porque no dia a dia as farmácias praticam preços que, muitas vezes, ficam muito abaixo do teto de reajuste. Isso acontece por três motivos. O primeiro é para ter um espaço melhor para trabalhar os preços, principalmente para ofertas, sendo que a indústria é muito competitiva. O segundo é exatamente por conta dessa concorrência, para competir em preços. E o terceiro, por conta do ICMS que é diferente, dependendo da região.
Como está essa diferenciação do ICMS?
Atualmente, você tem estados em que o ICMS é 22% e outros em que é 18%. Assim, dependendo do estado comprar um medicamento é mais barato que em outro, hoje já existe essa diferenciação. E é aí que entra o mais importante do reajuste da CMED. Existe um preço fábrica e um preço ao consumidor e isso gera um problema tributário que afeta a competitividade nos estados.
O índice de reajuste considera apenas a inflação para ponderar o poder de compra do consumidor. O restante dos indicadores se baseia apenas em dados da indústria. Por se tratar de um bem essencial, como a indústria poderia abordar isso de uma forma melhor, considerando o acesso a medicamentos pela população de baixa renda?
Tirando a inflação, realmente não tem. O fator não inclui o poder de compra, mas em compensação, como te falei, o fato de o mercado brasileiro de medicamentos ser muito competitivo ajuda.
Como?
Quando a indústria começa a perder espaço, ela encontra uma solução para tornar aquele produto mais acessível. É uma conta, um fio tênue, que separa a venda e o poder de compra do usuário. Num mercado competitivo isso funciona. Imagina se a gente tivesse apenas dois ou três grandes fabricantes de produtos. Isso seria um problema. Com um mercado competitivo, ele mesmo acaba se ajustando em torno disso.
Qual o impacto da Reforma Tributária para o setor?
O medicamento foi incluído na menor alíquota, ou seja, a gente vai ter uma redução de 60% da lista do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e do CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Se chegar em mais ou menos 10%, 12% ou 13% de carga [cerca de um terço da atual], terá sido a maior mudança do setor de saúde nos últimos 30, 40 anos.
Isso deixará a carga tributária justa para o setor, como acontece no restante do mundo?
Hoje a carga tributária de medicamento no Brasil é uma das maiores do mundo. De cada R$ 100, 33% são impostos. Para você ter uma ideia, na média, no mundo a carga é de 6%. E em alguns países é zero. A gente gostaria que fosse zero no Brasil, mas não foi possível.
Como a alta do dólar e da Selic impacta os números do setor?
Ao menos 95% dos insumos da indústria farmacêutica são importados. A gente quase não produz química fina no Brasil. Vem tudo da Índia e da China e, obviamente, se você tem um câmbio desfavorável, aquilo vai aumentar o seu custo de produção. Por outro lado, temos um mercado competitivo e, a partir de um cenário como esse, a indústria também tenta ser mais eficiente para continuar tendo um produto competitivo. Não vejo como o dólar tenha tanto impacto. Já a inflação, aí a gente está preocupado.
Por quê?
A América Latina funciona como mercado out of pocket, como a gente chama. Ou seja, quem paga pelo medicamento é o próprio usuário. Diferentemente da Europa, onde o governo tem um programa de assistência médica e dá os medicamentos. Aqui no Brasil a gente depende do bolso do paciente, né? Se a inflação apertar, isso sim impacta.
A agenda atual da Abrafarma visa combater a possibilidade de os supermercados comercializarem medicamentos. Por que isso é ruim?
É um problema de saúde. Se o paciente encontra medicamentos que sanam os sintomas, ele vai passar a tratar somente os sintomas e não cuidar da doença na totalidade. Porque em vez de a pessoa tentar descobrir se tem algo de errado, ela vai só tratar seus sintomas.
Qual é o argumento dos supermercados?
Eles dizem que vai aumentar o acesso, pois estão em mais pontos. Mas essa não é uma discussão econômica, é de saúde pública. Esse tema é discutido desde o mandato da Dilma [Rousseff]. Ela vetou. Isso porque quando chega a parte de discutir saúde, os supermercados sempre perdem.
Há alguma forma de isso acontecer de maneira positiva, sem se tornar um problema de saúde?
É possível pensar numa série de itens sem impacto sanitário, como sais de frutas ou um Gelol. Assim faria sentido. Do jeito que está sendo discutido atualmente, não faz.
O setor aumentou o número de unidades em 3,1% em 2024. Como está ocorrendo a expansão das farmácias no Brasil?
O número de farmácias de grandes redes está aumentando, enquanto as pequenas estão sumindo.
Por que isso acontece?
As grandes redes têm um alto investimento em tecnologia e infraestrutura. Isso significa que uma farmácia de rede tem um baixíssimo índice de falta de medicamentos. Já do lado cosmético, sempre tem o que o consumidor deseja e exatamente onde ele imagina achar dentro da loja. Essa não é uma realidade para as pequenas farmácias. Até o atendimento personalizado delas tem sido possível replicar com o aumento da tecnologia.
Então as grandes estão engolindo as pequenas?
Sim. É um caso de sobrevivência [para as pequenas]. Ou elas se aliam a alguma rede maior, ou, infelizmente, não sobreviverão.
IMAGEM: divulgação