Luiza Helena Trajano: ‘A violência contra a mulher é uma epidemia silenciosa’

A empresária, que transformou o Magazine Luiza em uma potência nacional, completa nesta quarta-feira 76 anos de idade e segue como uma das mulheres mais influentes e poderosas do país

Klester Cavalcanti - DC News
09/Out/2024
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Luiza Helena Trajano: ‘A violência contra a mulher é uma epidemia silenciosa’

Quem é a mulher mais poderosa do mundo dos negócios no Brasil e uma das mais influentes na sociedade? Árdua será a missão de quem buscar a essa pergunta outra resposta que não seja “Luiza Helena Trajano”.

A mulher que transformou o Magazine Luiza de uma rede de lojas de Franca – onde ela nasceu –, no interior de São Paulo, numa das maiores empresas do país, com cerca de 40 mil funcionários, faturamento de R$ 63 bilhões no ano passado (5% acima de 2022) e valor de mercado de quase R$ 1 bilhão, se notabilizou não apenas pelos resultados corporativos. Luiza, que comandou a companhia de 1991 a 2015 – desde então, o CEO é seu filho Frederico – atualmente ocupa o cargo de presidente do Conselho de Administração.

O Magalu simboliza e enfrenta o complexo cenário varejista brasileiro. As ações, depois de terem chegado a um pico há quatro anos, caíram 96% desde então. Desafios que sua companhia trata com firmeza e sem pânico. Como sempre.

Mas além da sólida trajetória profissional, Luiza tornou-se referência nacional na luta contra o machismo e em defesa dos Direitos Humanos. Sua atuação rompeu todos os tipos de barreiras e fronteiras. Em setembro de 2021, seu nome apareceu na lista da revista norte-americana Time, como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo. Três meses depois, figurou em outra lista de peso internacional, ao ser citada pelo jornal britânico Financial Times como uma das 25 mulheres mais influentes do planeta. Em ambos os casos, ela foi a única brasileira.

É descrita por seus pares como uma executiva de aguçada visão de negócios – sobretudo no varejo –, mas sem deixar de lado o caráter humano do ambiente corporativo. Tanto que, em 2013, quando ainda era CEO do Magazine Luiza, encontrou tempo para fundar o Grupo Mulheres do Brasil.

Constituída inicialmente por 40 integrantes, a organização tem hoje mais de 4 mil associadas que se reúnem mensalmente para estruturar ações de educação, empreendedorismo e projetos sociais. Em todo o país, são quase 130 mil pessoas registradas no grupo. “Já avançamos muito na luta pelos direitos das mulheres. Mas o trabalho ainda não acabou”, disse Luiza.

Formada em direito e mãe de três filhos – Frederico, 48 anos, Ana Luiza, 42, e Luciana, 39 –, Luiza Trajano faz aniversário nesta quarta-feira (9), quando completa 76 anos.

No meio das celebrações, ela concedeu à DC NEWS a entrevista exclusiva a seguir, na qual fala do machismo que ainda impera no Brasil, dos desafios do mundo corporativo, da sua experiência como executiva, entre outros assuntos. “Erros e acertos fazem parte da jornada. O importante é não cometer o mesmo erro duas vezes”.

 

DC NEWS – Como a senhora gosta de celebrar o seu aniversário? Tem alguma espécie de tradição, algo que faça todos os anos?

Luiza Helena Trajano – Eu gosto muito de celebrar com a família e os amigos cada um dos meus aniversários. Sempre faço algo, mas não tenho uma tradição específica.

 

DCN – A senhora é uma mulher de imenso sucesso profissional e conseguiu, mesmo trabalhando muito, construir uma família sólida. O que a senhora tem a dizer sobre a ideia que ainda existe de que a mulher tem de escolher entre a carreira e a família?

Luiza – Minha mãe sempre me ensinou a não carregar a culpa, algo que, infelizmente, muitas mulheres ainda sentem. Ela me disse isso quando tive meu primeiro filho (Frederico Trajano, atual CEO do Magazine Luiza). Sigo esse conselho até hoje. Cada mulher deve trilhar o caminho que acredita ser melhor para si. Há mulheres com carreiras intensas que têm filhos maravilhosos, assim como há mulheres que se dedicaram integralmente à maternidade e que também têm filhos maravilhosos. Não existe uma fórmula única. O que eu sempre reforço é que não devemos nos prender a essa ideia de culpa. O importante é fazer o que se acredita ser correto e equilibrado, e não se deixar influenciar por padrões antigos que limitam nossas escolhas.

