Reforma tributária e o futuro
A EC 132/23 e as LC 68 e 108/23 consideram a evolução rápida e profunda da tecnologia e seu possível impacto sobre o sistema tributário?
Li recentemente diversos artigos sobre as transformações que estão ocorrendo, não apenas na economia, mas também na sociedade, em função da evolução das novas tecnologias e da busca por fontes limpas de energia. Embora minha atenção inicial estivesse voltada para o impacto no emprego, as transformações que vêm se intensificando atingem diretamente as empresas de todos os setores, especialmente do comércio e serviços. IA Generativa, Plataformas, Blockchain, Tokenização, PIX, DREX, são exemplos de tecnologias com utilização mais intensa, enquanto outras ainda estão em caráter mais limitado. As discussões mais acirradas têm sido com relação à IA e à necessidade de regulamentar seu uso, sem, no entanto, prejudicar sua evolução e utilização. Todos os debates chamam a atenção para a necessidade de regras flexíveis, que imponham limites, sem, no entanto, engessar sua utilização.
Quanto às novas fontes de energia limpa, além das várias opções de que o Brasil dispõe, como a hidrelétrica, o biocombustível, a solar e a eólica, entre outras, o que lhe dá grandes vantagens comparativas, destaca-se a quantidade e diversidade de metais que serão necessários para viabilizar as fontes alternativas.
Em um processo de associação de ideias, me ocorreu analisar se a EC 132/23 e as propostas de leis complementares que estão em discussão, a LC 68 e a 108/23, consideram a evolução rápida e profunda da tecnologia e seu possível impacto sobre o sistema tributário, e se elas não dificultariam a tributação das novas tecnologias.
Quando fiz essa pergunta a um especialista, ele respondeu que não afetaria nada, porque, ao final, tudo se resume à compra e venda de bens e serviços. Como os fatos geradores foram definidos de forma ampla, as novas operações estariam contempladas.
Considero que, em tese, isso está correto. No entanto, como deverá ocorrer uma forte mudança dos preços relativos, todos os cálculos que foram feitos até agora sobre os impactos gerais e setoriais serão bastante afetados com as mudanças decorrentes das novas tecnologias.
Não se pode esquecer que essa reforma terá um período de transição para as empresas de oito anos, com a convivência de dois sistemas, mas, para os estados, só se completa em 2077, e ainda sobra um saldo para compor o fundo de compensação aos perdedores, que somente vai a zero a partir de 2098.
Em meus 60 anos como economista da ACSP, acompanhando por obrigação profissional as mudanças da legislação que afetam a economia, não vi propostas que descessem a tantos detalhes e que pretendam regulamentar um período tão longo, como se a economia não mudasse nesse tempo, mesmo que não estivéssemos em uma fase de transformação tecnológica. As últimas reformas do sistema tributário, 1966 e 1989, eram como o amor do Vinícius de Moraes, “infinito enquanto dure”, isto é, não tinham data para sua conclusão e não tinham um ciclo de mudanças tão longo.
Reconheço que foi um grande trabalho a elaboração dessas propostas, que parecem consistentes, apesar de muito intervencionistas e complexas, e que fogem do principal objetivo esperado pelos contribuintes: a simplificação. A complexidade decorre, em grande parte, do fato de que visaram a muitos objetivos: simplificar, promover justiça social, manter a carga tributária e respeitar o pacto federativo. Ignoraram a “regra de Tinbergen”, do economista holandês Jan Tinbergen, Prêmio Nobel de Economia de 1969, segundo a qual, “para vários objetivos, são necessários igual número de instrumentos”. Caso contrário, muitos dos objetivos podem se revelar contraditórios.
Para contornar a questão federativa, criaram o Comitê Gestor, como se, com isso, não ferissem a cláusula pétrea da autonomia dos entes federativos. Interessante observar que o parecer da PGFN, anexado à LC 108, deixa aberta a possibilidade de questionamento da constitucionalidade do Comitê Gestor, ao afirmar que a posição favorável de seu parecer é uma das interpretações possíveis, mas alerta que “é relevante pontuar que a leitura ora realizada quanto ao regime de pessoal da entidade é apenas uma das interpretações possíveis da norma e pode não ser coincidente com a interpretação a ser dada pelos órgãos de controle ou pelo Poder Judiciário”, gerando grande incerteza.
Os poderes conferidos ao Comitê Gestor centralizam e anulam competências próprias dos estados e municípios. O argumento de que esses entes federativos participam do Comitê não anula o fato de que os executivos e os legislativos estaduais e municipais perdem seu poder de gestão sobre os impostos que lhes pertencem. O “centralismo democrático” desse órgão (sem qualquer alusão a Lenin) contraria o objetivo da desconcentração do poder e as vantagens das decisões descentralizadas.
Igual incerteza pode ser observada no tocante aos quatro fundos criados, que serão bancados pela União, sem previsão de fonte de recursos e com prazos e duração indeterminados.
Medida inserida na EC 132, a da tributação da “extração de minérios”, mesmo destinados à exportação, prejudica não apenas o segundo principal item da pauta das exportações, mas também inúmeros produtos que se utilizam dos metais, não apenas para uso doméstico, que terão aumento de preços, como também para a expansão das fontes alternativas de energia. Em sentido contrário, o governo federal criou o “Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira”, reconhecendo a importância do setor para a implantação das novas fontes de energia.
Deixando de lado as dificuldades do período de transição para as empresas e a complexidade das normas propostas, existe ainda a incerteza com diversos pontos das propostas em discussão. Todas as mudanças são inovações não adotadas em qualquer país ou utilizadas de forma limitada no âmbito da OCDE, como o “split payment” (pagamento no ato da compra), tributação de serviços financeiros e “cashback”.
Para preocupar ainda mais, tudo foi constitucionalizado, de sorte que não podemos levar em consideração as advertências de Sun Tzu, que, na “Arte da Guerra”, advertia que “um plano perfeito pode falhar na prática. Portanto, esteja sempre atento às mudanças e seja flexível”.
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