Com a economia em frangalhos, varejo aperta o cinto à espera da retomada

Quase 100 mil lojas fechadas, queda generalizada de vendas e desemprego maciço. Eis o raio-X do comércio brasileiro –ainda mais dramático no mercado paulista

Renato Carbonari Ibelli
12/Abr/2016
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Com a economia em frangalhos, varejo aperta o cinto  à espera da retomada

O varejo brasileiro atravessa a maior crise dos últimos 15 anos. Não se trata de um momento, mas de um processo que se arrasta desde 2014, quando a desaceleração das vendas e do faturamento do setor ganhou força.

É assustador e sem precedentes na história do mercado nacional o número de comerciantes que não suportaram a situação e baixaram as portas definitivamente. 

Em 2015, segundo um levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC), 95,4 mil lojas fecharam no país. Trata-se de um número expressivo: equivale a soma das lojas abertas entre 2011 e 2014.

Isso significa que a expansão física que o varejo brasileiro obteve em quatro anos foi totalmente anulada no ano passado.

O quadro é mais delicado quando se observa a realidade do Estado de São Paulo. Se as vendas do varejo brasileiro recuaram 4,3% ao longo de 2015, segundo o IBGE, o recorte feito pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) para o estado aponta uma queda ainda maior, de 5,9%. 

Praticamente um terço das lojas que fecharam no ano passado se localizavam no Estado de São Paulo. Foram 28,9 mil. O varejo paulista é mais sensível aos problemas globais da economia. 

Quando a indústria, que tem forte peso na região, começa a demitir, o reflexo no consumo é instantâneo. “A indústria é grande empregadora e paga os maiores salários. Se demite, os reflexos são espraiados para os outros setores”, afirma Marcel Solimeo, economista-chefe da ACSP.

E em 2015 a indústria paulista perdeu 226 mil postos de trabalho. Foram famílias que tiveram suas rendas e hábitos de consumo comprometidos.

O varejo não sente apenas o impacto daqueles trabalhadores que deixaram de consumir por estarem desempregados.

Como em um efeito dominó, o aumento do desemprego derruba a confiança do universo de consumidores, que preferem conter os gastos por pressentirem que podem ser os próximos a deixarem o mercado de trabalho.  

O Índice Nacional de Confiança (INC) da ACSP, que mostra a disposição do brasileiro em gastar, está no patamar histórico mais baixo da última década, registrando, em março deste ano, 73 pontos.

No Sudeste, o índice é ainda menor, de 57 pontos. O INC varia de zero a 200 pontos, sendo que os resultados abaixo de 100 pontos denotam pessimismo. 

Além do aumento do desemprego, a queda da renda é outro fator que influencia a confiança do consumidor. E com a inflação elevada, em 9,39% nos últimos 12 meses, cresce a percepção de que o salário é cada vez mais curto.    

Dados apresentados na ACSP pelo consultor Hugo Bethlem, do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), apontam que a renda de metade da população brasileira é R$ 2,2 mil, valor considerado baixo por ele, o que explicaria o recuo no consumo em um momento de crise e incertezas.  

Com o pessimismo do consumidor avançando em 2016, é difícil projetar um cenário otimista para o varejo. Na realidade, o ano começou com números extremamente preocupantes para o setor. 

Considerando apenas os meses de janeiro e fevereiro, o comércio varejista do Estado de São Paulo perdeu 36,4 mil postos de trabalho segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

A despeito de fatores sazonais, esse número equivale praticamente à metade das vagas de emprego perdidas ao longo de todo o ano de 2015. 

“O comércio segurou até quando pode as demissões, mas passou a ser uma questão de sobrevivência”, diz Solimeo, que levanta outra questão preocupante decorrente dessas demissões: “O varejo tende a ser o primeiro emprego dos jovens. Essa porta de entrada foi fechada e não há alternativas nos outros setores, que também passam por dificuldades”.

UMA DURA (E LONGA) REALIDADE

As projeções dos economistas da ACSP, que levam em conta a intenção de compra do consumidor, apontam aumento na intensidade da queda das vendas do varejo paulista.

