Reforma tributária tem potencial para corrigir disparidade de gênero

Margarete Coelho, diretora do Sebrae, destaca mecanismos que inibem o 'imposto rosa', como as alíquotas diferenciadas, com redução de 60% para serviços ginecológicos e zerada para produtos voltados à saúde menstrual

Mariana Missiaggia
10/Dez/2024
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Reforma tributária tem potencial para corrigir disparidade de gênero

Historicamente, mulheres ganham menos que homens, pagam mais caro pelos produtos que consomem e são menos presentes em ambientes de decisão de políticas públicas. Em discussão no Congresso Nacional, a reforma tributária poderia ser um instrumento para reverter esse quadro, na opinião de Margarete Coelho, diretora de administração e finanças do Sebrae.

De acordo com Margarete, os números mostram que as mulheres abrem negócios na mesma proporção que os homens e, normalmente, são mais escolarizadas. Entretanto, seus empreendimentos faturam menos, são menos inovadores, têm lucros menores, são pouco diversificados e têm baixa potencialidade de internacionalização.

Embora essas questões ainda passem ao largo das prioridades dos parlamentares - que são, em sua maioria, homens, o Sebrae atua junto ao Congresso Nacional para favorecer a mulher nesse cenário. Na organização, Margarete é uma das responsáveis por conduzir o avanço desse diálogo.

A diretora do Sebrae conversou com o Diário do Comércio durante a 5ª edição do evento Liberdade para Empreender – Ação de Mulheres, realizada pelo Conselho Nacional da Mulher Empreendedora e da Cultura (CMEC) junto com a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp). 

Na entrevista abaixo, Margarete cita algumas mudanças que podem ser contempladas pelo novo sistema tributário, como, por exemplo, a uniformização de alíquotas para todos os produtos e serviços, evitando que o consumo feminino seja mais oneroso, e a redução de alíquotas para produtos essenciais, a exemplo de itens voltados para higiene feminina. 

 

Diário do Comércio - Como a reforma tributária impacta as mulheres?

Margarete Coelho - É importante lembrar que, de acordo com o IBGE, as mulheres compõem o extrato mais baixo da distribuição de renda no Brasil. Isso se deve, em grande parte, ao atual sistema tributário que é extremamente injusto por ser fundamentado na tributação sobre o consumo em detrimento da tributação sobre a renda. Neste sentido, entendo que a reforma proposta traz justamente uma tributação mais simples e uniforme sobre o consumo. Além disso, um dos motes dessa reforma tributária é que toda a avaliação sobre os tributos CBS e IBS deverá levar em consideração a igualdade entre homens e mulheres.

 

Poderia falar um pouco sobre 'imposto rosa'?

A prática do pink tax, ou 'imposto rosa', é conhecida pela cobrança mais onerosa sobre produtos e serviços direcionados às mulheres em comparação com os mesmos produtos e serviços destinados aos homens, a exemplo de itens de higiene e cuidados pessoais, roupas, acessórios, entre outros. Além do impacto direto da própria alíquota do imposto ser maior, quando se considera a regressividade do atual sistema, isso pesa ainda mais para as mulheres de baixa renda. Esse impacto é sentido em diversas frentes e a principal delas é a desigualdade econômica, já que o custo de vida se eleva (principalmente para famílias de baixa renda).

Geralmente, os itens essenciais e imprescindíveis na vida da mulher contribuem para o aumento das despesas do lar. Além disso, é visível a existência da desigualdade de gênero, considerando o tratamento dado ao homem e à mulher. Homens pagam menos e mulheres pagam mais apenas pelo fato de serem mulheres. Apenas a título de ilustração, o método contraceptivo para o homem é taxado com alíquota de imposto menor do que o método para as mulheres. Os mesmos produtos para cuidados pessoais, como, por exemplo, lâminas de barbear ou cremes hidratantes, pelo simples fato de uma versão ser azul e a outra rosa, os das mulheres têm preço maior.

Enfim, não há justificativa para esta prática no mercado, por isso é preciso conscientizar os consumidores e promover políticas que busquem a equidade de preços, independentemente do gênero. É exatamente o que a reforma tributária tentará fazer por meio de mecanismos que corrigirão essa distorção de alíquotas mais caras para produtos femininos, que obrigatoriamente tornam os preços desses produtos maiores.

 

Então podemos considerar essa reforma um avanço?

O fato de a mulher e a equidade de gênero terem sido considerados no âmbito do sistema tributário nacional já é um grande avanço para o Brasil e para a sociedade. Significa que o cenário de mudanças traz a esperança de uma justiça tributária que reduza as desigualdades sociais, de gênero e de renda. Tenho convicção que os efeitos da regulamentação da reforma serão sentidos pelas mulheres. E são positivos. O sistema começará a deixar de penalizar a mulher, corrigindo as disparidades hoje existentes e sentidas principalmente pelas mulheres de baixa renda, inseridas no mercado de consumo.

