Lojas e restaurantes de SP recorrem a estrangeiros para preencher vagas

Na rede Soneda, especializada em produtos de beleza, cerca de 30 venezuelanos (foto) ocupam diversas funções. No Sacolão Perdizes, haitianos já atendem a clientela. Em março e abril, programa Vaga Social do Sindicato dos Comerciários de SP registrou 103 candidatos imigrantes

Fátima Fernandes
20/Mai/2025
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Lojas e restaurantes de SP recorrem a estrangeiros para preencher vagas

Quem gosta de andar pelo comércio e restaurantes de São Paulo pode ter notado no meio de atendentes, operadores de caixa e repositores de produtos, funcionários que falam espanhol.

O que até pouco tempo era considerado algo fora de cogitação, isto é, ter um estrangeiro no chão de loja para interagir com a clientela, hoje começa a ser cada vez mais comum.

A dificuldade do varejo em reter e contratar mão de obra, por diferentes motivos, tem levado lojistas a preencher vagas com imigrantes, como refugiados venezuelanos e haitianos.

Com 47 lojas no estado de São Paulo, a Soneda, rede especializada em produtos de beleza, foi uma das primeiras a viver a experiência com mão de obra estrangeira já antes da pandemia.

Há sete anos, ao conhecer o programa da Casa da Acolhida Dom Luciano Mendes de Almeida, a família Kamachi, dona da Soneda, ofereceu vagas para venezuelanos recém-chegados ao país.

A experiência deu certo. Hoje, cerca de 30 deles trabalham em lojas da rede, ocupando desde funções básicas, como operador júnior, até cargos de liderança, como supervisor de loja.

Luciana Kamachi, diretora de RH da Soneda, afirma que a ideia da varejista, com previsão de abrir mais cinco a seis lojas neste ano, é contratar mais venezuelanos.

“Se pudermos dobrar o número deles na empresa, vamos dobrar. Os venezuelanos têm garra, disposição fora da média, valorizam o trabalho, são engajados, não faltam”, afirma.

A Soneda possui um programa de valorização dos venezuelanos e, na medida em que eles vão se capacitando, vão subindo na hierarquia das funções.

Em 2019, um dos venezuelanos contratados pela varejista foi Ramon Emílio Sallas, recém-chegado ao Brasil, que chegou a trabalhar em um lava-rápido próximo à Casa Dom Luciano.

Formado em Administração de Empresas e professor de universidade na Venezuela, Emílio Sallas ocupa hoje a função de analista administrativo na Soneda.

“Por necessidade, eles têm um comprometimento maior com o trabalho. O turnover é menor do que o da média de todos os trabalhadores”, diz ela.

No ano passado, a rede decidiu até fazer uma homenagem aos venezuelanos, preparando uma ceia de Natal com comida típica do país vizinho.

Os funcionários puderam dar depoimentos, contar um pouco de suas experiências na Venezuela e no Brasil, o que emocionou a família Kamachi.

“Um dos venezuelanos tinha o sonho de trazer a mãe para o Brasil. Pagamos a passagem para a mãe vir. Hoje, ela trabalha em nossa loja da Avenida Paulista”, diz Luciana.

A Soneda informa que está aberta para oferecer vagas também para outras etnias. “Por que não? Eles agregam muito à nossa cultura”, afirma.

“Queremos trabalhar com gente que gosta de gente, não importa a nacionalidade. A nossa loja é de autosserviço e precisa de gente que acolha”, diz Minoru Kamachi, CEO da Soneda.

Haitianos

O Sacolão Perdizes, em Perdizes, começou a contratar mão de obra estrangeira em setembro do ano passado. Hoje, já oferta vagas para cerca de dez haitianos, entre homens e mulheres.

Os haitianos estão ocupando postos que a loja, que acabou de aumentar de tamanho, não consegue preencher com brasileiros, de acordo com uma funcionária do Sacolão Perdizes.

