ACSP 130 anos - Afif: ‘Temos história no empreendedorismo’
Ex-presidente define a entidade como conservadora, independente de governos e com a liberdade de expressão no seu DNA
O artigo 1º da Constituição promulgada em 1988 define que a República se constitui em um Estado Democrático de Direito, com seis fundamentos: cidadania, dignidade da pessoa humana, pluralismo político, soberania. E dois valores sociais – do trabalho e da livre iniciativa. Assim, a Carta põe esses valores em pé de igualdade. Mas há também dois artigos, menos lembrados, que mostram o quanto o empreendedorismo avançou nas últimas décadas. O Artigo 179, base do Simples, garante “tratamento diferenciado” às pequenas empresas. E o 150 determina medidas legais para esclarecer os consumidores a respeito de impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. Esse artigo abre a Seção II da Constituição – cujo título, por sinal, é Das Limitações do Poder de Tributar.
Atual secretário estadual de Projetos Estratégicos, Guilherme Afif Domingos conhece como poucos esse assunto. Ele estava em seu segundo mandato à frente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) – teve quatro, no total (1982/85, 1985/87, 2003/05, 2005/07) – quando teve candidatura a deputado federal constituinte lançada pelo movimento, em 1986. E foi o terceiro nome mais votado em todo o país, com quase 509 mil votos. Viveu de dentro as costuras para elaborar e aprovar a nova Carta. Com DNA do empreendedorismo. Simples, Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte e o Microemprendedor Individual (MEI) foram marcos legais idealizados e conquistados pelos empresários. “O MEI foi concebido inteirinho dentro da Associação Comercial, sob minha presidência”, disse Afif, que ressalta a importância da entidade em seus 130 anos de existência, que serão completados no sábado (7).
“Temos um capítulo na história do empreendedorismo que não é teórico, não é de discurso, é real, é palpável”, afirmou. “Até porque são mais de 15 milhões de MEIs, que antes estavam na informalidade e hoje o tamanho deles permite que sobrevivam sem ser massacrados pela burocracia. Embora haja muitas tentativas nesse sentido.” Aos 81 anos, o paulistano Afif sempre manteve sua atividade empresarial (presidiu a companhia de seguros Indiana), mas acumulou experiência e visão estratégica como gestor público. Além de deputado e senador, foi secretário municipal e estadual, em mais de um governo, ministro e vice-governador. E ainda presidente do antigo Badesp, o Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo. Entrou em março de 1976 na ACSP. Mas a rua Boa Vista, onde fica a sede da entidade, já fazia parte de sua vida profissional – ali ficava a Indiana. Além disso, era a mesma rua que abrigava uma das secretarias que comandou. “Então, dava expediente nas três a pé. Sou um centrista histórico.”
AGÊNCIA DC NEWS – Qual é a marca da ACSP?
Guilherme Afif Domingos – A Associação, desde a sua fundação, teve o princípio da defesa da livre iniciativa, defesa de mercado, da propriedade. Sempre teve uma posição conservadora. Essa foi a marca desde a fundação até os dias de hoje. E teve uma participação na história de São Paulo e do Brasil, com acontecimentos importantes. Desde a revolução de 1924, de 1932. Nas duas, tivemos presidentes presos e deportados. A Associação foi a intendência da Revolução de 1932.
Sem se ligar a governos?
Portanto, uma participação histórica muito grande. E sempre foi uma entidade com uma característica que não era a das entidades oficiais surgidas no tempo da ditadura do Getulio [Vargas]: era uma atitude absolutamente desligada de governo, independente de governo, e que sempre manteve a sua voz altiva e sem censura. Portanto, é uma entidade que tem a liberdade de expressão na sua veia, no seu DNA.
Participação política e nos movimentos pela liberdade econômica. Esse seria o papel institucional da entidade desde o começo?
Sim, e o papel operacional dela. Com o pioneirismo dos serviços de proteção ao crédito, que hoje virou uma empresa, que é a Boa Vista, hoje controlada pela Equifax, uma empresa multinacional da qual somos sócios da empresa-mãe.
Desde que chegou à ACSP, o senhor participou e liderou inúmeros movimentos dos empresários, como o de Olho no Imposto. É preciso continuar de olho em tudo isso?
Mais do que isso. Primeiro, é uma entidade que buscou seu nicho de representação e ela, então, teve na micro e pequena empresa a sua razão de existir. Até porque as grandes empresas não precisam de entidades que as defendam, elas têm representação por si só. Mas a micro e a pequena, e até as médias, têm necessidade de ter uma associação representativa de sua voz e de seus anseios.
Essa sempre foi sua preocupação?
