Como João Doria conseguiu chegar lá
Candidato à prefeitura de São Paulo pelo PSDB, ele é o primeiro na história a se eleger no primeiro turno, beneficiado pela campanha com a imagem de empreendedor e pelo desprestígio do PT

João Doria (PSDB) saiu na frente das apurações, e às 18h41 deste domingo (02/10) uma projeção do Datafolha já o dava como eleito no primeiro turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo.
Ele teve mais de 53% dos votos, distanciando-se do petista Fernando Haddad, candidato à reeleição que não chegou aos 17%.
Os demais candidatos ficaram bem abaixo do desempenho projetado pelas pesquisas de intenção de voto. Doria e Haddad foram beneficiados na reta final pelo voto útil que lhes era inicialmente destinado.
Celso Russomanno, em trajetória descendente desde o início da campanha que desta vez durou apenas 45 dias, terminou a eleição com menos de 14%. Seus primeiros eleitores caminharam para a candidatura de Doria para eliminar Haddad de vez..
Marta Suplicy (PMDB) ficou com pouco mais de 10%. E Luiza Erundina (Psol) não chegou a 3,5%.
A vitória do candidato articulado pelo governador Geraldo Alckmin foi o produto de valores que se entrelaçaram nesse processo.
Doria insistiu em sua propaganda no fato de não ser político. Não é bem o caso, na medida em que disputou um cargo público e se enquadrou nas regras do jogo partidário e eleitoral.
No entanto, ele se favoreceu de um primeiro contraste, no momento em que a classe política está, como um todo, excepcionalmente mais desmoralizada que o de costume.
O segundo contraste é mais sutil. Como cidadão que enriqueceu como empresário, sua constante autoevocação como alguém que trabalha desde a adolescência o coloca no plano do empreendedor bem-sucedido e fixa sua adesão à economia de mercado.
Esse posicionamento teria sido problemático em meados da década passada, quando Lula era presidente de altíssima popularidade, e o Partido dos Trabalhadores privilegiava o Estado, e não o empreendedorismo.
Aliás, no último debate, o da Rede Globo (29/09), ele se saiu bem ao ser acusado por Luiza Erundina de desejar um Estado pequeno.
O próprio Haddad, em declarações logo após ter votado neste domingo (02/10), e ainda esperançoso de poder disputar com Doria o segundo turno, afirmou que entre ele e o candidato tucano a disputa se daria em torno das privatizações.
Mas o sucesso eleitoral de Doria demonstrou que, com relação ao Estado, o clima agora é outro. O desequilíbrio fiscal e a recessão que quebraram o Estado e deixaram as empresas em dificuldades pelas quais elas não foram responsáveis.
O TABU DAS PRIVATIZAÇÕES
Há na mesma direção a questão da privatização. A cultura política consensual no pós-FHC gerou o curioso sentimento segundo o qual a entrega de estatais ao capital privado e as próprias parcerias público-privado significavam uma perda do patrimônio coletivo, numa percepção em que o eleitor se sentia de alguma maneira lesado.
É uma ideologia frágil e meio difusa, desmentida pelas concessões dos governos petistas e concretamente negadas pela Lava Jato, que demonstrou que a maior parte das estatais se tornara um cofre violentado pela corrupção.
Mesmo assim, Doria acreditou que as privatizações não eram mais um tabu, e já no início da campanha prometeu se desfazer de equipamentos públicos emblemáticos (Pacaembu, Anhembi, autódromo de Interlagos). O candidato tucano acertou.
Some-se a esse conjunto de fatores o fato de Haddad, Marta e a própria Luiza Erundina (Psol) estarem biograficamente associados a um petismo que o eleitor médio passou a desprezar.
Não era esse o perfil de Russomanno, mas o precedente das eleições de 2012 deixava prever que ele novamente entraria em autocombustão eleitoral.
Doria ainda levou a melhor porque era a peça menos vulnerável, no tablado em que as demais peças se entregaram a uma espécie de antropofagia de intenções de voto.
Marta, com uma presença na periferia que o PMDB jamais teve, se apresentou como mais competente e experiente que Haddad, que, por sua vez, a atacou pelos vínculos dela com Michel Temer e com o ex-prefeito Gilberto Kassab, numa operação que não prosperou.
Marta e Haddad se uniram informalmente para conter qualquer possibilidade de crescimento de Erundina. Nesse jogo, perderam o candidato petista e suas ex-companheiras de PT.
O VOO DE GALINHA DE RUSSOMANNO
Havia, por fim, Russomanno. A sorte de Doria consistiu em perceber que, pelo recall das eleições de 2012, o candidato do PRB saiu em primeiro lugar nas pesquisas, e nessa posição permaneceu por três semanas.
Foi o bastante para que Russomanno fosse escolhido como alvo de uma operação em que o trio petista dissecou sua recente biografia.
Ao lado de seus primeiros posicionamentos agressivos com relação ao Uber, o concorrente do PRB passou a perder um ponto percentual por dia e quase sucumbir às versões sobre a falência do Bar do Alemão, de propriedade dele em Brasília.
Doria também tinha na bagagem seus próprios calcanhares de Aquiles, como os 200 metros quadrados de terreno municipal de Campos do Jordão que ele procurou incorporar à sua propriedade, e a suposta transformação do Brasil em mercado do turismo sexual, em razão da publicidade que ele produziu nos anos 1980, como presidente da Embratur.
Mas em torno desses tópicos ocorreu algo curioso. Os petistas e simpatizantes tentaram levantá-los com ênfase nas redes sociais. Eram, no entanto, acusações que não chegavam a viralizar na internet. Tinham fôlego curto.
Esse conjunto de circunstâncias favoráveis se deu apesar de a candidatura de Doria ter sofrido os efeitos de um grande pecado original dentro do PSDB, onde, ao vencer as prévias internas, foi acusado de fraude e compra de votos, levando uma parcela importante do partido a se posicionar abertamente contra ele.
Ao se eleger, ele não não será integralmente um tucano, mas o tucano gerado nos laboratórios do governador Geraldo Alckmin, que, por meio dele, fortalece seu projeto presidencial para 2018.
FOTO: Jales Valquer/FotoArena/Estadão Conteúdo