Desinvestimento, ou como fazer caixa em tempos de crise
Nem sempre se desfazer de bens é sinal de bancarrota. Pode ser uma maneira de reequilibrar as finanças da empresa. Antes de tomar a decisão, convém seguir cinco passos

Com a crise soprando nos resultados das empresas, uma palavra voltou a ser recorrente no noticiário e nas conversas entre os gestores de finanças: desinvestimento.
Desinvestir, em outras palavras, é vender ativos (bens) ociosos que não serão necessários por um prazo longo. Podem ser terrenos, imóveis, veículos, máquinas, equipamentos, ou seja, algo no qual a empresa um dia investiu para ter um determinado retorno.
Ao se desfazer de bens não estratégicos, o empresário tem a chance de reforçar o caixa, principalmente quando está com uma dívida muito alta e precisa equalizar essa relação com o caixa.
Esse é o raciocínio adotado por grandes companhias, como a Petrobras, que recentemente divulgou essa medida em seu plano de investimentos.
Entre as grandes empresas, inclusive, há previsão de que o desinvestimento cresça este ano. Um estudo da Ernst & Young (EY) mostra que 54% dos executivos preveem aumento na venda de ativos não estratégicos em 2015. A pesquisa ouviu 800 executivos de empresas das Américas, Ásia, Europa, Oriente Médio, Índia e África.
Para os pequenos e médios empresários, o desinvestimento pode ser um caminho para reorganizar as finanças. Esse foi o caso do estilista José Bonifácio da Silva, que há sete anos é proprietário de uma confecção de moda feminina.
Ele acabou de vender um veículo para cobrir o limite do cheque especial – o qual acabou utilizando para cobrir outros débitos e despesas fixas da empresa, depois de ter sofrido calote de um cliente lojista.
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"Agora posso sentar com o gerente do banco para renegociar o prazo de outro empréstimo de R$ 10 mil". Boni, como o estilista é conhecido, pretende diminuir o valor das prestações a pagar para manter o fôlego financeiro e não precisar de crédito por um ano.
Isso porque o estilista viu os pedidos dos lojistas pelas roupas que produz caírem neste ano. Esse número passou de 20 modelos de alfaiataria por estação para sete, de 2014 a 2015.
"Além disso, o fluxo de pagamento dos lojistas é longo, de até 45 dias, o que fez com que eu começasse a vender ao consumidor na loja que abri, a Porus”, afirma.
O desinvestimento é uma alternativa ao empréstimo bancário, mas na opinião de Carlos Eduardo Rollo, consultor de finanças do Sebrae-SP, o pequeno empresário deve deixar de lado as emoções.
"O empreendedor age muito com sentimento de posse. Prefere tomar empréstimo e resiste devolver à empresa um dinheiro retirado no passado para a compra de bens, como imóveis. Em momento de necessidade, é natural que o recurso retorne para o caixa”, diz o consultor.
Antes de se desfazer de um bem, deve-se analisar diversos pontos da gestão financeira e, ainda, e usar a criatividade. Afinal, em tempos de crise, é difícil vender bens a um preço justo e rapidamente.
Confira 5 medidas que os pequenos devem adotar no processo de desinvestimento:
Os especialistas em finanças dizem que é preciso fazer projeções consistentes sobre o caixa da empresa para os próximos meses e estendê-la a um cenário de tendência para os três anos seguintes.
Com a projeção de como será a evolução do caixa da empresa no futuro, e de quanto poderá ficar negativo em um cenário de recessão, é possível saber se será necessário desinvestir.
“Coloque em uma planilha quanto acha que vai vender, os custos, despesas fixas e impostos para chegar a uma projeção de DRE (Demonstrativo de Resultado de Exercício), que nada mais é do que a receita menos impostos e despesas operacionais”, aconselha Dariane Castanheira, professora e consultora do Proced-FIA (Programa de Capacitação da Empresa em Desenvolvimento da Fundação Instituto de Administração).
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Ela diz que o empreendedor não deve decidir desinvestir “no susto” ou apenas com base no resultado deste ano.
É preciso elaborar um cenário futuro com os indicadores mais conservadores da economia, o que na opinião de Dariane, são de queda de 1% do PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos no país) a cada ano, juros de 13,75% ao ano e inflação de 10% ao ano.
A consultora diz que esses dados são bem conservadores e, por isso, adequados para fazer a projeção. Na planilha, será preciso ver como fica o lucro – se será de prejuízo nos três anos ou não – para tomar a decisão.
"Avalie o que pode ser feito. O desinvestimento e, em última instância, o fechamento do negócio devem ser as últimas opções a serem consideradas. Imagine se o empresário vende tudo e no ano que vem a economia se recupera?”, afirma Dariane.
