Funding do mercado imobiliário pode ficar no limite até 2026
Perda de participação da poupança e possível mudança na correção do saldo do FGTS são alguns dos problemas que o setor precisará contornar, sinalizam especialistas do Comitê de Avaliação de Conjuntura da ACSP
O mercado imobiliário pode enfrentar problemas de falta de funding (captação de recursos para investimento ou financiamento) até 2026, por fatores como a diminuição de depósitos na caderneta de poupança e a possível correção no saldo do FGTS, em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF).
A sinalização foi feita por um executivo do setor na reunião do Comitê de Avaliação de Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), realizada no final de março. A pedido da ACSP, os nomes dos participantes desta reunião não são divulgados.
Os números confirmam. Uma das principais fornecedoras de capital para o mercado imobiliário, com participação de 46% em 2021, a tradicional caderneta de poupança reduziu o share para 34% em 2023 (dados da Abecip, associação do setor) devido à redução de depósitos e aumento dos saques. Só no ano passado, os brasileiros retiraram R$ 88 bilhões da caderneta.
No médio prazo, explicou o executivo, se o funding do setor não crescer e mantiver o ritmo, ou cair 10%, podem existir problemas de falta de fundos, pois a caderneta tem seus limites.
"Os saques até diminuíram um pouco, os economistas dizem que com a queda na taxa de juros eles podem até diminuir mais. (Os depósitos) Talvez não parem de acontecer de uma forma muito grave, mas se não crescerem além da correção e dos juros, não haverá crescimento dos depósitos como uma aplicação interessante", afirmou, lembrando que hoje é difícil encontrar jovens que depositam na poupança. "Eles vão ali no app e aplicam mil reais de forma sofisticada pelo celular. E, assim, a caderneta não tem mais um crescimento grande."
Já o FGTS, principal funding, também está no limite e é alvo de temor por especialistas pela possível mudança na correção do saldo, que hoje é calculado pela TR (Taxa Referencial) e pode ser substituído pela inflação, conforme proposto pelo presidente Lula semana passada.
Uma proposta feita na última reunião do Conselho Curador do FGTS, realizada em 26 de março último, prevê aumentar a taxa para os trabalhadores que tomarem crédito na linha Pró-Cotista com garantia do fundo para algo em torno de 10% (hoje de 7,66% a 8,61%).
A ideia é garantir recursos para a construção de imóveis novos. "Mas isso depende de aumento no emprego formal, e também está no limite: (o FGTS) não está crescendo e não vai crescer."
Hoje, segundo o executivo, se alguém pergunta sobre déficit habitacional, ele diz que reduzir esse déficit é questão de funding, que está no limite. Enquanto nos últimos meses foram produzidos algo como 8 milhões de moradias do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), o déficit nessa faixa continua na casa dos 7 milhões. "Ou seja: estamos enxugando gelo. Se vamos acabar com o déficit, temos que dobrar o funding. Mas há menos chances."
Ele lembrou que entidades do setor imobiliário têm trabalhado novas formas de aumentar o funding, e o governo tem dito que vai mexer nessa questão. E existem até outros tipos de captação que estão crescendo, mas que são mais caros que a poupança e o FGTS.
Como os instrumentos de financiamento privado, do tipo Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Fundos Imobiliários (FII), Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras Imobiliárias Garantidas (LGI), que subiram de 27%, em 2021, para 40%, em 2023 (dados da Abecip).
"Não vai ter securitização de contrato imobiliário a uma taxa de 6% ao ano: é Selic e mais alguma coisa", afirmou. E esses fundings novos de securitização não financiam o comprador, que tem 30 anos para pagar, ou até 35 anos no MCMV. "A média de quitação (do financiamento habitacional) pelo brasileiro não passa de nove, dez anos na média, ele quita antes. Não é ruim, mas precisa de um funding adequado. Afinal, dez anos não é pouca coisa."
ESTOQUES CONTINUAM REDUZIDOS
Uma pesquisa do Secovi-SP (sindicato da habitação) aponta que, nos últimos doze meses, no perímetro urbano (que corresponde de 25% a 27% do mercado imobiliário no Brasil) se gerou R$ 42 bilhões referentes a unidades vendidas, e lançamentos da ordem de 75 mil unidades.
De acordo com o especialista do setor presente à reunião de Conjuntura, em 2018 o setor produzia entre 30 a 35 mil unidades por ano. Mas esse número dobrou por conta do mercado de MCMV, que com apoio de um decreto municipal, teve grande incentivo para construção por zerar o valor das outorgas para imóveis até R$ 350 mil, atraindo a iniciativa privada.
"Ele é considerado o maior programa habitacional do planeta, de sucesso absurdo (com juros entre 4,5% e 7,5%) e funciona bem sem dinheiro público, pois é um programa empresarial", disse, lembrando que, há 15 anos, de cada 10 unidades habitacionais na faixa do MCMV, nove eram produzidas por programas governamentais de habitação, como Cohab e CDHU. "Hoje, a cada 10, 9,5 são produzidos pela iniciativa privada: o comprador é cliente, não mutuário, e são empreendimentos maravilhosos, honestos e com equipamentos de alto padrão."
De modo geral, considerando do Sudeste para baixo, a média geral em São Paulo continua baixa: há um grande consumo do estoque de imóveis porque ainda se lança muito menos do que se vende, sinalizou. E isso também tem a ver, entre outras coisas, com o funding.
"O estoque de novos em São Paulo é da ordem de 25 mil unidades, é 1,5%, são poucas. De terceiros têm, mas quando se fala em lançamentos, também no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, os estoques são ainda mais baixos", concluiu.
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