Tendo como parâmetro o resultado acumulado em 12 meses, eles prevêem que a queda - que era de 5,9% ao final de 2015 - chegará a 7,4% ainda no primeiro semestre. 

Os economistas da ACSP preferem não projetar o que irá acontecer da metade do ano para frente, mas alguns empresários estão prevendo que a crise se estenderá para além desse parâmetro.

Para Flávio Rocha, CEO da Riachuelo, além deste, o país enfrentará mais dois anos de crise. 

"Estamos amargando o fechamento de quase 100 mil lojas. É como se, em 2015, todos os shoppings tivessem fechado suas portas.

Nesse ciclo de queda na livre na economia, que pode demorar ate 2018, a tônica é preservar o caixa”, disse Rocha no 4° Fórum Nacional do Varejo. 

As perspectivas traçadas pela Tendências Consultoria são ainda mais negativas. Elas apontam que as perdas nas vendas do varejo acumuladas entre 2015 e 2016 só serão recuperadas entre 2021 e 2022.

Vale lembrar que um dos grandes propulsores do varejo foi a política de estímulo ao consumo que vem desde o primeiro ano do governo Lula.

O modelo, baseado na valorização do salário mínimo, na desoneração tributária para alguns setores, entre outros incentivos, é considerado superado por economistas.

O próprio governo abriu mão desse modelo, embora tenha demorado muito para tomar essa decisão. Mas então, o que ajudará a impulsionar o comércio para fora da crise pela qual atravessa? 

Para Solimeo, a recuperação do varejo tem de ser consequência de uma retomada sólida do crescimento do país.

“O aumento do consumo tem de ser uma decorrência do desenvolvimento, não a mola desse desenvolvimento”, diz o economista. “O consumo vem em decorrência dos investimentos, das exportações, que obrigam as empresas a contratarem, permitindo a recuperação da renda”, completa.

Evidentemente esse será um processo longo, mas no meio dessa retomada a confiança do consumidor começaria a ser resgatada, o que, segundo Solimeo, já poderia favorecer um pouco o varejo.

Ele pondera, entretanto, que a confiança depende de fatores concretos, como recuperação efetiva do emprego, a queda da inflação que reflete no poder de compra, e não apenas de estímulos psicológicos.

Nesse meio tempo, o varejista terá de segurar as pontas, de acordo com Luiza Trajano, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV).

“As empresas se adaptaram para viver melhor e entraram esse ano com pé no chão, apertando custos, fazendo mais com menos e se voltando mais para o consumidor. Aliás, esse vai ser o mote em 2016”, disse a empresária durante o 4° Fórum Nacional do Varejo.

PROBLEMA GENERALIZADO 

A crise pela qual atravessa o varejo brasileiro -sentida  mais fortemente pelos comerciantes do Estado de São Paulo– hoje é generalizada. Segmentos que até o ano passado surpreendentemente pareciam ignorar a recessão, começaram 2016 com perdas expressivas. 

Segundo dados da ACSP para o Estado de São Paulo, o segmento de farmácias e perfumarias, que em 2014 e 2015 mantinha boas altas nas vendas (acima de 3%) e no faturamento (acima de 10%), experimentou um choque de realidade nesse começo de ano. Em janeiro, as vendas do segmento despencaram 9,3%. 

O segmento supermercadista, que fechou 2015 com alta de 0,6% nas vendas, segundo a ACSP amargou queda de 12,1% no primeiro mês deste ano.     

Cláudio Felisoni de Ângelo, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar), também crê em um 2016 complicado.

“Será um espelho do que está acontecendo: uma queda muito grande da renda real das famílias, a subida da taxa de juros em quase 12 pontos percentuais, o desemprego e a insegurança em relação ao emprego. Tudo isso não deixa dúvida de que nós teremos um  ano muito complicado, que se traduzirá na queda das vendas", diz Felisoni.

*Com Karina Lignelli; Fátima Fernandes e Rejane Tamoto

Arte: William Chaussê

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