‘A inteligência artificial já está mudando o agronegócio no Brasil e no mundo’
Henrique Nomura, CTO da Solinftec, fala sobre os desafios do setor e explica como sua empresa criou um robô que usa IA para fazer lavouras produzirem mais consumindo menos água e produtos químicos
O dia 18 de setembro deste ano ficará para sempre marcado na história da Solinftec. Especializada em soluções de inteligência artificial para o agronegócio, a empresa paulista, com sede em Araçatuba, conquistou, naquela data, em cerimônia realizada nos Estados Unidos, o Data Streaming Awards Current 2024, uma das principais premiações do setor de inovação em tecnologia e streaming de dados do mundo.
É a primeira vez que uma companhia da América Latina consegue tal feito. O prêmio já foi vencido por gigantes globais, como LinkedIn, Nasa, Netflix, Uber e Walmart. “Esse reconhecimento demonstra que estamos no caminho certo na nossa meta de revolucionar o agronegócio por meio da tecnologia”, disse o engenheiro de software Henrique Nomura, CTO da Solinftec.
Além da sede no interior paulista, a empresa possui escritórios na Bahia, no Mato Grosso e em Minas Gerais e quatro bases no exterior – no Canadá, na China, na Colômbia e nos Estados Unidos. Com operações em mais de dez países, foi fundada em 2007 e tem sob sua gestão 120 mil quilômetros quadrados de plantações, o equivalente às áreas de Bélgica e Portugal somadas.
Tem alguns gigantes do setor na sua lista de clientes, como Amaggi, Bunge, Cofco e Raízen. Seu faturamento tem crescido a uma média de 15% a 20% por ano, porcentual que deve se manter – de R$ 315 milhões, em 2023, deve chegar a R$ 370 milhões este ano (alta de 17,5%).
Dos seus 800 funcionários, 350 atuam diretamente na área de tecnologia. “Nosso maior foco é utilizar a IA para tornar a produção de alimentos um negócio cada vez mais sustentável, ambientalmente correto, rentável para o empresário e com produtos mais saudáveis para o consumidor”, afirmou Nomura.
Na entrevista a seguir, ele fala sobre os desafios do setor, conta como a alta tecnologia já está modificando a realidade no campo e explica como sua empresa criou um robô que usa IA para fazer lavouras produzirem mais consumindo menos água e produtos químicos.
DC NEWS – Como você definiria o trabalho da Solinftec?
Henrique Nomura – Gosto de dizer que somos uma empresa comprometida em revolucionar a agricultura por meio da inovação tecnológica, trazendo soluções que não só otimizam a produtividade, mas também promovem a sustentabilidade no campo. E fazemos isso por meio do desenvolvimento de softwares, apps móveis, hardwares, computadores de bordo, dispositivos climáticos e agro bots, que são os robôs que atuam nas plantações. Basicamente, criamos soluções tecnológicas que gerenciam processos agrícolas, usando inteligência artificial.
DCN – Como você analisa a conquista de um prêmio como o Data Streaming Awards Current?
Nomura – Foi algo extremamente significativo para nós. Ganhar esse prêmio mostra que a Solinftec não é apenas referência em tecnologia para o agro, mas também um player relevante no cenário global de inovação, desenvolvendo produtos que são verdadeiramente disruptivos. Competir com empresas de renome global e, o que é melhor, vencer demonstra nossa força tecnológica e nossa capacidade de transformar o futuro da agricultura no Brasil e no mundo. O prêmio destaca, também, nossa capacidade de competir com as maiores bigtechs do mundo.
DCN – Uma das missões declaradas da empresa é revolucionar o agronegócio. Como vocês pretendem alcançar esse objetivo tão audacioso?
Nomura – Podemos dizer que já estamos fazendo isso, por meio de várias ações e equipamentos. Há 4 anos, por exemplo, começamos um projeto que está mudando a maneira com a qual os alimentos são produzidos, usando robôs e inteligência artificial. Hoje, temos a maior linha de robôs autônomos do mundo. Na última temporada, operamos com 100 robôs, sendo 50 apenas nos Estados Unidos e outros 50 no Brasil. A IA já está revolucionando o agronegócio no Brasil e no mundo.
DCN – Como esses robôs trabalham e de que forma estão mudando a maneira de se produzir alimentos?
Nomura – O melhor exemplo que podemos citar é o Solix, nosso robô que ajuda a reduzir o impacto ambiental de uma plantação, ao diminuir o uso de herbicidas e aumentar a produtividade, utilizando 80% menos água. Isso nunca foi feito antes na agricultura mundial.
DCN – De que maneira esse robô faz isso?
Nomura – De várias formas. Primeiro, o Solix é um robô totalmente autônomo, que executa tarefas no campo, sem qualquer intervenção humana e sem consumir nenhum combustível fóssil. Ele funciona 24 horas por dia, usando energia solar. Por meio de GPS de altíssima precisão, escaneia cada centímetro da lavoura com câmeras alimentadas por um algoritmo de IA. Uma de suas atribuições é procurar ervas daninhas e, quando encontra, pulveriza automaticamente o herbicida apenas naquela parte da lavoura e na quantidade certa. A efeito de comparação, um pulverizador comum aplica o herbicida em toda a plantação, inclusive sobre plantas saudáveis, o que gera um gasto muito maior e desperdício de energia e de produto. A aplicação localizada do herbicida melhora a saúde da cultura e reduz em mais de 90% o uso de produtos químicos, o que, por sua vez, gera economia ao produtor. Essa é apenas uma das tarefas revolucionárias realizadas pelo Solix.
