ACSP 130 anos - Solimeo: ‘A Associação sempre esteve na vida política e econômica do país’

Na entidade há mais de 61 anos, economista vive as transformações do país, nas quais a ACSP tem participação ativa

Vitor Nuzzi - DC News
06/Dez/2024
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ACSP 130 anos - Solimeo: ‘A Associação sempre esteve na vida política e econômica do país’

Marcel Solimeo entrou na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) em 11 de setembro de 1963, uma quarta-feira, quando o país vivia turbulências políticas que levariam à deposição do governo seis meses depois. Já no dia seguinte ao de sua chegada, por exemplo, houve uma revolta de sargentos, cabos e suboficiais da Aeronáutica e da Marinha, aumentando a fogueira da crise. “Período conturbado é o que não faltava”, disse o economista, formado justamente naquele ano pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). De sua sala na sede da associação, na Rua Boa Vista, 51 – durante 50 anos no sétimo andar, e agora no décimo –, acompanhou oito planos econômicos, viu o “milagre” brasileiro emergir e submergir, acompanhou 15 presidentes da ACSP e observou as trajetórias de 14 presidentes da República (excluindo tampões). O país ganhou protagonismo, mas nunca deixou de conviver com crises.

Aos 87 anos, sendo 61 dentro da Associação Comercial, ele é superintendente do Instituto de Economia Gastão Vidigal e assessor político e econômico da presidência da ACSP. Solimeo teve como missão interpretar para os empresários os sucessivos e malsucedidos (com exceção do Real, em 1994) planos de estabilização. Conviveu com ministros e foi até aluno de um deles (Delfim Netto). E considera que a entidade sempre teve protagonismo histórico, até com presidentes presos durante as revoluções de 1924 e 1932, além da atuação ativa durante os trabalhos parlamentares que resultaram na Constituição de 1988, quando o Simples começou a nascer.

A ACSP, que fará 130 anos no sábado (7), preserva duas características que ele considera fundamentais: é multissetorial e independente de governo. Isso permite atuação mais abrangente, envolvendo vários agentes econômicos. Sem nunca descuidar do olhar local, por ser uma entidade originalmente municipalista. “Que nasce de baixo pra cima. Ela nasce quando os empresários sentem que uma necessidade pode ser melhor resolvida em conjunto.”

 

AGÊNCIA DC NEWS – Antes de falar da Associação Comercial, gostaria de falar do período em que o senhor entrou aqui (1963). Foi o ano do Plano Trienal…

Marcel Solimeo – Entrei em setembro de 1963. Estávamos com o Plano Trienal, elaborado pelo Celso Furtado [então ministro do Planejamento], e o ministro da Fazenda era San Tiago Dantas. Mas nunca chegou a ser efetivamente implementado. Começou aquela crise política com Jango [o ex-presidente João Goulart] e acabou não tendo nenhum resultado prático.

 

Já havia voltado o presidencialismo [para garantir a posse de Jango, o país aprovou o sistema parlamentarista, que durou 14 meses]…

Já tinha voltado. E aí, seis meses depois, houve a queda do regime, a substituição da política geral e da política econômica também. Foi daí que veio o Paeg, plano de estabilização gradativa. [O Programa de Ação do Governo foi implementado ainda em 1964, sob o governo Castello Branco.]

 

O senhor acompanhou muitos planos

Oito.

 

De 1964 em diante?

Teve o Paeg e depois o período do [chamado] “milagre” econômico. Plano Cruzado, Cruzado Novo, Bresser, Verão, Collor 1 e 2. Foi aquela sucessão de planos, até chegar no Plano Real [implementado em 1994]. E várias moedas também.

 

Como economista, muito trabalho para interpretar tantos planos.

Sim. A gente tinha a função aqui de traduzir os planos para os empresários, para eles se adaptarem ou pelo menos cumprir. Eram muitas mudanças. Teve congelamento, controle de preços… Várias etapas. Começou com a Sunab [Superintendência Nacional de Abastecimento], que tabelava alimentos. No Plano Cruzado, congelamento geral. Controle de preços com Conep [Comissão Nacional de Estímulo à Estabilização de Preços]. Depois com CIP [Conselho Interministerial de Preços]. Tudo isso exigia esclarecimentos.

 

Para decifrar as medidas?

Entender, analisar do ponto de vista macro e traduzir numa linguagem para o empresário naquilo que o afetava. E, ao mesmo tempo, [dar base para] o posicionamento da entidade em relação às mudanças da política econômica.

 

Para o comerciante, a hiperinflação era o pior dos mundos?

Ah, foi. Diziam: ficam remarcando preço. Mas se não remarcar você não controla o produto para repor pelo que você vendeu. Isso trazia muitos problemas para gerenciar os estoques. E você não tinha como fazer uma política de preços com uma inflação que não deixava você saber qual ia ser o seu custo de reposição. Era muito difícil.

