Coronel Camilo não descarta incêndio criminoso em shopping do Brás
Em entrevista ao Diário do Comércio, o Subprefeito da Sé recorda que o incidente ocorreu no dia em que uma fiscalização contra pirataria estava programada. Ele fala também das ações de prevenção a incêndio em áreas de comércio popular e sobre Law Kin Chong, dono do Shopping 25
Uma semana após o incêndio no Shopping 25, na rua Barão de Ladário, no Brás, o imóvel afetado segue interditado. Além dele, outras oito edificações próximas têm interdições parciais.
O relatório de fiscalização da Coordenadoria de Controle e Uso de Imóveis (CONTRU), órgão da Prefeitura de São Paulo, mostra que, em maio de 2022, os fiscais municipais já tinham constatado diversas irregularidades no sistema anti-incêndio do Shopping 25, com problemas nas saídas de emergência e na sinalização das rotas de fuga, além de não ter as portas corta-fogo e chuveiros hidráulicos adequados à lei.
Agora, a subprefeitura da Mooca aguarda a regularização dos imóveis pelos proprietários e, no caso do shopping, será de responsabilidade do dono apresentar um laudo para apontar se a estrutura vai ser recuperada ou demolida.
Localizado na região central, o Brás é conhecido pelas antigas construções industriais, grandes galpões e uma infinidade de lojas populares que atraem visitantes de todo o país - um perfil parecido ao da região da 25 de Março.
Reunindo pelo menos três dos polos comerciais mais importantes da capital (Bom Retiro, Liberdade e Sé), a Subprefeitura da Sé é responsável pela administração pública também de outros cinco distritos da região central: Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, República e Cambuci, um território de 26,2 quilômetros quadrados, com uma população residente de aproximadamente 431 mil habitantes e população flutuante de cerca 2 milhões de pessoas.
Responsável por essa gestão, o subprefeito da Sé, coronel Alvaro Batista Camilo, conversou com o Diário do Comércio sobre a importância das ações de prevenção a incêndio em áreas de comércio popular e como episódios como o do shopping 25 podem impactar a imagem desses centros de compras. Leia a entrevista a seguir:
Diário do Comércio - Prevenção de incêndio envolve muita coisa. Como são feitas as fiscalizações, falando especificamente de áreas de comércio popular?
Coronel Alvaro Batista Camilo - Prevenir é sempre mais barato do que corrigir, seja na segurança, educação, economia ou em um caso de incêndio. Trabalhar prevenção é sempre um investimento. A ideia é que todos os comerciantes, desde o pequeno até os donos de grandes shoppings, tenham esse cuidado. O que posso garantir é que se seguirem a legislação municipal (a atividade fiscalizatória em edificações é a Lei 16.642/17 - Código de Obras e Edificações), ou da ABNT, dificilmente irá acontecer algo. Por isso, o principal é a conscientização de todos – seja uma lojinha de um funcionário ou um grande centro comercial.
Nos centros de comércio popular existe a obrigatoriedade e os momentos em que é preciso demonstrar que estão corretos. A emissão do AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros) é um exemplo. É tudo muito fácil, pode até ser feito pela internet e, ainda que seja autodeclaratório, grandes negócios passam também pelas vistorias dos Bombeiros. Na Prefeitura, temos dois tipos de fiscalização: uma em que dividimos os distritos por fiscais, que visitam os prédios por amostragem, e outra por denúncias que acabamos recebendo, seja na Subprefeitura, no Procon, na OAB ou em outras secretarias.
Falando especificamente da segurança de edificações, em 2024 a Subprefeitura da Sé recebeu 87 denúncias, realizou 108 vistorias, emitiu 69 notificações e interditou 31 edificações. Na Sé, hoje, quase 100% das fiscalizações são feitas por denúncia.
Qual é a situação atual desses polos de comércio popular, como Liberdade, 25 de Março e Bom Retiro, pensando no grande acúmulo de pessoas no local?
Há dois anos, tivemos um incêndio na rua Basílio Jafet que desencadeou uma atuação do Ministério Público e, por isso, passamos a agir no local por demanda. Em geral, fiscalizamos, orientamos e o lojista tem um prazo de cinco dias para apresentar a documentação, mas no caso do AVCB isso pode subir para 30 dias, por exemplo. O importante é regularizar a partir da notificação, por isso, na Sé temos uma lei que permite ao fiscal fazer uma notificação orientativa. Depois disso vamos para a notificação, esperamos o prazo, fiscalizamos novamente e podemos acabar multando. Esse imóvel fica sendo monitorado, ele não será esquecido. Normalmente, uma vez por mês voltamos para checar se houve a correção. Se não ocorreu, podemos gerar o embargo e a Licença de Funcionamento pode ser cassada.
Mas algumas licenças são emitidas e monitoradas pelo Corpo de Bombeiros, que é um órgão do Estado. Como conectar isso com o que é de responsabilidade da Prefeitura?
Temos um convênio com os bombeiros e exigimos o AVCB para dar a Licença de Funcionamento. Esses serviços são informatizados e ainda não se comunicam, mas futuramente irão se comunicar. O governo tem o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) que é muito importante para esse tipo de consulta. Da mesma forma que, quando algo acontece, os bombeiros trabalham em conjunto com a Prefeitura para interdição e liberação, temos essa conexão nos bastidores dessa documentação.