Eu, pessoalmente, me empenhei nessa luta desde 1979, quando fizemos o 1º Congresso Brasileiro da Pequena Empresa. Teve em 1979, 1980, 1981 e o penúltimo em 1982, em Brasília, quando nós conquistamos o Estatuto da Micro Empresa, que foi o primeiro diploma de tratamento diferenciado aos pequenos.
E aí chegou a Constituinte.
Como a Constituição não tinha uma autorização específica para esse tratamento e que limitava o próprio desenvolvimento da lei, me empenharam na tarefa de representar o segmento na Assembleia Nacional Constituinte. E lá fui eu buscar uma cadeira na Constituinte em nome da Associação Comercial e de todos aqueles que acreditavam na mesma bandeira. Fomos eleitos com uma votação inesperada (508.931 votos como candidato a deputado pelo PL, que não é mesmo de hoje). Foi a terceira maior do país, atrás só de Ulysses (PMDB, 590.873) e Lula (PT, 651.763). E conseguimos conquistar o Artigo 179 da Constituição, que é o que manda e obriga União, estados e municípios a dar tratamento diferenciado aos pequenos.
Foi a semente do Simples.
Daí que surgiu o Simples, quando fomos representar as associações comerciais no Conselho Nacional do Sebrae. Comandamos a campanha pela criação do novo Estatuto da Micro e Pequena Empresa, de onde nasceu o Simples, o Simples Federal, depois o Simples Nacional e depois o MEI, que foi concebido inteirinho aí dentro da Associação, sob minha presidência. Portanto, temos um capítulo na história do empreendedorismo que não é teórico, não é de discurso, é real, é palpável. Até porque são mais de 15 milhões de MEIs, que antes estavam na informalidade e hoje o tamanho deles permite que sobrevivam sem ser massacrados pela burocracia. Embora haja muitas tentativas nesse sentido.
O Simples foi a marca de sua gestão?
Eu fui com o compromisso dos princípios da livre iniciativa e dos direitos da propriedade, que foi um assunto muito discutido na Constituição, e a criação do Simples. Também tivemos outros pontos, como a regulamentação, na Constituição, da figura do aprendiz, que sempre foi uma bandeira da Associação juntamente dos campi dos Rotary Clubes, que nós representamos também na Constituição. Além disso, a defesa do contribuinte, onde nasceu o Impostômetro, e a lei [8.846/1994] que obriga que o imposto esteja exposto em toda nota fiscal de venda de produtos e serviços. Foi outra conquista dos nossos movimentos.
Como o senhor enxerga o papel estratégico da ACSP no curto prazo?
Ela tem hoje um compromisso muito sério da salvaguarda do Simples na Reforma Tributária. Hoje, o que estamos vendo é um tratamento diferenciado ao contrário. Ou seja, a pequena empresa pagando mais imposto que os outros. Essa é uma distorção que nós vamos ter de corrigir. O Alfredo Cotait [presidente da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo] e o Ordine [Roberto Mateus Ordine, presidente da ACSP] estão trabalhando fortemente com o Congresso Nacional para corrigir as distorções da Reforma Tributária. [O Senado está debatendo o PLP 68, de regulamentação da reforma, cujo teor foi aprovado no ano passado.]
Sobre isso, a CCJ [Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania] do Senado informou que o relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM) será lido na segunda-feira (9). A partir daí o projeto já pode ser votado.
Resta saber se ele incorporou as propostas que foram feitas. Se não incorporou, vai criar problema.
O senhor tem uma trajetória na iniciativa privada, mas também trabalhou e trabalha no setor público. Qual é a vantagem de conhecer os dois lados do balcão?
No setor privado eu sou empresário, com uma boa vivência e experiência. E no setor público fui dublê de empresário e homem público, na condição de administrador. Ao par disso, administrei a minha empresa, a Indiana, que foi vendida em 2008. Foi uma experiência muito rica dentro dos dois campos, nos dando visão estratégica muito boa, para a idade que a gente tem.
O Estado brasileiro ainda é excessivo?
Na verdade, o Estado se torna excessivo quando entra naquilo que foge da sua condição básica.
O que seria?
Que é a garantia dos direitos do cidadão. É o Estado que deveria estar na justiça e na segurança. Que garante o desenvolvimento econômico sendo guardião da moeda. Portanto, na economia tem o papel de preservar a moeda para que a livre iniciativa tome suas decisões e possa se desenvolver. É um Estado que, garantindo a igualdade de oportunidades, investe na educação e na saúde. E quando garante os princípios do direito individual, é o Estado da justiça e da segurança. Fora isso, é Estado demais. É muita gente burocrática regulamentando burocraticamente aquilo em que deveria se dar liberdade, para poder ter criatividade e se desenvolver.
IMAGEM: ACSP/divulgação