Quase 30 mil lojas fecharam as portas no Estado de São Paulo
O número representa cerca de um terço dos estabelecimentos desativados no país em 2015, segundo estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC)

Basta andar pelos shoppings e pelas principais ruas de São Paulo para constatar o tamanho da crise que abate o varejo. Em nenhum outro período se viu tantas lojas com as portas fechadas com duvidosas placas de "passo o ponto" ou "aluga-se".
O consumidor reduziu as compras , o crédito se tornou mais escasso e caro e a combinação entre queda de receita e menos recursos disponíveis para financiar estoques e a clientela engrossou a estatística de estabelecimentos que, no ano passado, encerraram as operações no Estado de São Paulo e no país, de acordo com a CNC (Confederação Nacional do Comércio).
Com base em informações fornecidas pelos comerciantes ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, a CNC chegou a um saldo de 28,9 mil lojas fechadas no Estado de São Paulo em 2015 -quase 30% do número identificado no país (95,4 mil).
Para chegar a esses números, a CNC tomou como base o número de empresas do comércio com pelo menos um vínculo empregatício que informaram ao Caged movimentação trabalhista como demissões, contratações, licenças remuneradas, e comparou com os números de anos anteriores.
Em 2015, de acordo com a CNC, 173,8 mil empresas do varejo enviaram essas informações ao Caged. Em 2014, 202,7 mil deram ‘sinal de vida’ ao Ministério do Trabalho.
No ano passado, o número de empresas que entraram em contato com o ministério foi 14,3% inferior ao de 2014. Essa diferença, de 28,9 mil empresas, representa, no entendimento da CNC, o número de estabelecimentos comerciais paulistas que fecharam as portas em 2015.
De 2010 a 2014, quando a economia estava em ritmo de crescimento, o número de lojas que prestaram informações ao Caged aumentou ano a ano. Nesse período, abriram mais lojas do que fecharam no Estado de São Paulo.
Em 2010, 175,1 mil lojas paulistas prestaram informações trabalhistas ao Caged. Este número subiu para 193 mil (2011), 195,6 mil (2012), 201,6 mil (2013) e 202,7 mil (2014).
De 2010 a 2014, portanto, o saldo entre lojas abertas e fechadas ficou positivo em 27.600 no Estado de São Paulo. Grosso modo, na avaliação da confederação, o número de lojas que abriram em quatro anos praticamente sumiu em apenas um ano.
“Como a rotatividade no mercado de trabalho no varejo é enorme, é pouco provável que uma empresa passe 12 meses sem fazer qualquer movimentação trabalhista", diz Fábio Bentes, economista da CNC. "Se não fez, é forte indício que deixou de operar, fechou.”.
Convém observar que o número de lojas fechadas identificado pela CNC está limitado ao universo de empresas que possui ao menos um funcionário. Havia 510 mil estabelecimentos no Estado de São Paulo em 2013, de acordo com o IBGE.
É que muitas lojas não possuem empregados. São tocadas pelos próprios donos ou parentes e, por isso, não aparecem nas estatísticas do Caged.
RETROCESSO
“Independentemente do número absoluto, o que se verifica é que o número de empresas que fornecem informações ao Caged voltou ao patamar de 2010. Houve, portanto, um retrocesso no setor de varejo”, diz Fábio Pina, assessor econômico da Fecomercio SP.
Como existem muitas empresas do varejo sem vínculo empregatício, diz ele, o número de estabelecimentos fechados no Estado de São Paulo em 2015 é, possivelmente ainda superior a 28,9 mil.
É muito difícil saber quantas lojas de fato abriram ou fecharam no país ou em São Paulo, de acordo com Nelson Barrizzelli, consultor de varejo.
"Nos Estados Unidos, as estatísticas são atualizadas e confiáveis, diz ele, porque estão concentradas na Receita Federal. “Lá, uma empresa consegue fechar em três dias”, diz.
Por aqui, de acordo com o consultor, é muito comum, após a decisão de fechar, uma empresa esperar seis anos para encerrar de fato as suas atividades, o que prejudica a apuração.
“Agora, não é difícil imaginar que, neste ano, assim como no ano passado, muito provavelmente, vai ter mais lojas fechando do que abrindo no Brasil”, diz Barrizzelli.
Até mesmo as grandes redes, com maior poder de fogo para enfrentar uma crise, diz ele, estão em processo de enxugamento para enfrentar a queda de consumo. A rede norte-americana Walmart anunciou o fechamento de 30 lojas no Brasil no início do ano.
As redes Eletro Zema e a Eletrosom (em recuperação judicial), com forte presença no interior de Minas Gerais, fecharam 17 e 36 pontos de venda, respectivamente.
A Darom, de Arapongas (PR), também em recuperação judicial, fechou duas unidades. E a Cybelar, no interior de São Paulo, encerrou o ano com dez lojas a menos.
PEQUENOS LOJISTAS
São os pequenos comerciantes, na avaliação de Barrizzelli, que deverão engrossar as estatísticas de fechamento de lojas neste ano. “Eles estão sem capital de giro”, diz.
Eduardo Terra, consultor de varejo, concorda. Quando o crédito está disponível, diz ele, o lojista consegue enfrentar períodos de queda de vendas.
“Ele se financia, aguarda dois ou três anos, até que o mercado melhora, e continua tocando o negócio. Só que neste ano, além de o país estar em um momento delicado, não tem crédito disponível”, afirma.
Esse cenário, na avaliação de Terra, não deve mudar no curto prazo. “A ressaca maior será agora, estamos na fase aguda”, diz ele.
Para Pina, da Fecomércio, em dois anos (2015 e 2016), o varejo deve regredir uma década em receita. “Com desemprego e uma inflação de 10% a 12%, muitas empresas não vão aguentar o tranco”, diz.
Os consumidores, prevê, vão ter seu orçamento ainda mais apertado. “O setor de serviços também vai sofrer mais este ano, pois o brasileiro vai cortar de plano de saúde, lazer, TV a cabo, telefone celular”, diz.
“A perspectiva é ruim. Não se vislumbra nada que possa inverter essa situação”, afirma Marcel Solimeo, economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
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Pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência entre os dias 16 e 20 de janeiro mostra que 46% dos brasileiros acham que a economia será pior em 2016 do que foi em 2015 e 26% acreditam que vai permanecer igual ao ano passado.
O indicador antecedente da ACSP aponta queda de vendas do comércio pelo menos até maio. Para a Fecomercio SP, o faturamento real do comércio paulista deve cair 6% este ano.
AJUSTES
É bom lembrar também que o fechamento de lojas pode ser um processo necessário e saudável de ajuste das empresas, na avaliação de Alberto Serrentino, consultor de varejo.
“A década do ‘boom’ de consumo levou as empresas a focar em expansão. Agora, com a retração do mercado, elas passaram a ter uma visão mais crítica e a se preocupar com produtividade e eficiência. Com isso, a análise do portfólio das lojas passou a ser prioritária”, diz Serrentino.
Apesar de tantos números negativos, alguns sinais são positivos. O índice de confiança do comércio, medido pela FGV, melhorou em janeiro, e pode ser um sinal de que a recessão já chegou ao fundo do poço. “O segundo semestre pode ser melhor”, afirma Terra.