 

Foi a época dos Fiscais do Sarney [pessoas que iam aos supermercados, durante o Plano Cruzado, para denunciar a remarcação de preços].

Acabavam querendo crucificar o comerciante pela inflação em vez de identificar as causas. Inclusive, muitos quebraram por falta de rapidez em reajustar preços e manter margem. Foi um período muito conturbado. Aliás, período conturbado é que não faltava.

 

Econômico e político?

Sim.

 

O senhor está aqui há 61 anos, a Associação Comercial tem 130, então é 47% desse tempo, para fazer uma conta de economista. Foi um local privilegiado para acompanhar as transformações do país?

Fui um observador privilegiado. Porque nós estávamos inseridos nas discussões, que geravam contatos com o governo. Tive muitos contatos com ministros, presidentes de Banco Central, reuniões com o presidente [da República]. Foi um posto de observação muito privilegiado.

 

Qual ministro impressionou mais, positivamente?

Dependeu muito das circunstâncias. Depois de 1964, você teve política de estabilização gradativa. Bulhões [Octavio Gouvêa de Bulhões, 1906-1990 e ministro da Fazenda de 1964 a 1967] e Roberto Campos [1917-2001, ministro do Planejamento, também de 1964 a 1967], este mais no sentido geral da política, mas direcionamento era com o Bulhões, que era ministro da Fazenda. O Bulhões foi muito caxias, era muito firme. Para a época, acho que foi importante.

 

E o Delfim Netto?

Delfim teve várias fases. Inclusive, ele trabalhou na Associação Comercial muito tempo. Foi meu professor. E ele soube operacionalizar o “milagre”. Mas como tudo, em toda política, depende das circunstâncias, e ele teve uma favorável, que foi a situação externa. Que depois, por outro lado, foi o que derrubou todo o “milagre”.

 

O choque do petróleo…

Quadruplicou o preço do barril. E o Brasil tinha uma vulnerabilidade externa. Você pega um país endividado, a dívida quadruplicou de repente… O dólar é um fator regulador dos preços internos, para o bem e para o mal. Quando o dólar subiu, o preço vai junto.

 

Qual a principal característica em Delfim Netto?

Ele era um gestor. Acompanhava o desempenho da economia no detalhe. Eles tinham, lá no ministério, a “sala da situação”, está faltando arroz, está faltando aquilo, com medidas pontuais também. Talvez pelo fato de ele ter trabalho na Associação Comercial, conhecer os empresários. Ele não manipulava os índices. O que ele fazia era o seguinte: ‘Está faltando arroz?’. Ele ligava e dizia: ‘Abre uma linha especial de crédito para importação de arroz’. Ele administrava. Foi importante para a trajetória da economia.

 

E depois dele?

Malan [Pedro Malan, ministro da Fazenda nos governos Fernando Henrique Cardoso] foi um ministro sereno, que dava confiança. Era afável no tratamento, e passava confiança. Não fazia pirotecnia.

 

E algum dava arrepios no senhor?

O Dilson Funaro [1933-1989, ministro da Fazenda no governo José Sarney]. Eu já o conhecia, foi da Fiesp, da Trol [empresa do qual foi dono], comerciante. Quando fizeram o Plano Cruzado, ele acreditava [no plano].

 

E vocês fizeram algum alerta?

Nós fomos aqui, um grupo de empresários, conversar com ele, uns três meses depois do Plano Cruzado. E dissemos que se não desse alguma liberação ia dar desabastecimento total. Falamos uns 10 minutos, ele falou 30. Sempre na linha de que não ia precisar de descongelamento, porque ia ter deflação. Estava fora da realidade, nesse aspecto. Mas pessoalmente foi muito afável. Sempre me dei bem com ele, foi secretário da Fazenda aqui, tudo isso. Mas ele ficou messiânico, achando que ia o plano funcionar.

 

E o Plano Collor?

Foi o que assustou mesmo. Não só pelo plano, mas pela concepção e pela execução. E o pessoal acreditando naquilo…

 

Na bala de prata pra matar o tigre da inflação… [Ao assumir, em março de 1990, o presidente Fernando Collor disse que tinha uma “bala de prata” para controlar os preços.]

A concepção foi equivocada. Pastore [Affonso Celso Pastore, 1939-2024, presidente do Banco Central de 1983 a 1985] definiu bem o plano: implodiram o prédio errado. Qual foi a lógica? Congelar estoque de moeda. Mas lá [Alemanha, Japão] você teve destruição física da produção, você tinha que tirar o excesso de dinheiro para equilibrar com a produção. Não tinha jeito. Sem giro de dinheiro, a economia pararia. Aqui não tinha tido destruição da produção. E o governo continuava emitindo moeda. Não cuidaram da parte fiscal. Destruíram o prédio errado, o financeiro, lá do Banco Central, em vez do fiscal. Aí não sabiam mais o que fazer e veio o Collor 2, um congelamento de preços que acabou furando por todos os lados.