DCN – Você poderia citar outra?
Nomura – Eu destacaria o trabalho que o robô realiza à noite. Com o uso de luzes ultravioleta, o Solix atrai pragas e as mata com eletricidade gerada pelo próprio equipamento, num mecanismo parecido com o das raquetes elétricas que usamos para matar mosquitos. No nosso caso, o mais interessante é que essa luz é gerada com um comprimento de onda específico que atrai apenas insetos prejudiciais às plantas. Ou seja, os insetos polinizadores, que fazem bem à lavoura, não são afetados. Foi esse robô que nos levou a ganhar o Data Streaming Awards Current este ano.
DCN – Você falou das raquetes que usamos para matar mosquitos. Há alguma outra tecnologia que utilizamos no dia a dia que seja empregada de alguma forma nesses novos equipamentos do agro?
Nomura – Penso que o melhor exemplo é o GPS de altíssima precisão que desenvolvemos para o robô pulverizar o produto apenas nas plantas que precisam. O GPS comum, que utilizamos em carros e celulares, pode ter uma imprecisão de até 10 metros, mais ou menos. No trânsito de uma cidade, esse pequeno erro não faz a menor diferença. Numa lavoura, no entanto, essa imprecisão seria altamente prejudicial ao trabalho e faria o robô, por exemplo, jogar herbicida numa planta saudável. O GPS que implantamos no Solix tem precisão muito elevada, com possibilidade de erro de poucos centímetros.
DCN – Há dados que traduzam os efeitos positivos desse robô nas plantações?
Nomura – Sim. Vários. As lavouras tratadas com esse equipamento têm plantas maiores e mais saudáveis e raízes mais profundas do que os campos sem a atuação do robô. Hoje, mais de 100 km² de terras (quase a metade da cidade do Recife) já foram trabalhados pelo Solix, com nenhuma planta danificada. Na colheita, temos conseguido até sete sacas a mais por acre plantado. E tudo isso, repito, com redução de mais de 90% no uso de produtos químicos na lavoura. Sem IA, seria impossível alcançar esses resultados.
DCN – E qual o custo de um robô desse tipo? Para o produtor, compensa financeiramente comprar o equipamento?
Nomura – Essa é outra vantagem. O Solix custa cerca de R$ 370 mil, basicamente o mesmo preço de um trator de médio porte. Estamos falando de um robô que mede 12 metros de uma extremidade a outra, com 2 metros entre eixos e que tem placas de energia solar na sua plataforma superior. Além disso, ele anda a uma velocidade de 1,5 km/h, o que também auxilia na precisão do equipamento, já que um pulverizador comum trafega a uma média de 20 km/h. Por tudo isso, não temos encontrado dificuldade para vender o Solix. Pelo contrário. Temos até fila de espera de produtores interessados em adquirir o equipamento.
DCN – Como e onde vocês desenvolvem esse tipo de tecnologia?
Nomura – Na nossa fazenda, em Araçatuba, no interior de São Paulo. É uma propriedade de 30 hectares (o equivalente a 30 campos de futebol), na qual temos plantações de soja e milho para pesquisas. Ali, sempre temos diversos experimentos acontecendo ao mesmo tempo, com robôs sendo testados no campo. Temos clientes grandes – como Amaggi, Bunge, Cofco e Raízen – e precisamos desse tipo de estudo para seguirmos evoluindo. Nosso foco é em cultivo de extensões amplas, sobretudo em plantações de cana-de-açúcar, grãos, fibras e oleaginosas. Só de cana-de-açúcar, temos soluções nossas aplicadas em 7 milhões de hectares pelo mundo (o equivalente a um país do tamanho da Irlanda).
DCN – O futuro da agricultura é robotizado?
Nomura – Sem dúvidas. E esse processo já começou. O Solix é prova disso. Começamos pelo sistema de pulverização, que já está causando impacto no preço do produto final. Se o produtor gasta menos no processo, ele pode vender mais barato. Sem falar no salto de produtividade que a IA está promovendo nas plantações, num patamar jamais visto na agricultura mundial. E tudo isso sem consumir combustível fóssil e com economia de até 90% nos gastos com insumos. A agricultura do futuro é robotizada, com foco em produtividade e sustentabilidade. E produzindo alimentos mais saudáveis, já que usará menos produtos químicos.
DCN – Com tantas inovações tecnológicas, quais são os maiores desafios do agronegócio nos próximos anos?
Nomura – A tecnologia já está proporcionando uma realidade impensável no passado, com evoluções e transformações como as que citamos nessa conversa. Penso que, a partir de agora, a mudança vai depender muito da postura dos produtores. Precisamos levar o produtor rural e as empresas do setor a investir mais em alta tecnologia e, consequentemente, usar menos produtos químicos, como defensivos, agrotóxicos, herbicidas, fertilizantes. E também a consumir menos água nas plantações. No mundo atual, a água é um dos bens mais valiosos e precisa ser usada com parcimônia e sabedoria. A boa notícia é que já provamos que, com a ação da IA, tudo isso é perfeitamente possível.
IMAGEM: Solinftec/divulgação