Como a Prefeitura faz para mediar as situações internas desses empreendimentos quando, por exemplo, um prédio pode estar regular, mas quem vende lá não. Como driblar as possíveis gambiarras dos lojistas ilegais?
Em primeiro lugar, é preciso conscientização dos donos dos boxes. Eles precisam saber a importância disso, trabalhar forte para não vermos o desespero que houve no Brás, com lojistas perdendo tudo. E isso é de responsabilidade do próprio shopping. É ele quem deve fazer esse trabalho de conscientização, verificar as condições de segurança dos boxes, checar o acesso às vias de fuga, não superlotar o espaço, ter brigada de incêndio própria, fazer periodicamente testes de abandono e, claro, seguir a legislação.
Por trás disso, a própria Subprefeitura e o Corpo de Bombeiros, durante a implantação do negócio, monitoram as licenças e fazem essa vistoria in loco, e não apenas por internet e com termos autodeclaratórios. Além disso, existem os momentos específicos de renovação dessas licenças.
O empresário do Shopping 25, no Brás, Law Kin Chong, tem um longo histórico de acusações na Justiça em esquemas de contrabando. Chong é dono de mais de cem imóveis espalhados por bairros como Brás, Mooca, Liberdade, Jardins e avenida Paulista. Como a Prefeitura enxerga essa trajetória e permite que ele seja detentor de um polo comercial tão importante?
Isso não tem nada a ver com a Prefeitura e com o negócio em si. Não avaliamos a índole da pessoa para abrir uma loja, isso cabe à polícia. Avaliamos as licenças, o que pode ser concebido em cada edificação, se tem habite-se, mercadoria de origem regular. Até que se chegue a qualquer fato concreto, não entramos nesse mérito. O CNPJ está aberto e não podemos penalizar alguém por um ato passado. Se alguém me disser que é constatado pirataria, crime de contrabando, cassamos e tiramos a licença, mas isso envolve outras ações e órgãos, além de ampla defesa. A origem do dinheiro usado para comprar o prédio não cabe à Prefeitura analisar. Não dá para misturar a questão criminal com a documental.
Algumas teorias foram levantadas sobre o incêndio da última semana, no Brás, inclusive, a hipótese de um possível incêndio criminoso. O senhor acredita existir uma guerra velada entre comerciante regular e irregular?
Tudo é possível, mas o que posso garantir é que como Subprefeitura vamos trabalhar sempre pela regularização. Por muito tempo não foi possível fazer uma fiscalização como deveria ser feita, o importante é que hoje fazemos. Um caso como o incêndio do Shopping 25 levanta muitas teorias e todas as hipóteses são analisadas pela polícia. Coincidentemente, esse incêndio se deu num momento de uma ação contra a pirataria, mas não dá para dizer que sim nem que não. Nada está descartado.
O senhor acredita que casos como o incêndio do Shopping 25 afetam de alguma forma a imagem e a situação comercial da região, especialmente em época de compras de fim de ano? Acredita que os clientes podem evitar essas regiões por algum receio?
Não acredito. Ficou bem claro que foi algo pontual e os próprios comerciantes do Brás reconhecem isso. Ao contrário, vejo uma preocupação em refazer, reocupar, voltar a funcionar logo, justamente para não perder esse fluxo de clientes que segue por lá. O que fica é um alerta para o poder público. Por sorte, não tivemos nenhuma vítima fatal, mas foi um incêndio que demandou mais de 30 viaturas de bombeiros. Se fossemos computar todo esforço físico e financeiro gasto e o que será injetado para recuperar a área, é nítido que gastaríamos muito menos em prevenção.
Na região da Sé, os casos de incêndio têm sido muito pontuais e controlados. O Centro de São Paulo está cada vez mais seguro e não só do ponto de vista criminal, de segurança pública. Temos cada vez mais gente circulando e isso traz muitos olhares para o entorno, gera sentimento de pertencimento e traz denúncias. As pessoas veem problemas, comunicam e isso nos traz qualidade de vida. Temos tolerância zero para pequenos e grandes problemas, mas são os detalhes que tornam as coisas grandes, como um incêndio, por exemplo. Queremos providências e isso não significa multa. Damos chances, mas combatemos os pequenos problemas para não ter outros maiores no futuro.
Há um mês houve um incêndio no Copan. Qual é a conduta após um evento desse tipo?
Sempre entender o que motivou esse fogo. Acompanhei pessoalmente o caso do Copan, que é um prédio da década de 1950 e ali nem fogo teve. Era uma fumaça branca que saiu das juntas de dilatação - algo entre duas paredes. Mas é claro que isso fica no nosso radar, a Defesa Civil é acionada, um técnico vai até lá entender o risco de desabamento e faz interdição parcial ou total. A contenção inicial do foco de incêndio do Copan foi iniciada por brigadistas do próprio prédio e isso é muito importante. O prédio está regular com as questões administrativas junto aos órgãos de fiscalização. Acreditamos que ali foi mesmo o uso de produtos inflamáveis, como papelão, durante a construção da junta, é o que melhor explicaria essa propagação. A Subprefeitura ainda aguarda o laudo final.
IMAGEM: Cesar Bruneli/ACSP