A simplificação complicada
'A tendência dos órgãos burocráticos é a de procurar aumentar seu poder e influência, transformando a si mesmo em fim'
Imaginando cenários possíveis, ou prováveis, da votação da Reforma Tributária, agora no Senado Federal, muitas hipóteses podem ser formuladas, umas com mais probabilidades, outras com menos.
Uma delas, que acho pouco provável, e menos desejável, é a de que, ao invés de rever integralmente o texto vindo da Câmara, o Senado opte por alterar o mínimo possível para que o texto não tenha que voltar à sua Casa de origem.
Assim, a única modificação seria na composição do Conselho Federativo, estabelecendo que sua composição seja baseada na do Senado, com três participantes por unidade da federação, sendo dois do estado e um do município.
Imaginando como seria esse órgão, cujas funções, além de executivas e legislativas, abrangem também a de dirimir conflitos interestaduais e com os contribuintes, pode-se esboçar que terá uma estrutura ampla e complexa. Mesmo que seja mantida como aprovada, com 52 participantes, ao invés dos 81 como no Senado, seria um órgão a mais para aumentar a burocracia decorrente do sistema tributário.
A começar pela necessidade de uma sede que, inicialmente, pode ser abrigada em alguma repartição existente, mas que, com o tempo, passará a exigir seu espaço próprio.
Cada representante precisará de uma equipe própria - secretárias, assessores para uma das áreas de competência, motoristas -, a qual, com o tempo, irá se expandindo, como mostra a experiência.
A tendência dos órgãos burocráticos é a de procurar aumentar seu poder e influência, transformando-se, muitas vezes, em fim em si. Quanto mais burocracia gerar, mais se torna importante, e cresce de forma entrópica, isto é, sem necessidade de elementos externos para se expandir.
Os estados e os municípios maiores precisarão criar sua própria burocracia para fazer interface com o Conselho, e as entidades e empresas terão que ampliar suas assessorias em Brasília, para transitar não apenas no Congresso, como no Conselho.
Isso mostra que a PEC 45 pode ser uma grande geradora de emprego, especialmente se considerarmos que durante o período de transição as empresas terão que contratar mais gente para poder atender à dupla burocracia da convivência de dois sistemas.
A regulamentação do Conselho Federativo seguramente vai gerar muitas discussões no Congresso, pois não se trata apenas de um órgão centralizador da arrecadação, mas também com funções normativas.
Parece difícil conciliar esses poderes com a autonomia federativa, para que o Conselho não possa ser contestado no Judiciário.
Esta é a primeira etapa da simplificação prometida pela PEC 45 e, como se pode perceber, não será tão simples como seria de esperar.
Olhando agora o lado das mudanças na tributação fica difícil imaginar como se poderá chegar à simplificação para as empresas. O Relatório do deputado Agnaldo apresentado para votação possuía 142 páginas, sendo cem apenas descritivas e 42 páginas de modificações do texto constitucional.
Se a Constituição brasileira já se encontrava entre as maiores do mundo, provavelmente com essa reforma deverá estar colocada em primeiro lugar em extensão.
Se considerarmos que a proposta delegou à Lei Complementar a definição dos principais aspectos do novo sistema tributário, pode-se imaginar, para ser conservador, que essa Lei deverá ter, pelo menos, um tamanho duas vezes maior, isto é, um texto com cerca de 100 páginas, a partir da qual se poderá fazer a legislação ordinária, decretos, regulamentos, portarias, notas técnicas e outros atos normativos que permitam às empresas começarem a se preparar para operar com o duplo sistema.
Parece evidente que para atravessar o período de transição, as empresas irão enfrentar uma burocracia significativamente maior, em nome da simplificação.
Uma dúvida a ser esclarecida é como se vai assegurar a compatibilidade entre o CBS e o IBS se o governo federal pode mexer unilateralmente no CBS?
Provavelmente, durante o período de transição as empresas estarão sujeitas a cometer muitos erros e é preciso que o fisco mais oriente do que multe, para que todos possam aprender juntos as novas regras, uma vez que a própria fiscalização dos estados e municípios também estará aprendendo.
É evidente que muitas dúvidas ainda restarão e, aos poucos, irá se formando uma jurisprudência, mas, a experiência mostra que as decisões do judiciário podem ser muito demoradas, mantendo as incertezas que até hoje existem em relação ao ICMS.
O Setor Serviços, que hoje não possui complexidade, mas apenas algumas dúvidas, terá que começar a fazer a contabilização do valor adicionado do IBS, sem nenhuma contrapartida pelo aumento de custos da burocracia. Pelo contrário, muitos dos segmentos ainda terão forte elevação de sua carga tributária, o que pode acarretar a inviabilização de muitas empresas e a perda de muitos empregos.
Mas - sempre existe um “mas” -, e se o Senado mexer no texto de forma que obrigue a volta para a Câmara, será que haverá outro açodamento, com atropelo do ritual que deve presidir mudança do texto constitucional?
O que sobrará do texto originalmente aprovado pela Câmara após a apreciação do Senado? As promessas do Relator da Câmara aos vários setores ainda valem? Quanto tempo demorará a aprovação da Lei Complementar? Será que também teremos atropelamento nas discussões e na votação?
Parece que ainda teremos muitas emoções, e muito mais preocupações.
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