Marcas próprias avançam nas redes de médio porte
Com receita anual de R$ 1,2 bi, o supermercado Lopes, com 27 lojas em São Paulo e Guarulhos, quer elevar de 4,8% para 10% a participação da marca corporativa em seu faturamento

As marcas próprias, também conhecidas lá fora como private label, representam atualmente quase a metade (48%) do faturamento do varejo britânico, onde nasceram em 1869 por iniciativa da rede de supermercados Sainsbury.
Na Espanha, correspondem a 38% das vendas e 20% nas cadeias varejistas americanas. Na Argentina, 5%, e no Brasil, 1%, de acordo com o mais recente levantamento da Kantar Worldpanel..
Um por cento parece um percentual desprezível, mas não é. Como por aqui as marcas próprias estão mais presentes nas prateleiras de alimentos, é possível afirmar que movimentaram R$ 2,6 bilhões no ano passado, quando as 500 maiores redes de supermercados somaram um faturamento de cerca de R$ 260 bilhões, de acordo com a Abras, a associação nacional do setor.
Tão importante quanto os dados que revelam a participação das marcas próprias no mercado brasileiro -que segundo o instituto Nielsen já teria se aproximado de 5%-, o fato é que, com a crise, o brasileiro passou a prestar bem mais atenção nelas.
No ano passado, 31,9 milhões de lares consumiram ao menos um produto de marca própria -500 mil domicílios a mais do que em 2014, de acordo com a Kantar Worldpanel.
“A marca própria é uma excelente ferramenta para enfrentar a crise”, afirma Neide Montesano, presidente da Associação Brasileira de Marcas Próprias (Abmapro), criada há dez anos e que estima representar um mercado de aproximadamente R$ 4 bilhões anuais.
CLIENTE FIEL
Marcas próprias prosperam há décadas na Europa e nos Estados Unidos. Na França, por exemplo, o primeiro registro oficial de distribuidor remonta a 1929, de acordo com Jean-Noel Kapferer, um dos maiores estudiosos do fenômeno das marcas comerciais.
O objetivo é um só: oferecer para a clientela produtos com preços mais camaradas do que as rivais de fabricantes tradicionais. Em 1976, quando o Carrefour decidiu investir fortemente em sua marca-bandeira, lançou mão de um posicionamento estratégico declarado: "Tão boa quanto as marcas tradicionais e menos cara"(20%).
Com a crise econômica na região, a participação da marca própria no mercado europeu deu um salto em tempos recentes. Na Espanha, sua presença no varejo avançou de 28% para 38% em apenas uma década.
O fenômeno visto na Europa começa agora a ganhar força no Brasil, de acordo com Antônio Sá, diretor da Amicci, consultoria especializada no desenvolvimento e gestão de marcas próprias.
Grandes redes, como Pão de Açúcar, Carrefour, Walmart e Dia foram pioneiras em lançar produtos com marcas próprias no Brasil há décadas.
Quem costuma frequentar o Pão de Açúcar, depara com produtos de diferentes prateleiras com as marcas Taeq, Qualitá e, mais recentemente, Casino.
"No caso do Casino a marca-bandeira é herdeira de sua história e da concepção social que a acompanha", diz Kapferer. "A bandeira tem uma missão: fornecer qualidade ao menor preço." E para realizar essa missão a rede francesa assumiu uma parte da produção e eliminou, tanto quanto possível, as concorrentes tradicionais.
Também na rede Dia os clientes observam biscoitos, massas com o nome da loja e produtos com marcas criadas pela empresa, como Bonté (perfumaria), Delicius, Vital e Rio Claro.
De tudo o que se vende com marca própria no Brasil, a marca Dia representa 54%, a Qualitá, 8% e, a Carrefour, 4%, de acordo com o último levantamento da Kantar.
REDES MENORES
Agora, chegou a vez de redes de supermercados médias igualmente estamparem os seus nomes nos produtos, ou ainda ampliarem as linhas até então tímidas de itens com marcas próprias.
"As redes médias estão entrando fortemente em marcas próprias, especialmente no Nordeste, estão ampliando sortimento, melhorando a comunicação com o consumidor", diz Neide.
Há seis anos, a rede Lopes, com 27 lojas em São Paulo e Guarulhos, testa a venda de produtos com a sua marca corporativa.
A cesta é composta atualmente de 278 itens rotineiros, como arroz, feijão, óleos, massas e café, e já representam 4,8% do faturamento total da empresa, de R$ 1,2 bilhão por ano.
Recentemente, a rede contratou a consultoria Amicci para apoiar a ampliação de produtos com marcas próprias. A meta é que, dentro de três anos, passarão a corresponder a cerca de 10% dos volumes comercializados.
“O consumidor mudou os hábitos de consumo. O que ele quer é produto mais em conta, mas com a qualidade de marcas tradicionais. E é isso o que a marca própria oferece”, afirma Celso Renato Dias Ferreira, diretor comercial da Lopes.
O consumidor fica satisfeito em pagar menos por um produto de qualidade e o supermercado fica mais satisfeito ainda porque consegue obter maior lucro com a venda do item com marca própria.
Os preços de produtos com marca própria podem ser até 40% menores do que os de marcas tradicionais. E a margem de lucro pode ser de 10% a 15% maior, de acordo com Sá, da Amicci.
Isso é possível, diz ele, porque as indústrias donas de marcas líderes de mercado investem pesado em propaganda e marketing e colocam todo o custo desse investimento nos preços.
Além de ter maior rentabilidade sobre a venda, outra grande vantagem da marca própria, segundo ele, é a fidelidade do cliente, como já sabem há muito tempo as redes europeias e americanas.