 

Por que não deu certo?

Porque faltava um elemento fundamental: credibilidade. Quando o Colllor entrou, gerou uma expectativa, pelo discurso dele, de austeridade. Mas foi pro lado contrário.

 

Como o senhor vê o papel estratégico da Associação Comercial?

Quando entrei, me adaptei muito facilmente, porque os princípios e valores eram os mesmos. Foi, inclusive, o que me manteve todo esse tempo. Liberalismo na economia, democracia e liberdade de empreender eram valores que eu trazia. E a Associação Comercial, em alguns períodos, foi inclusive protagonista da história. Na revolução de 1924 e na revolução de 1932, teve presidentes presos e exilados [José Carlos de Macedo Soares e Carlos de Souza Nazareth, respectivamente.]

 

E com presença na Assembleia Nacional Constituinte também, não?

Na Constituinte, teve participação ativa, com subsídios. Inclusive, o Guilherme Afif levou daqui os trabalhos e ideias, colocou aquela emenda que deu origem ao Simples. [Referência ao Artigo 179 da Constituição: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”.]

 

Ou seja, a entidade sempre esteve presente no debate econômico.

Acompanhou as mudanças na economia com o sentido de colaborar. Orientar os empresários e dialogar com o governo. São duas características muito importantes: uma multissetorial, que abrange tudo. E a segunda é a independência. Você não recebe recursos oficiais de nenhuma fonte.

 

E quais as vantagens com as duas?

O fato de ser multissetorial permitiu uma visão além dela como entidade específica de setor. Acaba tendo mais a preocupação geral, sendo um fórum de debate, discutindo problemas, tinha posição de industriais, comerciante, setor de serviços, profissionais liberais, você equilibrava tudo. Uma posição conservadora, mas mais ampla do que simplesmente o enfoque setorial. Nenhuma entidade chega a 130 anos se não desempenhar o seu papel.

 

E na gestão?

A Associação tem outra característica, que é a rotatividade de presidentes e diretores. E a entidade foi talvez pioneira, ao criar o Fórum de Jovens Empreendedores, de onde saíram várias personalidades hoje na política, no espírito da renovação. E tem outra característica diferente: ela é local. A Associação é uma entidade municipal. Que nasce de baixo pra cima. Ela nasce quando os empresários sentem uma necessidade e acreditam que podem resolver melhor os problemas em conjunto. E nesse aspecto municipal, teve uma importância muito grande: foi pioneira na descentralização. Antes de a prefeitura criar suas regionais, a Associação já tinha sedes distritais, que permite a ela uma visão local que vem para o fórum geral.

 

O fato de ser uma entidade municipalista não impediu a Associação de participar dos debates nacionais, certo?

Ela é municipal, mas o porte do município de São Paulo acaba fazendo com que ela tenha um peso estadual e até federal. E é parte de uma federação [Facesp], que por sua vez é parte de uma confederação [CACB]. Tem um sistema de associações comerciais que também permite a integração em nível nacional.

 

Por fim, qual o papel do Instituto de Economia Gastão Vidigal (IEGV), da ACSP?

O instituto foi criado em 1944 com o objetivo dar sustentação às ações da Associação Comercial, com análise da política econômica, da situação econômica do Brasil em relação ao exterior, fazer estudos para orientar a política da Associação e capacitar os empresários. No mesmo ano, foi criada a revista Digesto Econômico, que foi extremamente importante nos debates da política e da economia durante muitos anos. Inclusive, todos os debates de [Eugênio] Gudin versus Roberto Simonsen você tem tudo nas páginas da Digesto. Tem colaboração de personalidades importantes, como Gudin, Marcílio Marques Moreira, Rubens Ricupero, tem artigos muito bons, analisando a trajetória. É um pouco o retrato do Brasil, do ponto de vista político e econômico.

 

É assim que o senhor enxerga a Associação Comercial daqui pra frente, com esse olhar local, mas sem deixar de olhar para o país?

Acho que a Associação tem condições de se estruturar e continuar fazendo esse papel que tem feito, tanto a nível local, esse movimento todo em que ela está empenhada, do Viva o Centro, e no plano nacional, pelo seu porte. Mas não só pelo seu porte, também pelo peso que tem dentro da própria confederação, que é a soma das associações. Participar sempre da vida política e econômica do Brasil.

 

IMAGEM: ACSP/divulgação

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