As palavras-chave que nortearam o SXSW
O maior festival de inovação do mundo também foi palco para se debater relações humanas, com destaque para as ações do chef espanhol José Andrés (foto), que por meio da World Center Kitchen distribui comida em áreas de desastres
Conhecido por ser um lugar de lançamentos e palpites certeiros sobre o futuro, o festival anual South by Southwest (SXSW) chegou a sua 37ª edição na última semana, em Austin, no Texas. Com foco em inovação, o evento ficou famoso por misturar de tudo um pouco, como filmes, música, negócios e tecnologia.
Na oportunidade, além das apresentações e previsões futuristas, grandes marcas aproveitam para fazer suas ativações e mostrar como têm trabalhado a inovação em seus produtos. Deste contexto, surgem grandes tendências que regem a economia e ajudam muitos negócios a compreender qual pode ser a próxima fase de sua evolução.
Com base nisso, confira quatro insights do evento que é considerado o maior fórum de inovação e economia criativa do mundo:
Filantropia - A missão de "reconstruir" um mundo melhor certamente passa pela filantropia. Ao compartilhar a sua história e experiência durante o SXSW, o chef espanhol José Andrés expôs que mesmo com toda a abundância de dados, conhecimento e tecnologia diante de nós, podemos estar coletivamente falhando em elaborar soluções efetivas para solucionar os grandes problemas da nossa época.
Fundador de um grupo de 19 restaurantes, Andrés criou, em 2010, a World Center Kitchen (WCK) — uma iniciativa de “crowdsourcing de comida” que é mobilizada cada vez que um grande desastre acontece no mundo.
Além de uma equipe própria, composta por chefs voluntários do mundo todo, a WCK chega aos países ativando a rede local de mercados e restaurantes para primeiro alimentar quem precisa de comida – e depois reativar a economia local a partir destes negócios.
Para ele, a filantropia e esse modelo colaborativo de agir tem como propósito a libertação de quem a recebe, e não a redenção de quem doa. E é nessa movimentação que muitos negócios podem surgir ou ser ajudados.
Apesar de depender da generosidade alheia para manter a WCK funcionando, José se mostrou pouco favorável a apenas receber doações em dinheiro. É preciso movimentação e comprometimento, segundo ele.
Com muitos profissionais envolvidos na jornada da filantropia, o chef disse que será possível agir de forma mais certeira todos os dias e em todo o mundo nas circunstâncias mais difíceis.
Comunidade - O evento também trouxe um debate super aprofundado sobre o papel das redes sociais para a criação de comunidades, moderação de conteúdo e como proteger as minorias nesses ambientes.
Alguns especialistas falaram sobre a complexidade de se moderar conteúdo, considerando os diferentes idiomas e os diferentes contextos, sem atrapalhar qualquer liberdade de expressão. Foi consenso dizer que ainda há muito a ser feito dentro das plataformas para encontrar uma forma de proteger as minorias para que elas possam ser quem elas, de fato, querem ser.
E onde sua marca entra nessa conversa? Esse recorte mostra que construir comunidades não é algo fácil. Embora a ideia de transformar cliente em um defensor da marca não seja uma tática nova no varejo, a tecnologia elevou seu potencial de sucesso.
Os usuários estão afogados em conteúdo e assim, o consumo fica mais disperso - e isso reforça o potencial de se conectar de maneira mais micro, ou seja, de se formar uma comunidade ao redor de uma marca. Nesse sentido, os microinfluenciadores devem ser vistos como uma porta de acesso a essas comunidades e não como uma oportunidade de venda imediata.
Nesse contexto se destacam as marcas que entendem pessoas e suas dores em um mundo regido pela inteligência artificial. Os círculos criados em torno de influenciadores, empresas ou até mesmo de um objetivo comum são alguns exemplos dessas comunidades.
Sabendo então da importância das comunidades, muitos projetos com NFTs têm feito disso uma estratégia para levar benefícios ao metaverso quando essas comunidades estiverem interagindo.
Por essa razão, grandes marcas têm entrado no mundo de NFTs porque elas têm a perspectiva de que as comunidades formadas por elas sejam compostas de clientes fiéis cuja força pode ser muito maior para o marketing delas do que um marketing automatizado.
A ideia é de que no futuro as comunidades virtuais serão como as cidades e países dentro do metaverso, cada uma representando uma marca ou projeto.
Longevidade - Como imaginamos o nosso próprio envelhecimento? Seremos ativos, tranquilos, cansados, debilitados?
Muitos debates surgiram em torno da ideia de como se preparar para viver bem uma vida de cem anos e enfrentar o envelhecimento da população, bem como superar e modificar as concepções tradicionais sobre longevidade.
Estamos diante de uma nova geração de sessentões, que são habilidosas em tecnologia, socialmente conscientes e, à medida que envelhecem, querem aproveitar ao máximo a vida, e deixar para trás a fórmula de estudar, trabalhar e aposentar.
À medida que envelhecem, eles não querem perder sua capacidade produtiva, hábitos saudáveis, e muito menos parar de trabalhar - e tudo isso, com saúde. Durante sua apresentação, Peter Kaides, presidente e CEO da American Society On Aging, destacou o papel das empresas para transformar estatísticas em realidade.
Outro termo que surge nessa seara é o etarismo (preconceito por diferenças geracionais), e Kaides entende que somos todos responsáveis pelo preconceito da sociedade diante de pessoas mais velhas.
Em geral, publicidade, marcas e empresas ainda retratam a velhice com pena reforçando os velhos pensamentos acerca desse momento, algo que devem ser combatidos.
Relacionamento humano - Autor do livro “The Light We Give: How Sikh Wisdom Can Transform Your Life”, Simran Jeet Singh, diretor do Programa de Religião e Sociedade do Aspen Institute, foi o grande destaque da SXSW.
Sem nenhuma fala sobre grandes lançamentos inovadores, Simran assegurou que não há motivação para falar tanto de tecnologia se ainda não resolvemos nem o fator elementar de conviver com as diferenças humanas.
Filho de imigrantes indianos e nascido no Texas, ele diz ter sentido as mesmas dificuldades de outras maiorias minorizadas, como, por exemplo, ter sido confundido com um terrorista aos onze anos de idade por usar turbante.
Longe de pregar uma positividade tóxica e fincado em fundamentos religiosos, Simran diz preferir dialogar com aqueles que não o amam e de alguma forma, encontrar empatia naquela comunicação.
Mas como ter compaixão ou qualquer sentimento positivo por quem pensa de forma tão diferente e não nos suporta simplesmente pelo fato de existirmos?
O primeiro passo, segundo Simran, é buscar coisas em comum ou pensar o que faríamos se estivéssemos na posição do outro, além de entender que tudo está interconectado. Uma postura claramente baseada na crença Charhdi Kala, um termo em Punjabi que remete à manutenção do estado mental de forma resiliente, otimista e alegre.
Por fim, o autor fala que a nossa conduta na vida não é sobre gostar ou deixar de gostar, e sim, aprender a se relacionar - um exercício para pessoas e marcas, que desejam refletir sobre um futuro completamente inclusivo. Afinal, sua empresa está preocupada em se tornar cada vez melhor ou está confortável em manter nossas diferenças?
IMAGEM: SXSW/divulgação