Como as democracias morrem
‘O maior problema para as instituições brasileiras talvez seja o da corrosão da convivência social, com a radicalização dos grupos sociais, que impede a criação de uma zona de convergência capaz de permitir o diálogo entre contrários’
Antonio Gramsci, filósofo comunista italiano, argumentava que a tomada do poder nos países ocidentais pelo uso da força, como foi na Rússia, não seria viável, porque essas nações possuíam instituições sólidas que representariam barreiras. Pregava, então, uma estratégia gradativa de “transição para o socialismo”, que ele chamava de “guerra de posição”, em substituição à “guerra de movimento” da tomada pela força.
Assim, surgiu no século XX um movimento internacional que procura minar a democracia em muitos países, inclusive no Brasil, em processo lento e gradativo de destruição das instituições burguesas, para a implantação do socialismo, como etapa para a implantação do comunismo.
Gramsci desenvolveu novos conceitos, e utilizou os existentes com significados diferentes, mas a “luta de classes”, sob nova roupagem, continuou a ser o instrumento principal. Pregava a necessidade de “neutralizar” as instituições burguesas pela infiltração, pela desmoralização, e pelos ataques constantes.
Como instituições que deviam ser “neutralizadas” mencionava as forças armadas, a polícia, a igreja, e o parlamento e, as que deviam ser ocupadas, os meios de comunicação social, as universidades, as ONGs, as artes, as comunidades (acadêmicas e de minorias), muitas vezes sem vinculação direta como o partido.
Assim, quando Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em seu livro “Como as Democracias Morrem” afirmam que as democracias não morrem apenas por meio dos golpes militares, ou de aristocratas tiranos, estão constatando que a estratégia gramsciana efetivamente funciona.
Levitsky e Ziblatt afirmam que no mundo ocidental o enfraquecimento democrático se dá de forma gradual e minando os princípios democráticos por dentro. Definem as instituições como as normas escritas (Constituições, Leis e Regulamentos) e não escritas, como uso e costumes comumente aceitos. Afirmam que as “as normas legais escritas que regem a vida do país não serão suficientes para garantir a governabilidade e o progresso, se não contarem com um grau de adesão voluntária da maioria da sociedade, que com elas se identifique, e as defenda, e garantam um espaço de “tolerância mútua” aos grupos com posicionamentos contrários, mas que tenham como valores comuns o regime democrático e o respeito à divergência.
Na medida em que esse “espaço de convergência” vai se estreitando, a democracia começa a correr riscos de definhar, gradual, mas persistentemente. São sinais de alerta a erosão das normas políticas, rejeição ao respeito mútuo e a negação da legitimidade do oponente.
Aplicando essa análise ao Brasil, até que ponto as instituições estão funcionando a contento? A Constituição, base de todas as instituições, tem servido para dar segurança aos cidadãos?
Quando se observa que ela pode ser mudada em uma noite de forma bastante expressiva, enfraquece essa segurança, pois o texto constitucional, para ser efetivo, precisa ser estável e somente ser alterado cumprindo um ritual que assegure o devido debate e de forma a refletir claramente uma necessidade ou um anseio da população.
Se quanto à forma a Constituição não tem sido respeitada, e quanto a seu conteúdo? Ela garante liberdade de expressão e de iniciativa, o legítimo direito de defesa e o devido processo legal, a harmonia entre os Poderes, o que parece não ser o que ocorre atualmente.
O Supremo, com o excesso de decisões monocráticas, perde seu aspecto de “colegialidade”, que permite maior debate e ponderações sobre as ações, o Executivo não aceita se curvar às leis, normas ou regras que limitem seu poder de nomear ou interferir em órgãos estatais, e o Congresso parece mais preocupada em garantir seu controle dos recursos orçamentários.
O maior problema para as instituições brasileiras talvez seja o da “corrosão da convivência social” com a radicalização dos grupos sociais, que impede a criação de uma “zona de convergência” capaz de permitir o diálogo entre contrários, mas que tenham como ponto comum a aceitação do direito à divergência, a defesa da democracia e a busca do desenvolvimento econômico e social.
Esse desafio não é apenas do governo em seus três níveis, mas depende de todos os que exercem algum tipo de liderança em qualquer segmento econômico e social.
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