 

DCN – Ainda hoje, há mulheres jovens que querem ser mães e adiam esse plano com medo de que a maternidade prejudique suas carreiras. O que a senhora diria a elas?

Luiza – Esse receio ainda existe, mas vejo que está diminuindo conforme as mentalidades mudam. Felizmente, muitas empresas, como o Magazine Luiza, estão abrindo espaço e contratando mulheres, independentemente da sua condição, até mesmo mulheres grávidas. O preconceito está sendo combatido, e cabe a todos nós acelerar esse processo.

 

DCN – Quantas mulheres o Magazine Luiza tem hoje em funções de comando? E que tipo de iniciativa as empresas poderiam ter para estimular a ascensão das mulheres a cargos mais altos?

Luiza – Nós sempre buscamos um equilíbrio. Hoje, metade dos cargos de liderança na nossa empresa é ocupada por mulheres. A sociedade está cada vez mais atenta e exige esse posicionamento das empresas. Em alguns casos, a aplicação de cotas, que é uma medida temporária necessária para corrigir uma desigualdade, como defende o Grupo Mulheres do Brasil no caso de cotas para Conselhos de Administração.

 

DCN – Qual o maior erro e o maior acerto que a senhora cometeu na sua carreira?

Luiza – Erros e acertos fazem parte da jornada. E cada um deles traz uma lição valiosa. Errar não deve ser visto como algo negativo, mas como um processo de aprendizado. O importante é não cometer o mesmo erro duas vezes.

 

DCN – O que a senhora sabe hoje que gostaria de saber há 50 anos? Que conselho a Luiza Trajano de hoje daria à Luiza Trajano de 20 e poucos anos?

Luiza – Eu não mudaria nada. Tudo o que vivi foi parte de um processo de crescimento, tanto pessoal quanto profissional. Não fico presa ao que deveria ter sido diferente, porque sei que cada experiência, boa ou ruim, me fez chegar até aqui.

 

DCN – A senhora acredita que num prazo médio as mulheres terão os mesmos direitos, espaços e privilégios que os homens em relação a trabalho, salário, sociedade, liberdade?

Luiza – Acredito que já avançamos muito, mas o trabalho ainda não acabou. As mulheres vêm ocupando espaços cada vez mais importantes e não aceitamos mais discriminação de gênero ou de raça. O desafio, agora, é aumentar a velocidade com a qual ocupamos esses espaços e garantir que esse movimento seja contínuo e duradouro.

 

DCN – Atualmente, o que mais lhe incomoda e preocupa em relação às questões das mulheres no Brasil?

Luiza – A violência contra a mulher é uma questão que precisa de atenção imediata. É uma epidemia silenciosa. Combater isso exige um esforço coletivo, envolvendo também os homens. Tanto no Magazine Luiza quanto no Grupo Mulheres do Brasil, incentivamos que as pessoas “metam a colher”, ou seja, ajam em situações de violência. É preciso oferecer apoio e segurança para que as vítimas se sintam acolhidas. A união de todos é o caminho para acabar com essa realidade.

 

DCN – Hoje em dia, a senhora ainda se sente atingida pelo machismo de alguma forma?

Luiza – Nunca me vi como vítima do machismo, apesar de ter enfrentado situações em ambientes predominantemente masculinos. Sempre acreditei que era possível ocupar esses espaços de forma feminina e autêntica. Um exemplo disso é que, mesmo em ambientes majoritariamente masculinos, eu sempre mantive meu estilo, usando vestidos em vez de seguir o padrão tradicional de calça, mostrando que a presença feminina tem o seu valor e deve ser respeitada.

 

DCN – Se a senhora pudesse mudar alguma coisa no comportamento dos homens, o que seria?

Luiza – Não vejo a necessidade de uma mudança específica. Homens e mulheres possuem características diferentes, e é exatamente essa diversidade que enriquece a nossa sociedade. A chave está na união e no equilíbrio entre esses comportamentos, para que juntos possamos construir uma sociedade melhor.

 

DCN – Em quê a senhora gasta seu dinheiro? Que tipo de prazer, diversão a senhora cultiva?

Luiza – Com tantos compromissos, o tempo acaba ficando curto, mas valorizo os momentos de lazer. O que mais gosto é de passar tempo no meu rancho, onde costumo pilotar lancha.

 

IMAGEM: Paulo Pampolin/DC

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