Outro ponto relevante a ser considerado, que tem impacto positivo para as mulheres, é a alíquota diferenciada, com redução de 60% para serviços ginecológicos e obstétricos e de alíquota zero para produtos de cuidados básicos voltados à saúde menstrual.

 

Como é possível garantir melhores direitos para as mulheres com tantos homens no poder?

Garantir melhores direitos para as mulheres em contextos em que os homens dominam posições de poder exige uma combinação de estratégias políticas, educacionais, sociais e culturais. A promoção da participação política das mulheres é essencial e eu sempre atuei nesse sentido. Políticas como cotas de gênero podem ajudar a garantir uma representação mínima em cargos de liderança. Além disso, oferecer suporte de mentorias em liderança para as mulheres como fazemos no 'Sebrae Delas' é crucial, assim como o fortalecimento de redes de apoio que incentivem a colaboração entre mulheres.

Educar sobre igualdade de gênero também é um passo fundamental. A introdução de conceitos sobre igualdade nas escolas desde cedo contribui para a desconstrução de estereótipos e a evolução do comportamento cultural, enquanto a promoção de treinamentos para líderes em posições de poder ajuda a sensibilizar sobre a importância dos direitos das mulheres. A mídia e a cultura desempenham um papel importante ao promover representações positivas e diversificadas das mulheres, influenciando mudanças sociais mais amplas.

 

E como isso reflete no empreendedorismo feminino?

A magia do empreendedorismo surge como um caminho poderoso para a independência e o protagonismo das mulheres, permitindo que elas conquistem autonomia financeira e desafiem as desigualdades estruturais. Ao empreender, muitas mulheres se tornam líderes em suas comunidades, criam redes de apoio e promovem a inclusão, gerando impactos positivos tanto no mercado quanto na sociedade. Iniciativas de capacitação, acesso ao crédito e programas específicos para mulheres empreendedoras são fundamentais para fortalecer esse movimento, criando oportunidades reais de transformação.

As estatísticas demonstram que as mulheres abrem negócios na mesma proporção que os homens e, normalmente, são mais escolarizadas. Entretanto, seus empreendimentos faturam menos, são menos inovadores, têm lucros menores, são pouco diversificados e têm baixa potencialidade de internacionalização. Além disso, elas pagam taxas de juros mais altas, mesmo sendo mais adimplentes.

 

Qual é o trabalho do Sebrae nesse sentido?

O nosso trabalho é mostrar para as mulheres que elas podem ser donas dos seus próprios destinos por meio do empreendedorismo. Trabalhamos para desenvolver 'os remédios' que levarão as mulheres a superarem esses desafios, seja através de linhas de crédito mais favoráveis, seja por conferir o tratamento jurídico diferenciado e mais favorável a esse segmento.

Tivemos forte participação na discussão sobre a reforma tributária, desde a fase que antecedeu a promulgação da EC 132/2023 e, atualmente, nesta fase de regulamentação, por meio do PLP 68/2024. Toda luta contra práticas indevidas e onerosas ao público feminino é válida. E não se trata apenas de empreender. Trata-se de alcançar mulheres de baixa renda, mulheres donas de casa (economia do cuidado), mulheres que trabalham, mulheres que empreendem.

Trabalhamos para criar condições favoráveis às mulheres no conhecimento e inserção no mercado, temos parcerias com o governo. Sem esquecer do 'Sebrae Delas', que incentiva, valoriza e acelera a jornada de mulheres empreendedoras. O projeto também desenvolve as competências, comportamentos e habilidades da mulher em si. Já são mais de meio milhão de mulheres atendidas no 'Sebrae Delas'. O campo de atuação é amplo e não se restringe ao ato de empreender. 

 

Em que frente acredita ser possível avançar mais?

Especialmente na questão do acesso ao crédito, onde as mulheres encontram ainda mais dificuldades e, por isso, estamos lançando o 'Acredita Delas'. Com soluções de qualificação sobre crédito e o aval do nosso Fampe, apoiaremos de forma contundente a liberação de crédito para mulheres empreendedoras.

Como diretora do Sebrae, criamos uma unidade exclusiva de empreendedorismo feminino, diversidade e inclusão e estamos desenvolvendo ainda mais soluções focadas em apoiar mulheres e todas as pessoas de públicos minorizados. Já temos uma infinidade de ferramentas e soluções e vamos avançar ainda mais.

 

IMAGEM: divulgação

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