Mauricio Galhardo, sócio da Praxis Business, diz que a projeção do fluxo de caixa também é importante para identificar se haverá dinheiro nos próximos meses.
“Serve para saber se haverá capital de giro e reservas. Se descobrir que não terá, o empreendedor pode renegociar com credores e antecipar recebíveis”, diz. Isso vale para o banco e para fornecedores.
A primeira atitude é olhar para todas as dívidas e – com a projeção do cenário para três anos – conversar com os credores. “O endividado que tem projeções consegue responder quando poderá pagar e isso é o que o banco quer”, diz a consultora do Proced.
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Também é preciso rever rotinas. É o momento de avaliar se é possível melhorar o produto ou serviço oferecido ao cliente para aumentar a receita sem mexer na estrutura atual – já que as demissões também geram custos.
Para Galhardo, outra área que deve ser observada é o estoque, que deve ser desovado de forma mais rápida. “É preciso transformá-lo em dinheiro e, para isso, pense em promoções e campanhas de incentivo. Em vez de desconto ao cliente, ofereça melhor comissão aos vendedores”, diz.
Qualquer que seja a decisão, será preciso persistir no mantra do corte de custos.
E com medidas simples é possível fazer isso. A dica de Dariane, do Proced, é substituir o telefone pela internet e, assim, usar as mídias sociais para promover produtos e serviços.
"Use aplicativos de mensagem de texto e de voz. Outra dica: veja se consegue adiantar as férias dos funcionários para ter um banco de horas (se o sindicato da categoria permitir) para usá-las no fim do ano, quando o movimento melhora”, afirma Dariane.
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Rollo, do Sebrae-SP, diz que, se a opção for pelo desinvestimento, ele deve ser adotado de forma racional. “Não adianta consumir o recurso. Será preciso reduzir despesas fixas e controlar gastos”, diz.
Com a desaceleração no ritmo de alta no preço dos aluguéis, muitos empreendedores chegam a considerar a troca de ponto comercial. Nesse caso, é necessário cautela, já que isso pode ser uma faca de dois gumes: entrar em um aluguel menor requer investir em instalações novas.
“Precisa verificar se há caixa para investir em um novo local, mesmo que o aluguel seja baixo”, diz Rollo, do Sebrae-SP.
Segundo Galhardo, da Praxis, só vale a pena se o negócio for desmontável ou em casos específicos, como em negociações que ocorreram em alguns shoppings – nos quais o empreendimento paga pela reforma da loja e o comerciante se compromete com o aluguel por cinco anos.
Nos demais casos, é melhor renegociar com o proprietário.
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“Mudamos para um escritório maior por um bom preço, mas nosso negócio depende apenas de mesa, cadeira e ar-condicionado. Para a indústria e o comércio é mais complicado. É necessário investir na infraestrutura, um tipo de mudança que pode custar de R$ 50 mil a R$ 200 mil”, diz.
O problema desse tipo de investimento é que ele vai pesar no caixa no curto prazo e o retorno pode demorar muito.
Se após todas as tentativas de equilibrar as contas, a conclusão é que o melhor negócio é desinvestir, é preciso calcular os gastos de tudo o que está por vir, inclusive de demissões.
Para Dariane, se depois de todas as projeções, o empreendedor chegar à conclusão de que o caixa ficará negativo nos três anos, pode considerar o fechamento do negócio. “Lembrando que o caixa é o lucro menos os empréstimos e amortizações e o pró-labore”, afirma.
Antecipar o que vem pela frente – com ensina o passo número 1 – garante ao empreendedor tempo hábil para vender os ativos sem que eles percam tanto o valor.
Especialistas recomendam avaliar tudo o que não está sendo usado e não será utilizado por um bom tempo, como máquinas e equipamentos, e recorrer a sites de vendas e leilões.
“Com antecedência, é possível encontrar um comprador que pague mais, mesmo que em parcelas”, diz Galhardo.
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Rollo, do Sebrae-SP, afirma que é preciso escolher uma forma de calcular o preço de cada bem que será vendido. Uma das formas é ir a mercado e consultar o preço, o chamado valor realizável.
Mas há outro, que é o método do fluxo de caixa descontado, no qual se projeta o valor do bem em uso com base no ele geraria de ganhos no futuro e trazer a valor de hoje.
"Só que para isso sozinho é preciso entender de matemática financeira”, pondera Rollo.
Os especialistas indicam buscar a ajuda de um consultor para rever o plano, principalmente se ele inclui o fechamento das portas. O contador também será um aliado para montar a estratégia de fechamento.
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