As dificuldades enfrentadas por imigrantes em seus países e a vontade de se estabelecer e tocar a vida de forma digna no Brasil, de acordo com lojistas, fazem deles ótimos funcionários.

Há pouco mais de um ano no Brasil, uma venezuelana de 22 anos do Sacolão Saúde já é responsável pela abertura da loja.

Casa Dom Luciano

Yanniret Sotillo, educadora social da Casa Dom Luciano, advogada, também refugiada, afirma que outras redes já contrataram ou estão de olho na mão de obra venezuelana.

Ela cita os grupos NK, com seis sacolões em São Paulo e região do ABC, e Bem Barato, assim como as redes de restaurantes Mei Mei e Ráscal.

A Casa Dom Luciano atua somente com venezuelanos, que podem permanecer no local por três meses, período que têm para se adaptar à língua e encontrar uma maneira de se sustentar.

De 2015 a junho de 2024, cerca de 568 mil cidadãos da Venezuela entraram no Brasil, de acordo com dados da Unicef.

“Algumas varejistas se sensibilizam e acolhem os venezuelanos”, diz Yanniret. Carrefour, Assaí, Magazine Luíza também tiveram ou têm mão de obra estrangeira em seu quadro de pessoal.

Vaga social

Em março e abril deste ano, 103 candidatos imigrantes se candidataram a postos de trabalho no Programa Vaga Social do Sindicato dos Comerciários de São Paulo.

A experiência mostra, de acordo com o sindicato, que entre 65% e 70% desses candidatos são contratados.

No processo seletivo de emprego em geral, para brasileiros e estrangeiros, realizado no dia 20 de março deste ano, 13 empresas participaram e 167 candidatos se apresentaram.

Oxxo, Petz, Dia Supermercados, Grupo Muffato, restaurante Andiamo e Raia Drogasil foram algumas das empresas participantes.

Ricardo Patah, presidente do sindicato, diz que a maioria das redes, especialmente do setor de alimentos, como essas citadas acima, está ofertando vagas para estrangeiros.

“A tendência é cada vez mais abrir vagas para imigrantes. Com certeza, no mutirão de emprego programado para agosto, a participação de candidatos estrangeiros será ainda maior”, diz.

A entrada cada vez maior de mão de obra estrangeira no varejo, diz, é resultado do desinteresse de brasileiros pelas funções, em razão dos baixos salários e da exigência de trabalho aos sábados e domingos.

“Há milhares de vagas abertas no varejo no país e o imigrante acaba aceitando as condições de trabalho oferecidas. Está acontecendo no Brasil o que já se vê nos EUA e na Europa”, diz Patah.

Na feira da Apas (Associação Paulista de Supermercados) deste mês, a dificuldade de contratar e reter mão de obra foi um dos principais assuntos em palestras e rodas de empresários.

Maurício Morgado, coordenador do FGVcev – Centro de Excelência em Varejo da FGV-EAESP, que participou do evento, diz que aproveitar a mão de obra estrangeira, especialmente em grandes capitais, é uma grande oportunidade para o varejo resolver um problema iminente.

Em 2024, cerca de 71 mil postos de trabalho foram abertos e preenchidos por estrangeiros no Brasil, de acordo com um levantamento da FecomercioSP, com base em dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério do Trabalho.

É o maior número para um ano desde que o Caged mudou a metodologia, em 2020.

Isso significa um avanço de cerca de 50% em relação a 2023 (47,3 mil vagas). A maioria foi preenchida por latino-americanos, especialmente venezuelanos e haitianos.

Em 2023, com base nos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), os venezuelanos representaram 44% da mão de obra estrangeira no mercado formal de trabalho, seguidos por haitianos.

A lista continua com paraguaios, argentinos, cubanos, bolivianos e peruanos.

Essa tendência, de acordo com a FecomercioSP, se manteve em 2024 e, de acordo com lojistas, deve se manter também neste ano.

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IMAGEM: Soneda/divulgação

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