Bets impactam emprego e vendas no comércio e no varejo
‘Estudo realizado pela Mosaiclab envolvendo 4 mil brasileiros com 18 anos ou mais mostra que 22% deles apostam frequentemente em bets, sendo que 4% comprometem significativamente o orçamento’
O fato aí está e é incontestável. Basta acompanhar a aumento da presença das bets (ou, tecnicamente, AEO – Apostas Esportivas Online) na mídia convencional, na digital, nos patrocínios de times, estádios e competições esportivas para perceber o tamanho desse negócio no Brasil atual e com crescimento explosivo nos últimos anos.
Alguns estudos apontam que o total de apostas já é de R$ 100 bilhões anuais, perto de 1% do PIB com um crescimento de 71% sobre 2020 e com gastos mensais podendo chegar a 20% do orçamento das famílias de baixa renda. E com parte dos benefícios dos programas assistenciais, Bolsa Família/Auxílio Brasil/Auxílio Desemprego, sendo redirecionada para as apostas.
O que pouco tem sido discutido, até por conveniência, é seu impacto no consumo, no comércio e no varejo com queda de vendas e com redução do emprego, pois o total desse valor gasto em apostas é esterilizado sob o ponto de vista de consumo interno, inclusive de alimentos, e migra em parte para o exterior.
Com a regulamentação publicada em dezembro de 2023 haverá aumento de arrecadação, estimada entre 2 e 6 bilhões de reais, algo que para o governo é motivo para a aprovação tácita.
Na mídia convencional ou digital o volume do investimento publicitário é muito bem-vindo e razão para comemoração gerando aumento do custo dos espaços. Em 2024, estima-se que os negócios de apostas online devem representar 3% do investimento publicitário total nas TVs abertas e perto de 20% dos intervalos de eventos e programas esportivos.
Dos clubes da série A no Campeonato Brasileiro de futebol, 75% deles têm seus principais patrocínios dos negócios de apostas.
O Corinthians teve Vai de Bet com investimento de R$ 120 milhões anuais, que seria o maior patrocínio do futebol brasileiro, mas que foi rescindido em junho por conta de situação envolvendo alegados repasses indevidos de valores de comissão pagas. Mas ficou a referência do valor.
O Flamengo tem Pixbet, com R$ 85 milhões, e o São Paulo com a Superbet, com R$ 52 milhões por ano.
Mas também envolve naming rights, como no estádio da Fonte Nova, em Salvador, que foi renomeado para Casa de Apostas Arena Fonte Nova, com investimento de R$ 52 milhões por quatro temporadas.
Além do futebol, o vôlei, de quadra ou praia, o basquete, os eSports e muitos mais. E tudo indica que vai ainda crescer e expandir pela atratividade e ilusão criadas.
Nos primeiros quatro meses de 2024, os brasileiros teriam gasto cerca de R$ 18,5 bilhões em apostas, um aumento de 32% em comparação com o mesmo período do ano anterior.
De acordo com estudo realizado pela Mosaiclab em junho de 2024 envolvendo 4 mil brasileiros com 18 anos ou mais, 22% deles apostam frequentemente em bets, sendo que 4% dos participantes relataram que essas apostas têm impactado de forma significativa seu orçamento, dificultando a compra de outros itens essenciais.
Outra pesquisa realizada pela Futuros Possíveis, com base em 1.600 entrevistas no Brasil, mostra que 36% dos pesquisados afirmam já ter apostado online, 78% aposta com frequência ou ocasionalmente e as apostas habituais são mais mencionadas por entrevistados da região Nordeste. Destaca ainda que para 80% dos pesquisados o gasto é de até R$ 100 por aposta e existe uma predominância de 58% de usuários de baixa renda.
É fato de que essa realidade não ocorre apenas no Brasil já que seu impacto também atinge outros países.
Nos EUA estima-se que a receita bruta dessas apostas tenha sido de US$ 7 bilhões em 2022, de acordo com a DraftKings, e o total de apostas represente US$ 100 bilhões, ou 0,4% do PIB por lá.
Dentre as principais plataformas no Brasil estão Bet365, Betano, BetFair, 1xBet, Betway e Sportsbet.io, usualmente operando multimarcas e são parte de grupos globais como Entain, Flutter Entertainment e vários outros e que têm suas sedes em Malta, Curaçao, Ilha de Man, Reino Unido e Irlanda, países que têm incentivos fiscais, regulamentação, infraestrutura e ambiente legal para abrigar esses negócios.
E qual o resultado das apostas?
O governo aceita e valoriza pois aumenta a arrecadação; veículos de comunicação aumentam suas receitas publicitárias; atletas do presente e do passado, influencers ganham mais para fazer parte do jogo; entidades esportivas, estádios e clubes faturam mais com os direitos comercializados; sites e plataformas ampliam suas receitas… Mas, afinal, por que preocupações com o crescimento das apostas esportivas online? Simples.
O crescimento endêmico desse mercado está tirando renda, vendas, consumo e emprego. Até mesmo o que é recebido como auxílio governamental do consumo. E, consequentemente, impactando o varejo e o comércio no Brasil.
Sem falar do que retira de dinheiro do país, que acaba indo para o exterior, já que os controladores estão em sua esmagadora maioria por lá.
Existe um processo de esterilização de parte significativa desse volume que roda nessa espiral de apostas e negócios.
E que esse quadro merece uma mais ampla reflexão, com a consciência de que os interesses envolvidos nesse jogo são bem maiores do que temos imaginado.
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