Se o produto é bom e tem um preço justo, muito provavelmente, o consumidor vai voltar até a loja para buscá-lo, seja em qualquer lugar do mundo.
Não por acaso, diz Celso, da rede Lopes, as marcas próprias são mais procuradas na segunda quinzena do mês, justamente quando boa parte do salário de seus clientes já foi gasta.
A fralda Parent´s Choice, uma marca da rede Walmart, é um bom exemplo de que a fidelidade acontece, de acordo com Tiago Oliveira, gerente da Kantar.
Cada unidade custa aproximadamente 15% menos que a Pampers, da Procter & Gamble na rede Walmart, tornando-se a mais vendida pela varejista nos Estados Unidos.
No Brasil, a rede espanhola Dia tem a maior participação de marca própria no seu faturamento (não revelado), da ordem de 35%.
No caso do leite, a marca Dia já representa 56% das vendas de todas as marcas de leite comercializadas pele rede. No papel higiênico, a participação chega a 75%, e, no pão industrial, a 61%, de acordo com a Kantar.
Nos três casos, os produtos da marca Dia são mais baratos do que os de outras marcas, em média, 13%, 1% e 11%, respectivamente, ainda de acordo com a Kantar .
“Desde que a rede chegou ao Brasil, em 2001, a marca própria é o foco da empresa. A meta é crescer sempre com nossa marca”, diz Luciana Tortorelli, diretora de marcas próprias da rede.
A empresa começou a trabalhar a marca própria com produtos básicos, passando para itens com maior valor agregado.
Mais recentemente, a rede criou marcas para as linhas de alimentos saudáveis e gourmets e se prepara para lançar neste ano derivados de leite sem lactose com marca própria.
FABRICANTES
Mais de 200 indústrias no Brasil e lá fora abastecem a rede espanhola. De acordo com Luciana, a marca própria só ganha espaço se tiver qualidade. Se não, o consumidor comprar o produto uma vez e nunca mais.
Para se certificar como fornecedor, as indústrias precisam seguir padrões adotados pela companhia no mercado internacional.
Sá diz que hoje há centenas de indústrias preparadas no Brasil para atender as redes que pretendem entrar com marcas próprias em suas lojas.
Uma delas é a Doceira Campos do Jordão, conhecida pelo nome fantasia Santa Edwiges, que produz regularmente bolos e biscoitos com a marca Dia para a rede espanhola e produtos sazonais, como panetones, para a rede Walmart.
A produção para terceiros já representa cerca de 20% do faturamento da empresa (não revelado) e está crescendo, de acordo com Cristiane Serrano, gerente de marketing da Santa Edwiges.
No último ano, de acordo com ela, com a crise, pelo menos umas dez redes de médio porte entraram em contato com a companhia interessadas em tratar de marcas próprias. “Para nós, a crise criou oportunidades”, diz Cristiane.
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Isso porque a empresa está vendendo mais produtos da Santa Edwiges, que custam entre 10% e 15% menos do que os de marcas líderes de mercado, e com mais pedidos para produzir para terceiros.
Se depender do interesse das redes, é bem provável que a Santa Edwiges crescerá.
Sá diz que, neste momento, está cuidando do desenvolvimento de gestão de marcas próprias de duas redes de supermercados - a Lopes e a ABC, de Minas Gerais - e da Petz, uma rede especializada em produtos para animais.
De acordo com ele, empresas atacadistas, como o Roldão, também querem expandir vendas com marcas próprias.
As redes médias ainda resistiam em entrar em marcas próprias, diz ele, porque isso requer uma expertise que os supermercadistas, em sua maioria, não possuem, como práticas de desenvolvimento de fornecedores, supervisão da produção e criação de embalagens.
A marca própria, que nasceu com o princípio de ser mais barata que as líderes de mercado, chega em uma fase que, em alguns casos, já pode se dar ao luxo de custar até mais do que uma marca tradicional.
Na pesquisa realizada pela Kantar, no ano passado, o papel higiênico Qualitá custava 27% mais do que o preço médio de outras marcas e o requeijão Qualitá, 35% mais. O requeijão Carrefour tambem estava com preço 7% maior do que o de marcas líderes.
De acordo com a Kantar, a marca Taeq é a única marca própria que faz parte do ranking das marcas mais valiosas no Brasil. No ano passado, a marca cresceu 15% em volume e 13% em valor na comparação com 2014.
Veja a seguir as dúvidas mais frequentes dos comerciantes e as considerações de Tiago Oliveira, gerente de shoppers solutions da Kantar, sobre marcas próprias.
Marca própria: Investir nela se houver um propósito claro na estratégia de negocio do varejista.
Posicionamento: Atualmente, os produtos mais vendidos de marca própria são os que custam menos do que a média da categoria
Existe espaço no mercado, porém, para marcas premium. Algumas já existem no mercado brasileiro e estão crescendo, como Taeq, Great Value e Casino.
Categorias: A análise precisa ser feita sobre a ótica do shopper (comprador no varejo) em produtos que ele procura.
As categorias/segmentos que tiverem uma lacuna de posicionamento de preço ou qualidade são oportunidades para terem marca própria. Pois caso as marcas nacionais já supram esta demanda, não existe a necessidade de entrar com marca própria.
Sortimento: Também sobre este ponto deve se ter o shopper (comprador no varejo) como ponto central. Precisa ser nas categorias, segmentos, embalagens, sabores que são importantes ou que estão crescendo no mercado.
É necessário um estudo detalhado do varejista para entender com quais produtos deve trabalhar.
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