A sina de quem tenta enterrar a Lava Jato
Ex-ministro do Planejamento caiu por suspeita de "pacto" para bloquear as investigações, mas foram Dilma e o PT que agiram contra as equipes de Curitiba

Existe um ingrediente comum entre a presidente afastada Dilma Rousseff e a proposta de “pacto”, que derrubou na segunda-feira (23/05) o ministro do Planejamento Romero Jucá.
Ambos procuraram barrar o caminho da Lava Jato. E não conseguiram. Isso porque a operação ganhou independência e dinâmica própria, depois de desencadeada em março de 2014, em Curitiba, pelo juiz Sérgio Moro.
A tentativa de Jucá tem muito mais de uma bravata, sem a mínima viabilidade prática. Ela surgiu em conversa gravada, em março, com o ex-senador e ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado.
Na conversa que levou a sua queda, Jucá relata a necessidade de fazer do impeachment a ocasião de um grande acordo que freasse as investigações. Com Michel Temer já a caminho do Planalto, participariam da negociação o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e até as Forças Armadas.
Ou, como diria sarcasticamente um colunista, só faltou também chamar, para esse roteiro fantasioso, os alfaiates e o episcopado.
Com o episódio, no entanto, o Partido dos Trabalhadores encontrou um roteiro que justificaria a tese de que o afastamento de Dilma teria sido o produto de um “golpe”.
O raciocínio se fundamenta numa ficção. Supõe que o “pacto” de Jucá foi desencadeado e levado a bom termo.
Essa teoria conspiratória apenas não explica de que maneira tal história teria sido mantida em sigilo, com uma quantidade tão imensa de protagonistas, como os 367 deputados e os 55 senadores que votaram pelo afastamento da presidente da República.
Em resumo, os historiadores tomarão a confissão indireta de Romero Jucá como um fato anedótico e não como uma linha de sustentação dessa estonteante sequência de fatos que o país vem atravessando.
Mesmo assim, a própria Dilma se apegou à tese de que o “pacto” e o “golpe” fazem parte da mesma narrativa. Nesta segunda-feira, em ato público sobre a agricultura familiar, ela afirmou que “o objetivo fundamental” do plano atribuído a Jucá era o de “interromper as investigações” de Curitiba.
A verdade, no entanto, é que a própria Dilma exerceu o papel que agora terceirizou, por comodidade e conveniência.
E não é opinião de pessoas que antipatizam com ela e com seu partido. É o objeto de duas investigações que correm no STF, por recomendação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Em outras palavras, é um roteiro concreto de obstrução de Justiça, com começo e meio e que sinaliza a condenação judicial como fim.
Vejamos o primeiro fato comprometedor.
Em sua delação premiada, em 11 de fevereiro, o ex-líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral, disse que em 18 de julho de 2015 conversou com Dilma justamente sobre uma forma de bloquear a Lava Jato.
A conversa, em tarde ensolarada nos jardins de trás do palácio da Alvorada, teve como tema a necessidade de impedir que importantes empresários presos em Curitiba caíssem na tentação da delação.
Para tanto, era preciso nomear para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) um ministro que se comprometesse, desde o início, a assinar os habeas corpus de soltura.
O nome do candidato a ministro do tribunal era Marcelo Navarro. Segundo Delcídio, Dilma não apenas deu “sinal verde” à operação, como também enviou ao Senado projeto de nomeação daquele senhor.
O fato é que Navarro participou dias depois de um encontro no qual se discutiu explicitamente essa “operação abafa”. Além de Delcídio, desta vez também estava presente o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Navarro foi nomeado e deixou sua impressão digital na historinha indigna da qual participou: votou em favor dos habeas corpus, mas o roteiro capotou porque ele foi voto vencido no STJ.
Pode-se perguntar qual o interesse de Dilma e do Partido dos Trabalhadores em libertar os grandes empresários presos em Curitiba.
A resposta é simples: em regime de delação premiada eles contariam em detalhes o funcionamento do propinoduto da Petrobras e arrebentariam com a tese de que no PT todos são angelicalmente bonzinhos e de que as doações de campanha nada tiveram de irregular.
LULA NA CASA CIVIL
O segundo episódio de obstrução de Justiça envolve, além de Dilma, o ex-presidente Lula, o Ministério Público paulista e a máquina investigativa da Lava Jato.
Foi a nomeação e a posse do ex-presidente, em 17 de março último, como ministro da Casa Civil. Era uma maneira de dar a ele foro especial para que não fosse preso.
Mais uma vez, não é uma interpretação subjetiva dos fatos e nem um argumento malicioso de inimigos do PT.
A nomeação de Lula foi anulada pela 4ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal e depois suspensa por liminar no STF, assinada pelo ministro Gilmar Mendes.
Lula já havia sido objeto de condução coercitiva –foi levado a depor em Congonhas numa viatura da Polícia Federal – e investigações sobre ele foram em seguida autorizadas, no STF, pelo ministro Teori Zavascki.
Teori é o responsável pela Lava Jato no tribunal.
Em verdade, e independentemente da presidente afastada, a Lava Jato nunca foi prestigiada pelo PT, com centenas de declarações no Congresso que acusavam a operação de ser “seletiva” por voltar sua artilharia apenas contra os partidos do então governo.
É óbvio que isso acontecia, mas pela simples razão de que o DEM, o PSDB e o PPS, siglas da oposição a Lula e a Dilma e que são judicialmente vulneráveis em outras esferas, não indicaram diretores ou gerentes para a Petrobras e não alimentavam seus orçamentos por meio da corrupção da estatal.
No varejo parlamentar, a iniciativa mais notória da ofensiva contra a Lava Jato está no projeto do deputado Wadih Damous (PT-RJ), que imporia sérias limitações à delação premiada.
Damous não é um parlamentar qualquer. É amigo de Lula, foi presidente da seccional fluminense da OAB e agiu por estímulo do governo.
No atacado, os argumentos disponíveis no repertório petista sempre consideraram que a Lava Jato era peça de uma conspiração destinada a prender Lula e inviabilizar o projeto de inclusão social do PT.
Dois porta-vozes dessa corrente são os sociólogos Paulo Sérgio Pinheiro, alto funcionário da ONU em missões humanitárias, e André Singer, ex-porta-voz de Lula no Planalto e hoje professor da USP.
FOTO: Márcio Fernandes/ Estadão Conteúdo